Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

Silêncios, de Ernani Rosas


Texto-fonte:

Poesias, Ernani Rosas, org. de Iaponan Soares e Danila Carneiro da Cunha Luz Varella,

Florianópolis: FCC, 1989.

 SILÊNCIOS

Ondulação da cor, teoria das horas,

cristalina garganta, irmã dos rouxinóis:

com que ânsia colores as cármicas auroras?...

crepúsculo eterial de acordes e bemóis!...

Os raios d'astros são ritos,

sangrando em rubis noturnos,

euclásias e crisóprasos

ardendo em brilhos soturnos

de crepúsculo e ocasos...

Descem os últimos reflexos

num vislumbre cristalino,

cálice d’oiro e hialino,

que a minha sede aguardasse,

âgua fria que passasse!...

Iniciam-se de seda

uns idílios em prelúdio:

sonha o cisne de uma Leda,

mais o sentido de um mudo!

Uma princesa descansa

à sombra de uma alameda:

todo longe é uma esperança

e a hora fenece em seda...

Pelas charnecas a Lua

constela de diamantes a vereda...

E a hora é Salomé sob esplausos de Luz.

Esmorece o vesperal,

cristaliza-se o som

num ritmo de espetral...

Delírio de opalino,

que as coisas embalava!

quando à luz irial

sonâmbulo evolava,

como um lírio outonal

pendente no Abandono...

Agonizava uma vez... é talvez a princesa?...

parece, que morreu:

vai pela tarde um laivo de Tristeza,

num'asa adeja agora para o Céu!...

As cisternas, ao fundo, notiluzem Luar...

O jardim adormece...

de anseio e de cismar...

uma fonte ao correr

amortece,

Sou Deus a conceber!...

Oram as flores por mim,

destilam essência e olor...

Sou a boca do Sol-pôr!

que esparze aflux jardim

em forma de saudade e súplicas de Amor!...

Sombra de Aparição, que dorida te inclinas,

qualquer coisa possuis de hierática no Amor:

beijando a ara azul da hora, que ajardinas...

És o pintor irreal das telas do Sol-pôr!...