Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Ode a Vasco da Gama, de Basílio da Gama


Edição de referência:

Obras Poéticas de Basílio da Gama, São Paulo: Edusp, 1996.

ODE

A VASCO DA GAMA

ILUSTRE OUSADO E DESCOBRIDOR

DA NAVEGAÇÃO DAS ÍNDIAS ORIENTAIS

I

Os belicosos peitos,

De mil triunfos nunca satisfeitos,

De que são testemunhas

Os ilustres brasões que estão pendentes

Nas elevadas frentes,

Vencendo o vento irado, e o mar profundo,

Passam a dominar a todo o mundo.

II

Guerra o Tejo pregoa,

O som veemente pelos ares soa,

E vê turbada, e triste

Que maiores triunfos Lísia soma

A populosa Roma.

Armas se juntam pelo Reino inteiro,

Palpita alegre o coração guerreiro.

III

Já branqueiam as velas,

Objeto forte às hórridas procelas,

E o Tejo as crespas ondas

Vaidoso estende pelas longas praias,

Oprimidas das faias.

Da armada entrega o mando glorioso

O Rei prudente ao Gama valoroso.

IV

Já vão soltando ao vento

As fortes naus o belicoso acento;

Dos castelos respondem

Sulfúreas bocas, treme a terra, e soa

Gloriosa Lisboa.

Movem-se as naus que os mares vão rompendo,

Mil triunfos a Lísia prometendo.

V

As flâmulas nos ares

Voam, e descem a beijar os mares,

E o guerreiro valente,

Que os brancos panos vê mover na praia,

Não se turba, ou desmaia,

Antes jura fazer sempre notória

Em toda a parte a Lusitana glória.

VI

Vai-se a terra afastando,

E a grande armada as ondas apartando,

Quando na Lusa praia

O sacro Tejo a frente levantando,

Alegre, e venerando,

Endireitando o colo, e a barba espessa,

Com grave acento assim dizer começa:

VII

"Ó fama generosa,

Suspende um pouco a trompa harmoniosa,

Com que por todo o mundo

Giras cantando o nome soberano

Do Grego, e do Troiano,

Volta os olhos, verás no mar sagrado

Mais digno empenho a teu clarim dourado.

VIII

De Netuno oprimido

Admira pelas praias o bramido,

Verás fugir as ondas

C'o temor do leão, que adorna a proa,

Com a Régia coroa,

E os ventos esquecidos das procelas

Firmar os ombros nas redondas velas.

IX

Verás que senhoreia

De África inculta a costa negra, e feia,

Verás prostrar por terra

As soberbas colunas do Tebano

Com valor mais que humano,

Ignotas regiões irão surcando,

Rudes, bárbaros povos subjugando.

X

Verás com aspecto iroso

Arrancar da cabeça o loiro honroso,

Com que Lieu se adorna,

E verás ilustrar as praias pobres

Com edifícios nobres,

Da grande Ásia oprimida a maior parte

Farão turbar de horror o mesmo Marte.

XI

Esforça o nobre alento,

Afina, e muda as vozes do instrumento,

Que na futura idade

Serás ao som da trompa sonorosa

De cantá-los vaidosa;

Não duvides dos feitos singulares,

São Portugueses os que vês nos mares."

Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística