LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Obra Poética de Gregório de Matos
Edição de Referência:
Obra Poética, de Gregório de Matos, 3ª edição,
Editora Record, Rio de Janeiro, 1992.
AO DEZEMBARGADOR DIONIZIO DE AVILA VARREYRO OUVIDOR GERAL DO CIVEL
DESTE ESTADO DO BRAZIL INDO À PORTO SEGURO PRENDER TRINTA E SETTE FACINOROSOS
QUE ANDAVÃO ROUBANDO, E MATANDO NAQUELA POVOAÇÃO, SÒMENTE COM CINCOENTA
SOLDADOS DESTA PRAÇA E ALGUNS INDIOS, LÀ AGGREGOU ACÇÃO QUE SEM O FAVOR DIVINO
NÃO PODERA CONSEGUIR ESFORÇO HUMANO.
A MORTE DO MESMO DEZEMBARGADOR.
AO MESMO DEZEMBARGADOR CAZANDO-SE COM A FILHA DO CAPITÃO SEBASTIÃO
BARBOZA.
AO MESMO POR SUAS ALTAS PRENDAS.
AO OUVIDOR GERAL DO CRIME QUE TINHA PREZO O POETA (COMO ACIMA SE DIZ)
EMBARCANDO-SE PARA LISBOA.
AO DEZEMBARGADOR BELCHIOR DA CUNHA BROCHADO VINDO DE SINDICAR, O RIO
DE JANEYRO EM OCCASIÃO, QUE ESTAVA O POETA PREZO PELO OUVIDOR DO CRIME, PELO
FURTO DE HUMA NEGRA, SOLTANDO-SE NA MESMA OCCASIÃO O LADRÃO.
AO MESMO DEZEMBARGADOR PEDE O POETA JOCOSAMENTE HUM ESCRAVO SEO
ALFAYATE PARA LHE FAZER HUA OBRA.
AO PROVEDOR DOS AUSENTES, E DA SANTA CASA DO DEZor PEDRO DE UNHÃO
CASTELBRANCO, ACHANDO-SE COM O POETA NO SEU RETIRO DA PRAYA GRANDE.
AO RETIRAR-SE LHE MANDOU O POETA HUM REFRESCO COM ESTAS DÉCIMAS.
A TREZ MULATOS QUE POR TIRAREM AS ESPADAS CONTRA HUNS
DESEMBARGADORES FORAM A ENFORCAR ATANAZADOS, E ESQUARTEJADOS.
PREZOS TREZ HOMENS DE QUATRO, QUE POR SEU DESENFADO COSTUMAVÃO TIRAR PEDRADAS AS JANELLAS DE PALACIO, UM DELLES POR SER MULATO, SAHIO A AÇOUTAR PELAS RUAS E OS DOUS FORAM PARA AS GALÈS. ESTA OBRA FEZ O POETA SENDO ESTUDANTE.
Se tratam a
Deus por tu,
e chamam a El-Rei por vós
como chamaremos nós
ao Juiz de Igaraçu?
Tu, e vós, e vós, e tu.
Que me há
de suceder nestas montanhas
Com um Ministro de leis tão pouco visto,
Como previsto em trampas, e maranhas?
AO DEZEMBARGADOR DIONIZIO DE AVILA VARREYRO OUVIDOR
GERAL DO CIVEL DESTE ESTADO DO BRAZIL INDO À
PORTO SEGURO PRENDER TRINTA E SETTE FACINOROSOS QUE
ANDAVÃO ROUBANDO, E MATANDO NAQUELA POVOAÇÃO, SÒMENTE
COM CINCOENTA SOLDADOS DESTA PRAÇA E ALGUNS INDIOS, LÀ AGGREGOU
ACÇÃO QUE SEM O FAVOR DIVINO NÃO PODERA CONSEGUIR
1
Herói Númen, Herói soberano,
Cujo
esforço, e conceito peregrino
Transcende
os termos do limite humano,
E quase
logra foros de divino:
Ouvi, se é,
que as grandezas do Oceano
Cabem neste
clarim tão pouco fino,
Que mais
preclara tuba, e voz merece
Cam. Quem a tamanhas cousas se oferece.
