Por Adriana Marcolini
Novembro/2024
⠀⠀⠀Descobri, literalmente, Maria Messina (1877-1944) durante as pesquisas para a minha tese de doutorado na USP, sobre o livro Sull’Oceano (1889), de Edmondo De Amicis – o primeiro romance da emigração italiana. Assim como ele, também esta escritora siciliana pouco conhecida na Itália, e bem menos no Brasil, escreveu sobre a emigração – fenômeno que atingiu em cheio sua terra natal. No entanto, há um aspecto que se destaca em suas novelas que tratam da temática migratória: a ótica feminina. Elas trazem à tona o olhar das mulheres que ficavam para trás, enquanto os pais, irmãos, filhos, noivos e maridos partiam em busca do sonho de fare la Merica. Iludidas com a ideia de se juntar aos maridos e filhos, as mulheres viviam como almas vagantes à espera de um rumo, de uma esperança que nunca iria se concretizar. Eram as chamadas vedove bianche, as viúvas que não eram viúvas de fato, mas na prática.
⠀⠀⠀Pequenos Redemoinhos, minha tradução de Piccoli Gorghi, foi lançado em 2022 pela editora Martin Claret, de São Paulo – que aceitou a minha proposta de tradução e publicação. A tiragem foi de 1,5 mil exemplares. Trata-se de uma coletânea de 13 novelas – até então inédita no Brasil. Das 13, três abordam a emigração.
⠀⠀⠀Maria Messina expõe, com uma escrita lancinante, a condição das mulheres na Sicília, entre o fim do século XIX e o início do século XX. Ela própria não frequentou a escola, então inacessível para as mulheres na Sicília. Recebeu aulas particulares da mãe e do irmão.
⠀⠀⠀Oprimidas, as mulheres sicilianas eram obrigadas a obedecer e a se submeter às ordens dos pais, irmãos e maridos. Não tinham voz. Impedidas de estudar e trabalhar, proibidas de fazerem suas próprias escolhas, às mulheres só cabia obedecer. A autora escancara essa realidade de forma sutil, levando o leitor a caminhar pelo interior das casas sicilianas, pelos labirintos das famílias, com seus códigos de conduta e hipocrisias. Na tradução, procurei preservar a atmosfera intimista das novelas, às vezes um tanto sombria e triste, exacerbada por uma escrita direta e arrebatadora.
⠀⠀⠀A autora inseriu no livro algumas frases e poesias em dialeto siciliano, o que trouxe dificuldades, uma vez que não o conheço. Recorri à colaboração do pesquisador siciliano Marco Scalabrino, um estudioso e divulgador do dialeto da Sicília, que gentilmente as traduziu para o italiano, fornecendo-me uma base a partir da qual eu pudesse traduzir para o português. Sou muito grata a Marco Scalabrino, um entusiasta do seu dialeto.
⠀⠀⠀Optei por deixar os vocábulos sicilianos no original, em itálico. Inseri as traduções em nota de rodapé. Também escolhi manter don e donna, títulos que antecediam os nomes de pessoas importantes na Sicília na época da escrita do livro, porque os vocábulos mantêm assim seu sentido original e o texto adquire mais sabor. Da mesma forma, deixei no original vários outros vocábulos, como mamma, nonna, gna’ e ssù.
⠀⠀⠀Maria Messina enfrentou dificuldades para penetrar no mundo editorial, então dominado por editores e escritores do sexo masculino. Ao longo de dez anos (1909-1919), manteve uma correspondência regular com Giovanni Verga, considerado por ela seu mestre. Além de lhe dar conselhos, o escritor siciliano lhe prestou apoio, apresentando-a a editores.
⠀⠀⠀Aos 49 anos, com a saúde bastante fragilizada, Maria Messina recebeu o diagnóstico de esclerose múltipla. Nessa época a escritora residia em Florença com a mãe. Perdeu os movimentos gradualmente e, aos poucos, a capacidade física de escrever. Precisou rescindir contratos com revistas e editoras.
⠀⠀⠀Entre 1909 e 1928, período em que se dedicou à arte da escrita, teve obras publicadas por editores de destaque na época, como Le Monnier e Treves. Permaneceu obscurecida por cinco décadas, até voltar a ser publicada graças ao escritor siciliano Leonardo Sciascia, que na década de 1980 propôs à editora Sellerio, de Palermo, a republicação de seus livros.
⠀⠀⠀Maria Messina faleceu em 1944, aos 56 anos, vítima da esclerose múltipla que a acompanhou por mais de trinta anos.
⠀⠀⠀Nos últimos tempos sua obra foi revalorizada, ganhando novas edições não só na Itália, mas também na França, Espanha, Alemanha e Estados Unidos. Espero que a publicação de Pequenos Redemoinhos seja uma porta de entrada para que outros livros de Maria Messina possam ser publicados no Brasil.
MESSINA, Maria. Pequenos Redemoinhos. São Paulo: Martin Claret, 2022.
MESSINA, Maria. Piccoli Gorghi. Palermo: Sellerio Editore, 1997.
GARRA AGOSTA, Giovanni. Un idillio letterario inedito verghiano: lettere inedite di Maria Messina a Giovanni Verga. E-book (2015). Disponível em: https://liberliber.it/autori/autori-m/maria-messina/un-idillio-letterario-inedito-verghiano/. Último acesso em 2/7/2023.
VENEBERG, Aleida. Variazioni nel Verismo. “Sei personaggi femminili di Maria Messina e due di Giovanni Verga”. Tesi di laurea breve in Lingua e Cultura Italiana. Universiteit van Amsterdam, Facoltà di Scienze Umane, 2014.
MESSINA, Maria. Pequenos redemoinhos. Translation from Adriana Marcolini. 1. ed. São Paulo, SP: Editora Martin Claret, 2022. ISBN: 9786559101702.
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