Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Obra Poética de Gregório de Matos


Edição de Referência:

Obra Poética, de Gregório de Matos, 3ª edição,

Editora Record, Rio de Janeiro, 1992.

O CORONISTA REÇUSITADO.

À MORTE DO PADRE ANTONIO VIEYRA.

SÁTIRA AO GOVÊRNO DE PORTUGAL POR GREGÓRIO DE MATTOS REÇUSITADO EM PERNAMBUCO NO ANNO DE 1713.

O CORONISTA REÇUSITADO

reçusitado em Pernambuso no anno 1713

Tomás Pinto Brandão

As minhas cinzas me farão descantes

fêmeas vindouras alargando as pernas

Bocage

À MORTE DO PADRE ANTONIO VIEYRA.

Corpo a corpo à campanha embravecida,

Braço a braço à batalha rigorosa

Sai Vieira com sanha belicosa,

De impaciente a morte sai vestida.

Invistem-se cruéis, e na investida

A morte se admirou menos lustrosa,

Que Vieira com força portentosa

Sua ira cruel prostrou vencida.

Porém ele vendo então, que na empresa

Deixava a morte à morte: e ninguém nega,

Que seus foros perdia a natureza;

E porque se exercite bruta, e cega

Em devorar as vidas com fereza,

A seu poder rendido a sua entrega.

SÁTIRA AO GOVÊRNO DE PORTUGAL POR GREGÓRIO DE MATTOS

REÇUSITADO EM PERNAMBUCO NO ANNO DE 1713.

 

MOTE

Este é o bom governo de Portugal

Um Reino de tal valor

e de povo tão honrado

é justo seja louvado

desde o vassalo ao Snr.

ainda que fraco orador

a verdade hei de dizer,

e cada qual recolher

pode aquilo que lhe toca

ainda que digna o provoca

uma imitação Real

Este é o bom governo de Portugal.

Um rei menino inocente

sem compaixão nem piedade

inimigo da verdade

com adulação contente

em uma sombra aparente

tanto se enleva este Rei

faltando do Reino a lei

seguindo somente os vícios

e com torpes exercícios

o chegou a extremo tal

Este é o bom governo de Portugal.

Para os povos bem reger

Deus o pôs neste lugar

não para o desgovernar,

nem para o Reino perder;

mas creio lhe fazem crer

que é já virtude o pecar

e o que deve, não pagar

ter ambição, e avareza

perseguindo a pobreza

com tributo desigual

Este é o bom governo de Portugal.

Pois um infante inumano

insolente matador

que sem ter de Deus temor

vive bruto, e corre insano

é o mais cruel tirano

que neste Reino se há visto

e que conhecendo isto

o tolinho do irmão

lhe não dê uma prisão

para evitar tanto mal

Este é o bom governo de Portugal.

Um neto de um carreiro

hoje Príncipe da Igreja

que alcança quanto deseja

adulando lisonjeiro

sanguessuga do dinheiro

que se rouba da pobreza

e que cheguem a tal grandeza

quem ontem morrendo a fome

sem ser visto nem ter nome

hoje está já Cardeal

Este é o bom governo de Portugal

Que haja um Conselho de Estado

para mil resoluções

e que em todas as ocasiões

é sempre desacertado

o parecer sempre errado

foi de seus desacertos

obrar com desconcertos

e só para os bons intentos

lhe segua os entendimentos

o grão Demônio Infernal

Este é o bom governo de Portugal.

Também o seu Secretário

Dioguinho de Mendonça

que anda por geringonça

no espácio imaginário

sempre aberto o candelário

tem de mentiras, e enganos

e que com caras de Janos

vieram assolando o mundo

eu juro que me confundo

vendo o que um magano val

Este é o bom governo de Portugal.

O Mercia das Mercês

feito mosca atordoada

que El-Rei não despacha nada

diz a todo o português:

todos conhecem que fez

em breve tempo o palácio

porque estuda mui de espácio

na sua conveniência

tendo piadosa aparência

por exercício usual

Este é o bom governo de Portugal.

E que no Conselho de Guerra

os pobres dos pretendentes

andam feitos pacientes

rapando com os pés a terra

e vendo que se desterra

daqui o merecimento

pelo injusto provimento

dos postos que estes salvagens

dão a Muchilas e Pajens

dizem deste tribunal

Este é o bom governo de Portugal.

A junta dos três estados

que as rendas reais despende

dando todo o que pertende

vai pagar os meus pecados

depois de ter bem curado

os ossos na pertensão

com uma e outra informação

o mandam a um tesoureiro

que lhe diz não tem dinheiro

porque é lagarto fatal

Este é o bom governo de Portugal.