2
Tu, que abres o cristal da Aônia fonte,
Ó doce Musa,
se até agora ingrata,
Solta a
corrente, porque em verso conte,
O que só
cabe em lâminas de prata:
Fecunde esse
cristal tão duro monte,
Que se
fluido, e belo se desata.
Eu farei,
que se admire no universo
Cam. Se tão sublime preço cabe em verso.
3
Sê pródiga comigo, porque vejo,
Que hei de
cantar proezas levantadas,
E do ouro,
que cria o Lago Tejo
Te farei uns
pendentes, e arracadas:
Põe, Musa
amada, fim ao meu desejo,
E terás para
o colo as congeladas
Lágrimas
puras, e no dedo amante
Cam. Outra pedra mais clara, que diamante.
3
Nesta do mundo a mais mimosa parte,
Em cujo
soberano, e fértil pólo
Vos
reconhece o mundo novo Marte,
Onde vos
representa novo Apolo:
Inculcando o
valor, engenho, e arte
Inveja dos
murmúrios de Pactolo,
Mostrastes
nesta ação, que tudo alcança
Cam. Em uma mão a pena e noutra a lança.
5
Para vencer os fortes adversários
Vibrastes
valeroso a dura espada,
Para prender
aspérrimos contrários
Inculcastes
idéia celebrada:
Valor, e
engenho foram necessários,
Porque
soubesse a fama remontada,
Partistes
tão guerreiro, quão fecundo
Cam. Ameaçando terra, mar, e mundo.
6
Com insultos, e roubos aleivosos
Não
perdoando vida, casa, ou muro
Trinta e
sete cruéis facinorosos
Roubam a Povoação
Porto Seguro:
Para castigo
destes criminosos
O fado
destinou celeste, e puro
Esse braço,
esse peito, esse conselho
Cam. Para leais vassalos claro espelho.
7
Eram tiranos tais, e de tal sorte,
Que com
nenhuma valia o medo, ou rogo,
Despojavam,
feriam, davam morte,
Os povos
assolando a ferro, e fogo
Qual
atrevido rompe o muro forte,
Qual
temerário cerca a casa logo,
Qual sem
mudar cor, gesto, ou semblante
Cam. Salteia o descuidado caminhante.
8
Incultas matas nunca penetradas,
Subterrâneas
cavernas, triste seio
Destes
vandidos eram as moradas
Do maior
coração maior recreio:
Aqui com
tiranias desusadas
Era comum no
roubo o bem alheio,
Deixando os
povos, sítio, bens, e gados
Cam. Mortos, perdidos, e desbaratados.
9
Esta pública fama, que amedrenta
A todo
coração, a todo peito,
Do Númen
Português o braço alenta,
Que iguala
seu valor ao seu conceito:
Intrépidos
elege a cincoenta
Bem
prevenidos para o grande efeito
Únicos
escolhidos na Bahia
Cam. Dos belicosos peitos, que em si cria.
10
Luzidos todos, todos bem armados
O sítio
buscam dos cruéis vandidos:
Voam as
plumas, pendem os traçados,
E os perros
das clavinas dão latidos:
Lestos vão
bacamartes carregados,
E os peitos
mais seguros que luzidos,
Rijos
estoques, carregadas clavas,
Cam. Partesanas agudas, chuças bravas.
11
Mais forte, mais bizarro, mais ufano
O invicto
cabo para a empresa parte,
Por arnês
leva o peito do Tebano,
No talim por
espada o mesmo Marte:
Em uma mão
aperta o ferro cano,
Na outra o
freio, e inquirindo à parte
Todo o
valor, que leva por muralha
Cam. Rompe, corta, desfaz, abola, e talha.
