Por Ivone Benedetti
Outubro/2024
⠀⠀⠀Publicado em Milão no ano de 1895, Piccolo mondo antico transcorre durante a luta pela unificação italiana (Risorgimento), de 1849 (ano da derrota de Novara) a 1859, às vésperas da nova guerra contra a Áustria. Por algumas anotações do autor sabemos que a escrita do romance demorou cerca de 10 anos (Fogazzaro começou a escrevê-lo em agosto de 1884 e o terminou em 31 de dezembro de 1894). Assim que publicado, o romance foi imediatamente traduzido para o inglês e o francês, tornando-se em breve um sucesso internacional. Essa obra é a primeira de uma tetralogia, que inclui Piccolo mondo moderno (Pequeno mundo moderno, 1901), Il Santo (O Santo, 1905) e Leila (1910).
⠀⠀⠀Franco Maironi, rapaz pertencente a uma família aristocrática de Valsolda, está apaixonado por uma moça que não tem títulos nobiliárquicos, Luisa Rigey. A essa união a avó marquesa de Franco se opõe peremptoriamente. Apesar disso, casam-se. A velha aristocrata não se dá por vencida e persegue a nova família, prejudicando o tio de Luisa, que desempenha papel conciliador e sensato em toda a trama. A animosidade entre as duas mulheres culmina quando Luisa se afasta de casa para interceptar a passagem da avó de Franco e tirar satisfações, lapso de tempo em que sua filha única se afoga no lago. Alimentando forte sentimento de culpa e profundo amargor, Luisa se afasta de Franco, que parte para a guerra de libertação da Itália. Um reencontro final do casal resultará no nascimento do personagem da obra seguinte, Piccolo mondo moderno. Nos volumes seguintes, a história continua ao longo dos anos, com destaque para Piero Maironi, filho de Franco e Luisa.
⠀⠀⠀A obra teve sucesso expressivo e duradouro. Graças a ela, Fogazzaro se tornou conhecido e foi indicado para o senado. Em 1941, com adaptação de Mario Bonfantini, direção de Mario Soldati e produção de Carlo Ponti, o romance ganhou sua versão cinematográfica. Os protagonistas Luisa e Franco são representados, respectivamente, por Alida Valli e Massimo Serato.
⠀⠀⠀Em suas obras, Antonio Fogazzaro (Vicenza 1842 - 1911) investigou o mundo sentimental e religioso dos protagonistas (Malombra, 1881; Daniele Cortis, 1884; Piccolo mondo antico, 1895, considerado sua obra-prima) e abordou o conflito entre fé e ciência, entre o catolicismo e o mundo moderno. O romance Il Santo (1905) foi colocado no Index por sua abordagem modernista. Fogazzaro teve educação religiosa e patriótica. Perdeu a fé religiosa na adolescência e a ela retornou ativamente na maturidade. Depois de algumas tentativas poéticas (Miranda, 1873; Valsolda, 1876), Fogazzaro encontrou a forma que lhe convinha no romance. Malombra (1881) anuncia o sucesso dos melhores romances, não só pela inspiração autobiográfica fundamental, mais ou menos típica de todas as suas obras, como também pelo agudo espírito de observação que lhe permite apreender a verdade. Daniele Cortis (1884), que alcançou sucesso, foi seguido por Mistério do Poeta (1887). Vivendo um período de grande efervescência, Fogazzaro submete ao ponto de vista católico problemas sociais e científicos – principalmente a teoria da evolução. Para ele, essa teoria não estava em contradição com o ensino religioso; ao contrário, conferia-lhe valor superior, pois a evolução se revelava como uma criação divina que dura para sempre, aperfeiçoando-se cada vez mais. Fogazzaro tornou-se propagandista dessas ideias (Ascensioni umane, 1899), e em seus romances são abordadas algumas dessas reflexões. Piccolo mondo moderno e Il Santo são escritos a partir de moldes do movimento modernista, do qual Fogazzaro participou com ardor, aceitando a possibilidade de os textos bíblicos serem submetidos à crítica histórica. Il Santo propôs-se renovar as consciências dos católicos. Artisticamente carente, não teve influência nesse sentido. A condenação do romance ao Index (5 de abril de 1906) é um prelúdio à condenação do modernismo (1907). Fogazzaro sofreu ataques de alguns católicos intransigentes, sendo acusado de anticlericalismo. Seu último romance, Leila (1911), com seus personagens “católicos à moda antiga”, pretende marcar o distanciamento de Fogazzaro dos intelectuais reformadores glorificados em O Santo. Depois de Verga, Fogazzaro é considerado o maior romancista italiano do final do século XIX.
⠀⠀⠀Essa obra de Fogazzaro conta com duas traduções no Brasil: uma de José Geraldo Vieira, reeditada recentemente pela Sétimo Selo, e a de Ivone Benedetti, publicada pela editora Carambaia em 2016, com posfácio de Ana Nemi e belo projeto gráfico da Tuut Design. Na capa, a tela Il bacio, de Francesco Hayez, de 1859 é representada a partir de um recorte. A tradução da edição da Carambaia procurou manter ao máximo o clima do original, com a manutenção dos trechos escritos em dialeto pelo autor. Por essa razão, é grande a riqueza de notas explicativas, tanto de cunho cultural quanto histórico. A par disso, a riqueza de personagens e a profundidade de suas análises, numa redação sofisticada, exige do tradutor a capacidade de percorrer os meandros do texto italiano e criar uma versão compatível, em língua portuguesa, com as características eruditas da prosa fogazzariana. Tanto as alusões históricas e culturais quanto a imersão no universo dialetal da região exigem grande versatilidade da tradução.
FOGAZZARO, Antonio. Pequeno mundo antigo. Translation from Ivone Benedetti. São Paulo, SP: Carambaia, 2016. ISBN: 978-85-69002-18-5.
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