Anexa a contadoria

donde o Máximo é rezisto

porque na junta o que é visto

se remete a esta via:

se falta aqui a valia

para a boa informação

acha-se uma dilação

e uma dúvida no cabo

que té o mesmo Diabo

dirá por regra geral

Este é o bom governo de Portugal.

O Conselho da Fazenda

com dúvidas e demoras

passam anos, dias e horas;

os pobres nesta contenda

em dilação estupenda

três anos aqui andei

que na verdade não sei

como o posso referir

não houve que deferir

foi o despacho final

Este é o bom governo de Portugal.

Um Desembargo do Paço

composto de uns chinchilas

que com roupas, e golilhas

governam o Reino do espaço

os corações têm de aço

estes soberbos vilões

pois de seus maus corações

o mal a todos se espalha

e preside a tal canalha

o Duque de Cadaval

Este é o bom governo de Portugal.

O Conselho de Ultramar

donde preside um Diabo

que assim lhe vai dado o cabo

vendendo o que se há de dar:

e espera de se salvar

este assolador de gente

tão soberbo e insolente

que o Rio de Janeiro

todos dizem que por dinheiro

vendera este irracional

Este é o bom governo de Portugal.

E que haja o Reino de ter

a um Rei tão desumano

que deixasse passar um ano

sem o mandar socorrer

e que ainda favorecer

queiram ao governador

que por fraco, e por traidor

e por dar a S.Vicente

desacreditasse a gente

com uma perda universal

Este é o bom governo de Portugal.

A Mesa da Consciência

que consciência não tem

donde todo o que ali vem

faz perder a paciência

com uma e outra diligência

em qualquer inquirição

traz arrastado um cristão

que quer pôr a cruz de Cristo

e se as cruzes não tem visto

não se acha o avô paternal

Este é o bom governo de Portugal.

Chegamos à Relação

donde um Bispo é Regedor

deixa de ser bom pastor

para ser um mau ladrão:

depois que empunhou o bastão

com presunções de letrado

tem muita gente enforcado

atropelando os povos

lhe quer dar costumes novos

por seu destino brutal

este é o bom governo de Portugal.

Armazéns e consulado

que estão regendo o Fronteira

com rezões de Borracheira

responde a todo o honrado

porque foi tão grão soldado

no choque de Badajós

nesta ocupação o pôs

por seus serviços El-Rei

e se há decreto, ordem, ou lei

o repugna este animal

Este é o bom governo de Portugal.

A junta que não tem pêlo

do comércio, porque calva

a deixou o Marialva

por lhe arrancar o cabelo

custou a vida ao Reselo,

porque dizem nesta terra

que para as casas do Serra

dava dinheiro sem conto

porque o queria ter pronto

para o pecado carnal

Este é o bom governo de Portugal.

Pois da Alfândega a descarga

donde o provedor gentil

todo o que vem do Brasil

quer despenda com mão larga

e se o não faz lhe alarga

a descarga do Navio

e os anos atrás no Rio

carregados se perderam

que como não concorreram

concorreu-lhes o temporal

Este é o bom governo de Portugal.

O estanque do Tabaco

onde preside o Minas

de ordenados e propinas

mui bem se enche o velhaco

ia-lhe chegando ao caco

com um bastão estrangeiro

e o fo. o bom cavaleiro

deteve a cavalaria

quando o inimigo fregia

de xevara no asinal

Este é o bom governo de Portugal.

A casa da Índia e coutos

com todas as vedorias

tesoureiros, chancelarias

mui bem lhe vejo os pespontos

eu lhe conheço estes pontos

sem ter passado ao Norte

que se governara a corte

eu lhes vagara as enchentes

pois destas vias correntes

só eu lhe sei o canal

Este é o bom governo de Portugal.

Da Câmara, e Senado

que em obras, taxas, licenças

deve com toda a presteza

ter particular cuidado

o governo é de estado

e são as ruas da cidade

monturos e porquidade

e o que tem que vender

o vende pelo que quer

por ter seguro o costal

Este é o bom governo de Portugal.

Os Ministros de justiça

que nunca a fizeram direita

porque a valia respeita

pela puta, ou por cobiça

o Demônio assim lhe atiça

este fogo em seus ardores

juíz e corregedores

letrados e escrivães

alcaides, e tabeliães

todos vestem de um saial

Este é o bom governo de Portugal.

Os Ministros da Igreja

fradaria, e clerezia

em todos há simonia

tudo ambição, tudo inveja

não há nenhum que não seja

um perverso amancebado:

outro para ser prelado

a Roma manda dinheiro

lhe venha um voto papal

Este é o bom governo de Portugal.

