Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

 

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Obra Poética de Gregório de Matos


Edição de Referência:

Obra Poética, de Gregório de Matos, 3ª edição,

Editora Record, Rio de Janeiro, 1992.

OS SEUS DOCES EMPREGOS

MULATA LIVRE E TRAVESSA POR CUJA ESPERTEZA LHE CHAMAVAM MARIBONDA. MORAVA NA RUA DA POYEIRA NAQUELLE TEMPO QUASI DESERTA E SE ACHAVA DE PRESENTE EM CASA DE HUMA AMIGA NO CAMPO DA PALMA, ONDE O POETA HIA DIVERTIR-SE: E ALI EMBARAÇOU COM ELLA.
COMO DIZ A METHAFORA.

NEGOU-SE TOTALMENTE ANTONICA DE MEDO, QUE À TODAS FAZIA A SOLTURA DO POETA, E ELLE A PERTENDE REDUZIR COM ESTA REGALLADA POEZIA.

TARDAVA ANTONICA COM A RESOLUÇÃO, E O POETA EXORTA SUA NEUTRALIDADE.

QUEYXA-SE DE QUE LHE NÃO VALESSEM FINEZAS PARA QUE ANTONIA O ADMITISSE.

CHEGANDO ALI O POETA COM THOMAZ PINTO BRANDÃO CONTA, O QUE PASSOU COM ANTONICA HUMA DESHONESTA MERETRIZ.

OS SEUS DOCES EMPREGOS

 

ANTÔNIA

Mulata livre e travessa

Manuel Pereira Rabelo, licenciado

Dai-me licença, Antonica
para eu ir à vossa casa
para beijar-vos as mãos
e para: não digo nada.

MULATA LIVRE E TRAVESSA POR CUJA ESPERTEZA LHE CHAMAVAM

MARIBONDA. MORAVA NA RUA DA POYEIRA NAQUELLE TEMPO QUASI

DESERTA E SE ACHAVA DE PRESENTE EM CASA DE HUMA AMIGA NO CAMPO

DA PALMA, ONDE O POETA HIA DIVERTIR-SE: E ALI EMBARAÇOU COM ELLA.

COMO DIZ A METHAFORA.

 
 
 

1    Fui hoje ao campo da Palma,
      onde com súbito estrondo
      me investiu um maribondo,
      que me picou dentro n'alma:
      era já passada a calma,
      e eu me sentia encalmado,
      sentido, e injuriado,
      porque sendo obrigação
      meter-lhe eu o meu ferrão,
      eu fui, o que vim picado.

2    Fiz por fechá-lo na mão,
      mas o Maribondo azedo
      me picava em qualquer dedo,
      e escapava por então:
      desesperada função
      foi esta, pods me foi pondo
      tão abolhado em redondo
      por cara, peitos, vazios,
      que estou em febres, e frios
      morrendo do Maribondo.

3    Dizem, que a vingança está
      em lhe saber eu da casa,
      porque deixando-lhe em brasa,
      o fogo mitigará:
      temo que não arderá
      por mais que toda uma mata
      lhe aplique com mão ingrata,
      porque eu, o que lhe hei de pôr
      há de ser fogo de amor,
      que inda que abrasa não mata.

 4    Nesta aflição tão penosa
       donde me virá socorro?
       morrerei, que o por que morro,
       faz uma morte formosa:
       esta dor tão temerosa
       me livrará de maneira,
       que ou ela queira, ou não queira,
       em chegando à sua rua,
       se acaso se mostrar crua,
       tudo irá numa poeira.

 
 

  NEGOU-SE TOTALMENTE ANTONICA DE MEDO, QUE À TODAS

  FAZIA A SOLTURA DO POETA, E ELLE A PERTENDE REDUZIR

  COM ESTA REGALLADA POEZIA.

Agora que sobre a cama
Antonica me inquieta,
muito rnais estando ausente,
que se na cama estivera:
Agora que o meu cuidado
dentro dalma me desvela,
e o verdugo da memória
em saudades me atormenta:
Agora que o brando leito,
qual duro potro me espera,
porque o cordel da lembrança
execute as leis da ausência:
Agora que a muda noite
no silêncio, que professa,
como quem soube os meus gostos,
mos representa na idéia:
Entre o passado e presente
não distingue a paciência,
se é mais ativa a fortuna,
nos logros ou se nas perdas:
Quero queixar-me, Antonica,
de vós, da vossa beleza,
rigores, desatenções,
esquivanças, e inclemências.
Quero queixar-me de mim
sobre padecer a ofensa,
pois que não soube agradar-vos
para forrar estas queixas.
Acaso vos vi uma tarde
debaixo de uma urupema
por meu mal, porque entre nuvens
o sol mais ativo queima.
Indo ao campo buscar fresco
topei, sendo pela fresca,
muito calor, que me abrasa
de raios da vossa esfera.
Vi-vos, e rendi-me logo,
e em duas ações diversas
de ver-vos, e de render-me
eu não sei, qual foi primeira.
Permitiu minha ventura
(desgraça quero eu, que seja)
que não cegasse com ver-vos,
para padecer mais penas.
Que sempre em ódio de um triste
faz mudança a natureza,
pois cheguei a ver um sol,
não tendo de águia as potências.
Movido da mão de Amor,
que as liberdades sujeita,
Fênix dei a meus cuidados
berço em amante fogueira.
Tornei outra vez a ver-vos,
e a segunda diligência,
claro está, que era nascida
dos acasos da primeira.
De novo não me rendi,
que era encontrada fineza
ter ainda, que render-vos,
quem a sua alma vos dera.
Mas por dobrar rendimentos,
e igualar correspondências,
as almas multipliquei
por sentidos, e potências:
Tantas almas era justo,
que a tantas prendas rendera,
por não ficar sem triunfo
a menor das vossas prendas.
Favorecestes-me então,
e a memória o representa,
por me tirar com pesar,
o que com gosto me dera.
Logo vos arrependestes
de uma culpa tão pequena,
como é pagar com favores
amantes correspondências.
Estes são os meus pesares,
estas, digo, as minhas queixas,
que por serem de um mofino
temo que soem a ofensas.
E pois molesta por força
estar escutando queixas,
de quem finezas enfadam,
já Amor nos queixumes cessa.
De vós mesma me dai novas;
dai-mas de vossas durezas,
pois quanto mais me acrisolarn,
tanto mais o amor as preza.