12
Qual raio, que o trovão tem despendido
Contra a Nau
sobre o túmido alabastro,
E tendo-a a
voraz fogo reduzido
Em mil
pedaços faz o grande mastro:
Tal se
mostrou nas matas o temido
Contra os
imigos valeroso Astro:
Prostrando
tudo sem temer agouros
Cam. Com ferro, fogo, setas, e pilouros.
13
Chegada a belicosa companhia
Do capitão
valente industriada
Logo correu
a fama, em como ia
E fugiu para
o mato a gente irada:
Não sofrem
dilatação os da Bahia
Intrépidos
buscando a emboscada,
Qualquer na
mata salta tão ligeiro
Cam. Que nenhum dizer pode, que é primeiro.
14
Não val aos criminosos força, manha,
Golpes,
reveses, tiros, e ameaços,
Mas buscando
o seguro da montanha
Livrando as
vidas vão nos próprios passos.
O Herói com
os seus os acompanha,
Que é mais
que humano esforço o de seus braços:
Bem se vê,
porque em caso tão veemente,
Cam. Mais peleja o favor do céu, que a gente.
15
Dentro do bosque teatro enfim eleito
Se trava a
briga de uma, e outra parte,
Quebra-se a
espada, e sem romper o peito,
Que há Deus
mais poderoso, que o Deus Marte:
Zune o
pilouro sem fazer efeito,
Voa a seta,
porém a si se parte,
Que quis
Deus despertar no ato presente
Cam. Com tal milagre os ânimos da gente.
16
Teme o bando inimigo a resistência
Da belicosa,
e forte companhia,
Vendo ali
com certíssima evidência,
Que o Céu propício
a todos defendia:
Trata da
fuga, deixa a competência
Última
resolução da cobardia:
O Céu o quis
assim: porque se veja,
Cam. Que quem resiste, contra si peleja.
17
Fogem cobardes, que é cobarde o vício
Tratando a
cara vida com despego,
Qual
porventura acha o precipício
Qual acha
dita em se botar ao pego:
Não tendo já
da liberdade indício
O criminoso
bando iníquo, e cego,
Antes quer a
mor risco aventurar-se
Cam. Que nas mãos inimigas entregar-se.
18
Nada lhe val que o Cabo diligente
Futuros
antevendo, inopinados,
Fiado em
Deus anima a sua gente
Talvez com a
espada, e tal com os brados:
Esta é
ocasião (diz o valente
Jurisconsulto aos férvidos soldados)
Que sempre
alcançará fama perfeita
Cam. Quem do oportuno tempo se aproveita.
19
Isto ouvindo os belígeros guerreiros,
Bem que a
maleza inculta os embaraça,
Raivosos
acometem, quais rafeiros
Quando
armado a novilho vêem na praça:
Rende-se o
bando a tais aventureiros,
Que em duas
cordas a um, e outro enlaça:
Assim o Cabo
pôs em dura liga
Cam. A vil malícia, pérfida, inimiga.
20
Prende homicida a mão a dura algema,
Ao pescoço
grilhão férreo, e seguro,
Não porque o
Númen seu esforço tema,
Mas por exemplo
ao século futuro:
Qual temendo
o patíbulo blasfema,
Qual por
desesperado está seguro,
Temendo suas
culpas desta sorte
Cam. Que o menor mal de todos seja a morte.
21
Enquanto ao ar os gritos atroavam,
Que os céus,
e os corações duros feriam,
O seu mesmo
despojo lhes mostravam,
Que com
dobrada pena alheio viam:
Pistolas, e
espingardas, que atiravam,
Duros
alfanjes, que um arnês abriam,
Guarnecendo-se tudo, o que se alega,
Cam. Do metal, que a fortuna a tantos nega.
21
Enfim permitiu Deus, que tudo ordena,
Esta ação,
tão feliz, tão venturosa
Sem ferida,
estocada alguma ou pena
Entre gente
tão árdua, e belicosa:
Milagre
augusto foi da Mão serena
Divina em
tudo, em tudo poderosa,
Só um índio
dirá com voz sentida
Cam. Esta perna trouxe eu de lá ferida.