Que queira El-Rei sustentar

na praça e na campanha

a guerra com traça e manha

sem já lhe querer paguar

e que hão de isto aturar

os miseráveis soldados

famintos e trabalhados,

e ludíbrios padecendo,

sempre de fome morrendo

sem lhe darem um só real

Este é o bom governo de Portugal.

E pode a guerra manter

com palavras e enganos

com quatro pobres maganos

e sem lhes dar de comer

bem pudera conhecer

pois lhes dá tão pouco disto

nos sucessos que tem visto

depois que o cetro empunhou

que vitória alcançou

pois lhe tem ódio mortal

Este é o bom governo de Portugal.

Os assentistas sem lei

do Reino distribuidores

que o trigo aos lavradores

tomam com poder de El-Rei

não lho paguando, eu o sei,

para o tornar a vender

deixando a fome morrer

de El-Rei a cavalaria

e a pobre infantaria

e sofra isto um general

Este é o bom governo de Portugal.

Quem as conquistas governa

manda para desabonos

uns pataratas fanchonos

sem para nada prestar

e que se hão de aumentar

uns redicolhos sujeitos

sem obras, ações nem feitos

e se há fatal ocasião

de ter a espada na mão

a fuga lhe é cordial

Este é o bom governo de Portugal.

Que a mais da Fidalguia

que na soberba se enfronha

nela se acha sem vergonha

toda a má velhacaria:

a franqueza, e a covardia

se vê contra os castelhanos

e para os pobres paisanos

são uns tigres, uns leões

e parecem uns supiões

no proceder tão cabal

Este é o bom governo de Portugal.

Que me dizeis das donzelas

com escrúpulos honrados

e tendo os pontos quebrados

vos colhem nas esparrelas:

e tendo três vezes parido

enganam ao pobre marido

com um virgo de trementina

encaixando-se a menina

cos enfiam com uma linha

em possessão virginal

Este é o bom governo de Portugal.

Também se vêem as casadas

que porque querem brilhar

trazer jóias e galear

e serem mui regaladas

as honras trazem manchadas

porque o pobre do marido

como não dá o vestido

nem para a casa o sustento

e diz que está muito isento

de que o governe o casal

Este é o bom governo de Portugal.

Que a pobre desconsolada

da viúva sem marido

o capelo tragua erguido

e a cabeça apolvilhada

mui cheirosa e perfumada

segundo o mimo pertenda

sem ter juro nom ter renda

sempre a presunção é alta

e se acaso o noivo falta

não falta um provincial

Este é o bom governo de Portugal.

Que venha todo o estrangeiro

e cada um negociando

o ouro e prata vão levando

deixando-nos sem dinheiro

e não há já conselheiro

que seja homem de talento

que apurado o entendimento

algum remédio lhe aplique

para que o Reino não fique

exausto deste metal

Este é o bom governo de Portugal.

Que andem por esta cidade

roubando vários maraus

e que estes vaganaus

tenham a favor e amizade;

sem ter honra, nem verdade

furtando uma, e outra vez,

achando o Conde, ou Marquês

que dizem se presos vão

que são de sua obrigação

ao ministro principal

Este é o bom governo de Portugal.

Pois uns atravessadores

de trigo, azeite, ou de vinho

que são por todo o caminho

do povo uns assoladores

porque da fome os rigores

todos fazem padecer

e que haja de se sofrer

que qualquer bisbilhoteiro

encorram (por ter dinheiro)

em caso tão criminal

Este é o bom governo de Portugal.

Toda a mais canalha vil

mercadores vendilhões

que estão ganhando milhões

com empregar um ceitil

tem toda a traça gentil

para poderem roubar,

podendo-se isto emendar

com uns açoutes, ou galés

porque assim em que lhe pes

tenham menos cabedal

Este é o bom governo de Portugal.

Os mais que aqui não refiro

fiquem à eleição dos leitores

que de tão graves oradores

muito pouco me admiro:

corra a fortuna seu giro

com mil voltas e rodeios

pois, que por tão vários meios

vivem neste Reino insano

o bom, e o mau, alto, e malo

e como quer cada qual

Este é o bom governo de Portugal.

Já não temos que esperar

neste governo insolente

mais que perecer a gente

sem o bem nunca alcançar;

só para Deus apelar

pode o povo português

e pedir-lhe desta vez

que nos dê governo novo

para que com ele o povo

sigua no seu natural

Este é o bom governo de Portugal.

Quando aquele Santo Rei

que em Alcácer foi vencido

pelejando inavertido

contra o povo de Muley

por exaltar de Xpo. a lei

sair por divino acerto

donde está o encoberto,

com verdade e com razão

diz, a nossa nação

tendo um cetro imperial

Este é o bom governo de Portugal.

    Tomás Pinto Brandão.

  

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