Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

 

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Obra Poética de Gregório de Matos


Edição de Referência:

Obra Poética, de Gregório de Matos, 3ª edição,

Editora Record, Rio de Janeiro, 1992.

OS SEUS DOCES EMPREGOS

 

A CERTO HOMEM PRESUMIDO; QUE AFFECTAVA FIDALGUIAS POR ENGANOSOS MEYOS.

 

AO MESMO SUGEYTO PELOS MESMOS ATREVIMENTOS.

 

AOS PRINCIPAIS DA BAHIA CHAMADOS OS CARAMURUS.

 

AO MESMO ASSUMPTO.

 

A COSME MOURA ROLIM INSIGNE MORDAZ CONTRA OS FILHOS DE PORTUGAL.

OS SEUS DOCES EMPREGOS

ADÃOS DE MASSAPÊ

Que é fidalgo nos ossos, cremos nós,

Que nisto consistia o mor brasão

daqueles, que comiam seus avós.

Faça mesuras de A, com pé direito.

A CERTO HOMEM PRESUMIDO; QUE AFFECTAVA FIDALGUIAS POR ENGANOSOS MEYOS.

Bote a sua casaca de veludo,

E seja Capitão sequer dous dias,

Converse à porta de Domingos Dias,

Que pega fidalguia mais que tudo.

Seja um magano, um pícaro abelhudo,

Vá a palácio, e após das cortesias

Perca quando ganhar nas mercancias,

E em que perca o alheio, esteja mudo.

Sempre se ande na caça, e montaria,

Dê nova locução, novo epiteto,

E digo-o sem propósito à porfia;

Que em dizendo: "facção, pretexto, efecto"

Será no entendimento da Bahia

Mui fidalgo, mui rico, e mui discreto.

AO MESMO SUGEYTO PELOS MESMOS ATREVIMENTOS.

Faça mesuras de A com pé direito,

Os beija-mãos de gafador de péla,

Saiba a todo o cavalo a parentela,

O criador, o dono, e o defeito.

Se o não souber, e vir rocim de jeito,

Chame o lacaio, e posto na janela,

Mande, que lho passeie a mor cautela,

Que inda que o não entenda, se há respeito.

Saia na armada, e sofra paparotes,

Damas ouça tanger, não as fornique,

Lembre-lhe sempre a quinta, o potro, o galgo:

Que com isto, e o favor de quatro asnotes

De bom ouvir, e crer se porá a pique

De um dia amanhecer um grão fidalgo.

AOS PRINCIPAIS DA BAHIA CHAMADOS OS CARAMURUS.

Há cousa como ver um Paiaiá

Mui prezado de ser Caramuru,

Descendente de sangue de Tatu,

Cujo torpe idioma é cobé pá.

A linha feminina é carimá

Moqueca, pititinga caruru

Mingau de puba, e vinho de caju

Pisado num pilão de Piraguá.

A masculina é um Aricobé

Cuja filha Cobé um branco Paí

Dormiu no promontório de Passé.

O Branco era um marau, que veio aqui,

Ela era uma Índia de Maré

Cobé pá, Aricobé, Cobé Paí.

AO MESMO ASSUMPTO.

Um calção de pindoba a meia zorra

Camisa de Urucu, mantéu de Arara,

Em lugar de cotó arco, e taquara,

Penacho de Guarás em vez de gorra.

Furado o beiço, e sem temor que morra,

O pai, que lho envazou cuma titara,

Senão a Mãe, que a pedra lhe aplicara,

A reprimir-lhe o sangue, que não corra.

Animal sem razão, bruto sem fé,

Sem mais Leis, que as do gosto, quando erra,

De Paiaiá virou-se em Abaeté.

Não sei, once acabou, ou em que guerra,

Só sei, que deste Adão de Massapé,

Procedem os fidalgos desta terra.

A COSME MOURA ROLIM INSIGNE MORDAZ CONTRA OS FILHOS DE PORTUGAL

Um Rolim de Monai Bonzo Bramá

Primaz da Greparia do Pegu,

Que sem ser do Pequim, por ser do Açu,

Quer ser filho do Sol nascendo cá.

Tenha embora um Avô nascido lá,

Cá tem três pare as partes do Cairu,

Chama-se o principal Paraguaçu

Descendente este tal de um Guinamá.

Que é fidalgo nos ossos, cremos nós

Que nisto consistia o mor brasão

Daqueles, que comiam seus avós.

E como isto lhe vem por geração,

Tem tomado por timbre em seus teirós

Morder, aos que provêm de outra Nação.

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