22
Alegre com a empresa desejosa
Corta o Cabo
a espessura, e busca a via,
Não faltando
da esquadra criminosa
Algum, que
não prendesse neste dia:
Marcha
triunfando a gente belicosa,
Pasmam de
ver os Filhos da Bahia
O sucesso, a
prisão, os Rebelados,
Cam. As armas, e os varões assinalados.
23
Já divulgava a fama a novidade
Pela gente
em contorno mais distante,
Porque as
ruas pisava da cidade
O Númen dos
vandidos triunfante:
Por ver o
herói brasão da eternidade
O Povo
corre, e muda de semblante:
Enchem a
praça, ruas, e janelas
Cam. Velhos, e Moços, Damas e Donzelas.
25
Qual Paulo Emílio, quando entrou por Roma
Com Perseu
preso, e sua fidalguia,
Sendo o
despojo, que recolhe, e toma
Quatrocentas
coroas, que trazia:
Vós mereceis
mais numerosa soma,
Porque
unindo ciência à valentia
Mereceis as
marciais, também as de ouro
Cam. Do Bacaro, e do sempre verde Louro.
26
Chega a Palácio, onde é recebido
Com alegria,
amor, e autoridade:
E depois que
o sucesso foi ouvido,
Pôs o
despojo aos pés da Majestade:
O Governador
sábio, e entendido
De Pedro
imagem, vendo a lealdade,
Valor,
prudência, e esforço do sujeito
Cam. Tais palavras tirou do esperto peito.
27
Esse despojo, ó Herói sublimado,
Como de
armas te foi, armas te sejam,
Com teu
esforço insigne as tens ganhado,
No teu
escudo eternamente estejam
Por elas
conhecido, e afamado
Serás entre
os Heróis, que mais se invejam,
Que bem
merece ter armas por glória
Cam. Quem faz obras tão dignas de memória.
28
Debuxa em bronze, ou metal luzido
Insígnias
tais, escreve este letreiro
"São as
armas do sábio, e do temido
Dionísio de
Ávila Varreiro"
Elas por
este nome alto, e subido
Nome terão
em todo o mundo inteiro:
Tu por elas
lugar te tem a idade
Cam. No templo da suprema eternidade.
29
Essas armas com estes caracteres
Pinta no
escuro de ouro transparente,
Porque o
mundo conheca, sempre seres
Por Letras,
e por armas excelente:
Desde a
Tétis furiosa e flava Ceres
Teu nome se
eternize permanente
Levando-o
por assunto à doce Clio
Cam. Desde o trópico ardente ao cinto frio.
30
Assim disse, e parou, e eu assim faço,
Suspendendo
a corrente à veloz Musa,
Pois quanto
mais dissera, fora a um Traço
Breve gota
das águas de Aretusa:
Não cabe a
larga via em breve passo,
Dar
conceitos a idéia já recusa,
E prosseguir
mais avante fora erro,
Cam. Ainda que eu tivera a voz de ferro.
A MORTE DO MESMO DEZEMBARGADOR.
Nasceste em
pranto (débito preciso)
Com riso a vida deixas mui sonoro,
Por mostrar, se da morte da vida é choro,
Com mais razão da vida a morte é riso.
Enfim soube
gozar o teu juízo
Da vida mais da morte o melhor foro
No sentimento, honras, e decoro,
Nos agrados, costumes, e no siso.
Ó mil vezes
ditoso, que lograste
Da vida mais da morte a melhor sorte,
E antes que te deixasse, a deixaste.
E por dela
triunfar de toda a sorte
Do nascimento a véspera apressaste,
Por lograr eterna vida a tua morte.
Esqueça-se o
materno sentimento,
Desterre-se a patema saudade,
Que morrer com tal juízo, e cristandade,
Deve servir de mor contentamento.
Demasiar-se a
mágoa, e o tormento
Ofender é a divina piedade,
Quando evita com a morte a maldade,
Destróe um tão bom procedimento.
