LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Obra Poética de Gregório de Matos
Edição de Referência:
Obra Poética, de Gregório de Matos, 3ª edição,
Editora Record, Rio de Janeiro, 1992.
HUMA GRACIOSA MULATA FILHA DE OUIBA CHAMADA MARICOlTA COM QUEM O POETA SE TINHA DIVERTIDO, E CHAMAVA AO FILHO DO POETA SEU MARIDO.
A MESMA CUSTODIA MOSTRA A DIFFERENÇA QUE HA ENTRE AMAR, E QUERER.
CUSTÓDIA
Graciosa Mulata filha de outra chamada
Maricotta
Manuel Pereira Rabelo, licenciado
que eu não vi Mulata ainda
que me desse tanto abalo
Oh
se verdade fosse, o que sonhava!
HUMA GRACIOSA MULATA FILHA DE OUIBA CHAMADA MARICOlTA COM QUEM
O POETA SE TINHA DIVERTIDO, E CHAMAVA AO FILHO DO POETA SEU MARIDO.
1 Por vida do meu Gonçalo,
Custódia formosa, e linda,
que eu não vi Mulata ainda,
que me desse tanto abalo:
quando vos vejo, e vos falo,
tenho um pesar grande, e vasto
do impedimento, que arrasto,
porque pelos meus gostilhos
fora eu Pai dos vossos Filhos
antes que vosso Padrasto.
2 Odiabo sujo, e tosco
me tentou como idiota
a pecar com Maricota,
para não pecar convosco:
mas eu sou homem tão osco,
que a ter notícia por fama,
que lhe mamastes a mama,
e eu tinha tão linda Nora,
então minha sogra, fora,
e não fora minha Dama.
3 Estou para me enforcar,
Custódia, desesperado,
e o não tenho executado,
porque isso é morrer no ar:
quem tanto vos chega amar,
que quer por mais estranheza
obrar a maior fineza
de morrer, porque a confirme,
morra-se na terra firme,
se quer morrer com firmeza.
4 Já estou disposto d'agora
a meter-vos num batel,
e dar convosco em Argel
por casar com minha Nora:
não vos espante, Senhora,
que me vença tal furor,
que eu sei, que em todo o rigor
o mesmo será, e mais é
ir ser cativo em Salé,
que ser cativo do Amor.
A MESMA CUSTODIA MOSTRA A DIFFERENÇA
Sabei, Custódia, que Amor
inda que tirano, é rei,
faz leis, e não guarda lei,
qual soberano Senhor.
E
assim eu quando vos peço,
que talvez vos chego a olhar,
as leis não posso guardar,
que temos de parentesco:
Que
vossa boca tão bela
tanto a amar-vos me provoca,
que por lembrar-me da boca,
me esqueço da parentela.
Mormente
considerada
vossa consciência algum dia,
que nenhum caso faria
de ser filha, ou enteada.
Dera-vos
pouco cuidado
então ser eu vosso assim,
e anda hoje para mim
vós, e o mundo concertado
Mas
eu amo sem confiança
nos prêmios do pertendente,
amo-vos tão puramente,
que nem peco na esperança.
Beleza,
e graciosidade
rendem à força maior,
mas eu se vos tenho amor,
tenho amor, e não vontade.
Como
nada disso ignoro,
quisera, pois vos venero,
que entendais, que vos não quero,
e saibais, que vos adoro.
Amar,
e querer, Custódia;
soam quase o mesmo fim,
mas diferem quanto a mim,
e quanto à minha paródia.
O
querer é desejar,
a palavra o está expressando:
quem diz quer, está mostrando
a cobiça de alcançar.
Vi,
e quis, segue-se logo,
que o meu coração aspira
o lograr o bem, que vira,
dando à pena um desafogo.
Quem
diz, que quer, vai mostrando,
que tem ao prêmio ambição,
e finge uma adoração
um sacrilégio ocultando.
Vil
afeto, que ao intento
foge com néscia confiança,
pois guia para a esperança
os passos do rendimento.
Quão
generoso parece
o contrário amor: pois quando
está o rigor suportando,
nem penas crê, que merece.
Amar
o belo é ação
que toca ao conhecimento
ame-se co entendimento,
sem outra humana paixão.
Quem
à perfeição atento
adora por perfeição
faz, que a sua inclinação
passe por entendimento.
Amor
generoso tem
o amor por alvo melhor
sem cobiça, ao que é favor,
sem temor, ao que é desdém.
Amor
ama, amor padece
sem prêmio algum pertender,
e anelando a merecer
não lhe lembra, o que merece.
Custódia,
se eu considero,
que o querer é desejar,
e amor é perfeito amar,
eu vos amo, e não vos quero.
Porém
já vou acabando,
por nada ficar de fora
digo, que quem vos adora,
vos pode estar desejando.
Ai, Custódia! sonhei, não sei se o diga:
Sonhei. que entre meus braços vos gozava.
Oh se verdade fosse, o que sonhava!
Mas não permite Amor, que eu tal consiga.
O
que anda no cuidado, e dá fadiga,
Entre sonhos Amor representava
No teatro da noite, que apartava
A alma dos sentidos, doce liga.
Acordei
eu, e feito sentinela
De toda a cama, pus-me uma peçonha,
Vendo-me só sem vós, e em tal mazela.
E
disse, porque o caso me envergonha,
Trabalho tem, quem ama, e se desvela,
E muito mais quem dorme, e em falso sonha.
Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística
Apoio
CNPq / CAPES
UFSC / PRPG