TARDAVA ANTONICA COM A RESOLUÇÃO, E O POETA

EXORTA SUA NEUTRALIDADE.

Mando buscar a resposta
Antonica à vossa casa,
e queira Deus não se torne
a resposta em respostada.
Com temor a solicito,
bem que a desejo com ânsia,
que uma cousa é meu amor,
e outra a minha pouca graça.
Vós sois esquiva e cruel,
tão dura e desapegada,
que tirais de ser querida
as razões de ser ingrata.
Que vos rende a ingratidão,
que assim vos tem inclinada?
acaso vos faz mais linda,
mais Senhora, ou mais bizarra?
A ingratidão é delito
tal, que se se castigara,
não se pagara co'a vida,
por isso nunca se paga.
Ser benévola que custa?
que gasto é de uma palavra?
dai-me um sim, que custa pouco,
e muitas finezas ganha.
Sede mercador de amor,
onde um favor, que se gasta,
rende quinhentos por cento
em finezas de ouro, e prata.
Fazei comigo negócio:
e se heis medo, à minha barca,
quem não se arrisca não perde
mas no risco está a ganância.
E mais vós, que sabeis, que
comigo ninguém naufraga,
porque sou nesta cidade
um dos berrantes de fama.
Quem pode matar de linda,
de esquiva para quem mata?
morra da vossa beleza,
mas não da vossa esquivância.
Deixar as armas de bela,
e usar de tirana as armas,
é suspender a beleza
o ofício, que tem na cara.
Entre o piço, e o feitiço
vai muita grande distância,
o esquivo pica as vontades,
o belo enfeitiça as almas.
Dai-me licença, Antonica,
para eu ir à vossa casa,
para beijar-vos as mãos,
e para: não digo nada.

 
 

QUEYXA-SE DE QUE LHE NÃO VALESSEM FINEZAS PARA QUE

ANTONIA O ADMITISSE.

MOTE

Fui por amante ferido,
por firme fui maltratado,
por constante desprezado,
e por leal ofendido.

 
 

1    Quando esperava gozar
      favores de uma tirana,
      o tempo me desengana,
      para dela me queixar:
      portanto não quero amar
      porque já tenho entendido,
      que amar é tempo perdido:
      bem o tenho exprimentado,
      pois em vez de ser amado,
      Fui por amante ferido.

 2    Mostrei-lhe minha firmeza,
       de mostrá-la resultou,
       que logo também mostrou
       de seu amor a dureza:
       se bem disto me não pesa,
       nem me sinto magoado,
       mas fico bem emendado,
       para mostrar-lhe com fé
       minha firmeza, porque
       Por firme fui maltratado.

3    Além de mostrar-me amante,
      em constâncias lhe mostrei,
      mas bem conheço, que errei,
      em mostrar-me tão constante:
      não serei mais ignorante,
      que o Amor me tem mostrado
      os males, que me há causado:
      nem constância quero ter,
      para que não venha a ser
      Por constante desprezado.
 

4    Lealdade sem respeito
      nunca teve bom lugar,
      porque não soube guardar
      a lealdade defeito:
      eu me dou por satisfeito,
      e aceito por bom partido
      ser por amante ferido,
      por firme ser maltratado,
      por amante desprezado,
      E por leal ofendido.

CHEGANDO ALI O POETA COM THOMAZ PINTO BRANDÃO CONTA,

O QUE PASSOU COM ANTONICA HUMA

DESHONESTA MERETRIZ.

Chegando à Cajáíba, vi Antonica,
e indo-lhe apolegar, disse-me caca,
gritou Tomás em tono de matraca
Bu bu pela mulher, que foge à pica.
 

Eu, disse ela, não sou mulher de crica,
que assomo como rato na buraca,
quem me lograr há de ter boa ataca,
que corresponda ao vaso, que fornica.
 

Nunca me fez mister dizer,quem merca,
porque a minha beleza é mar que surca
alto baixel, que traz cutelo, e forca.
 

E pois você tem feito, com que perca,
diga essas confianças à sua urca,
que eu sei, que em cima de urca é puta porca.

  

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