Por dois dias,
que mais viver podia
Querê-lo exposto ter a tanto dano,
Não pode ser amor, sim tirania.
Pois neste
vosso próprio amor humano
O alívio pertendeis da companhia,
Sendo só vosso bem o seu engano.
AO MESMO DEZEMBARGADOR CAZANDO-SE COM A FILHA DO CAPITÃO
É questão mui
antiga, e altercada
Entre os Letrados, e os Milicianos,
Sem se haver decidido em tantos anos,
Qual é mais nobre a pena, se a espada.
Discorrem em
matéria tão travada
Altos entendimentos mais que humanos,
E julgam ter brasões mais soberanos
Uns, que Palas togada, outros, que armada.
Esta pois
controvérsia tão renhida,
Tão disputada, quanto duvidosa
Cessou co desposório, que se ordena.
Uma pena a
soltou mui entendida,
Uma espada a cortou mui valerosa,
Pois já se dão as mãos espada, e pena.
AO MESMO POR SUAS ALTAS PRENDAS.
Dou
pruden nobre,
huma afá
to,
te,
no, vel,
Re
cien
benig e aplausí
Úni
singular
ra
inflexí
co,
ro,
vel
Magnífi
precla
incompará
Do
mun
grave
Ju
inimitá
do
is
vel
Admira
goza o
aplauso crí
Po a trabalho
tan
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to
ão
vel
Da
pron execuç sempre
incansá
Voss fa Senhor
sej
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cli onde nunc
chega o d
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Ere só se
tem memór
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bo
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Para
qu
gar
tal, tanta energ
po
de tod
est
terr é gentil glór
is
a
a
a
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Da ma
remot
sej
um
alegr
AO OUVIDOR GERAL DO CRIME QUE TINHA PREZO O POETA
(COMO ACIMA SE DIZ) EMBARCANDO-SE PARA LISBOA.
Lobo cerval,
fantasma pecadora,
alimária cristã, salvage humana,
Que eras com vara pescador de cana,
Quando devias ser burro de nora.
Leve-te
Berzabu, vai-te em má hora,
Levanta já daqui fato, e cabana,
E não pares senão na Trapobana,
Ou no centro da Líbia abrasadora.
Parta-te um
rato, queime-te um corisco
Na cama estejas tu, sejas na rua,
Sepultura te dêem montes de cisco.
E toda aquela
cousa, que for tua
Corra sempre contigo o mesmo risco,
Ó salvage cristã, ó besta crua.
AO DEZEMBARGADOR BELCHIOR DA CUNHA BROCHADO
VINDO DE SINDICAR, O RIO DE JANEYRO EM OCCASIÃO,
QUE ESTAVA O POETA PREZO PELO OUVIDOR DO CRIME,
PELO FURTO DE HUMA NEGRA, SOLTANDO-SE NA MESMA
Senhor Doutor:
muito bem-vinda seja
A esta mofina, e mísera cidade
Sua justiça agora, e eqüidade,
E Letras, com que a todos causa inveja.
Seja muito
bem-vindo: porque veja
O maior desbarate, e iniqüidade,
Que se tem feito em uma, e outra idade
Desde que há tribunais, e quem os reja.
Que me há de
suceder nestas Montanhas
Com um Ministro em Leis tão pouco visto,
Como previsto em trampas, e maranhas?
É Ministro de
império, mero, e misto,
Tão Pilatos no corpo, e nas entranhas,
Que solta um Barrabás, e prende um Cristo.
AO MESMO DEZEMBARGADOR PEDE O POETA JOCOSAMENTE HUM ESCRAVO
SEO ALFAYATE PARA LHE FAZER HUA OBRA.
É este memorial
de um afligido,
Se vos der mais enfado, do que deve,
Entendei do papel em que o escrevo,
Que dos trapos se fez do meu vestido.
Estou, há vinte
meses, retraído
Por crime, que a dizer me não atrevo,
Acutilei por ser já velho, e gevo
Um vestido, que tinha de comprido.
Com isto está
meu Pai muito enfadado,
E sobre ver-me roto me descose,
Porque comigo está desesperado.
Eu como um
descosido, eu como as doze,
E como estou sem voz des abrochado,
Vos peço o Alfaiate, que vos cose.
AO PROVEDOR DOS AUSENTES, E DA SANTA CASA DO DEZor PEDRO
DE UNHÃO CASTELBRANCO, ACHANDO-SE COM O POETA NO
Aqui chegou o
Doutor,
e basta, que o Doutor diga,
para que explicar consiga,
que chegou o Provedor:
de antinomásia o Senhor,
o nobre, o esclarecido,
já têm todos entendido,
que é aqui o Castelbranco,
a quem o Céu fez tão branco
em sangue, como em apelido.
Chegou a estes
areais,
e alegrou-se tanto o monete,
que num, e noutro horizonte
se vêem trêmulos sinais:
a alegria, que no mais
vegetável se entendia,
tanto obrava, tanto urdia,
em todo o tronco valente,
que em Letras do sol ardente
Castelo branco se lia.
O monte
escreveu na falda
"aqui chegou o Doutor"
com Letras de branca flor
sobre papel de esmeralda:
o raio do Sol, que escalda,
o ar Largo, a folha breve
tanto o natural reteve,
que por impulso, ou por rogo
em vez de raios de fogo
arrojou campos de neve.
O Sol em seu
parto Leito,
onde morre cada dia.
se escondeu de cortesia
talvez, talvez de respeito:
eu observava em meu peito,
que a boa conversação
do nosso Doutor Unhão
mui alta esfera subia:
mas não soube, se seria
de douto, ou de cortesão.
Foi-se levando
consigo
nosso gosto, vida, e agrado,
ele diz, que vai forçado,
e eu que por ser inimigo:
tão bem molesta o amigo,
quando se ausenta, e se deixa:
porém será injusta queixa,
a que eu fizer nesta parte,
pois quem forçado se parte,
de inimigo não me deixa.
AO RETIRAR-SE LHE MANDOU O POETA HUM REFRESCO
Atrevido este
criado
apresenta à companhia
limitada ninharia
para tão grande senado:
isto vai por desenfado,
e ter, em que se entreter,
quem saiu a espairecer,
e não há, que reparar,
que quem anda pelo mar
há de ter, em que esmoer.
Quem caminha,
ou faz viagem,
nunca se pode enfadar
do porto, que vai buscar
se leva matalotagem:
e inda que tenha estalagem,
bem é, que vá prevenido
do bom presunto cozido,
paio, queijo, e salchichão,
porque tudo na ocasião
serve para o indivíduo.
A TREZ MULATOS QUE POR TIRAREM AS ESPADAS CONTRA
HUNS DESEMBARGADORES FORAM A ENFORCAR
Jogaram a
espadilha
três canzarrões co'a Justiça,
e como o demo as enguiça,
iam sempre à cascarrilha:
não achavam na cartilha
carta de jeito, ou feitio
para trunfarem com brio,
ante jogo tão nefando,
que um quarto de hora jogando
perderam seis mãos a fio.
Não sendo de
perder fartos
para o seu total destroço
perdido o dinheiro grosso,
perderam também os quartos:
mas depois de azares artos,
virão os três pescadores,
que a Justiça destra em flores
em jogando com maraus
sempre ganha com três paus
os maiores matadores.
Ao tempo, que
os três sentiram,
que o tal jogo os embarranca,
todos se viram sem branca,
mas sem alva não se viram:
do jogo se despediram
sentido do espalhafato,
mas tão nus do esfola-gato,
que de pura compaixão
lhes vestiu a Relação
uma fralda de barato.
Tanto ali se
entristeceram,
e tanto se trespassaram,
que a todos nos admiraram,
quando assim se suspenderam:
finalmente os três morreram
uma morte tão veloz,
que ao veneno mais atroz
nenhuns tão presto acabaram,
como estes, quando cheiraram
as entrepernas do algoz.
Jogar sobre
mesa rasa
com seis Desembargadores,
isso não, que aos matadores
nunca deixam fazer vaza:
se aos treze escaldou a brasa,
aos mais sirva de exemplar,
e quando queiram jogar,
joguem, mais ao truque não,
que os três paus da Relação
sempre é carta de ganhar.
Com becas
qualquer joguilho
sempre é mui prejudicial,
pois com jogo tal, ou qual
sempre levam de codilho:
têm cartas de garrotilho,
porque têm cartas de agarro,
e os que imaginam, que é barro
jogar com Ministro inteiro,
se esperam rodar dinheiro,
hão de rodar sobre um carro.
Vós, que na
cidade vistes
tantos quartos, e tão artos,
entendei, que tão maus quartos
resultam de horas mui tristes:
e os que de vê-los fugistes,
crede, que a hora não tarda,
a quem a má sorte aguarda,
antes deveis de entender,
que a toda a casa há de arder,
a quem seus quartos não guarda.
Alerta Pardos
do trato,
a quem a soberba emborca,
que pode ser hoje forca,
o que foi ontem mulato:
alerta que o aparato
daquele pendente pé,
que na parede se vê,
vos prega com voz sincera,
que se sois, o que ele era,
podeis ser, o que ele é.
PREZOS TREZ HOMENS DE QUATRO, QUE POR SEU DESENFADO COSTUMAVÃO
TIRAR PEDRADAS AS JANELLAS DE PALACIO, UM DELLES
POR SER MULATO, SAHIO A AÇOUTAR PELAS RUAS E OS DOUS FORAM PARA AS
GALÈS. ESTA OBRA FEZ O POETA SENDO ESTUDANTE.
Senhores: com
que motivo
vós tentastes a fazer,
sem castigo algum temer,
um excesso tão nocivo?
(disse o Algoz compassivo
a um dos da carambola,
quando o leva pela gola)
e a gente, que ali se pôs,
via a pé quedo o Algoz
muitas vezes dar à sola.
Nestas retiradas
suas,
que fazia o tal madraço
sacudia-lhe o espinhaço
cum par de soletas cruas:
dava-lhe nas costas nuas
palmadas tão bem dispostas,
que o Mulato co'as mãos postas
disse dos açoutes dados,
sendo dos mais os pecados,
eu somente os levo às costas.
A gente, que
isto lhe ouviu,
por saber do caso atroz,
pedia muito ao Algoz,
lho dissesse, e ele se riu:
finalmente prosseguiu
a dizer o caso a uns poucos,
que de pasmo ficam moucos
a alguns deles quase mudos
de ver, que quatro sisudos
tomem ofícios de loucos.
Diz-lhe mais o
Algoz pascácio,
que sem terem nisso medras,
os quatro atiraram pedras
as janelas do Palácio:
e que fazendo agarrácio
dos três, escapou de um,
mas cuidando se algum
dos mais lizeiros ao peso,
fora, o que escapou de preso,
mais ligeiro, que nenhum.
Um inocente
agarrado
foi também na travessura,
sendo que não faz loucura
moço tão bem inclinado:
outro será castigado
pela ousadia sobeja
e porque este vulgo veja
(se com ele não se engana)
fez, com que pela semana
não fosse o Domingo à Igreja.
Estes outros
dous, ou três,
que se agarraram de noite,
se se escaparam do açoite,
terão por certo galés:
Não de sentir o revés
deste excesso, que fizeram,
pois eles assim quiseram:
mas vejo não sentirão,
se por castigo lhes dão
ir para donde vieram.
Vós, que do
caso adversário
em seguro vos pusestes,
porque dos pés vos valestes
não sejais tão temerário:
sede nisto imaginário,
pois tão bem destes à sola,
que se noutra carambola
vos meteis co amigo Baco,
ele às vezes é velhaco,
dará convosco em Angola.
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