LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Obra Poética de Gregório de Matos
Edição de Referência:
Obra Poética, de Gregório de Matos, 3ª edição,
Editora Record, Rio de Janeiro, 1992.
DESEMPULHA-SE O POETA DA CANALHA PERSEGUIDORA CONTRA OS HOMENS SABIOS, CATANDO BENEVOLÊNCIA AOS NOBRE.
PREZO FINALMENTE O NOSSO
POETA PELO MOTIVOS QUE JA DICEMOS EM SUA VIDA, E CONDENADO A IR DEGREDADO PARA
ANGOLA, POR ORDEM DE D. JOÃO D'ALENCASTRE GOVERNADOR ENTÃO DESTE ESTADO:
PONDERA, QUAM ADVERSO HE O BRAZIL SUA INGRATA PATRIA AOS HOMENS BENEMERITOS; E
COM DEAFOGO DE HOMEM FORTE GRACEJA HUM POUCO AS MULATAS MERETRIZES.
THOMAZ PINTO BRANDÃO
ESTANDO PREZO POR INDUSTRIAS DE CERTO FRADE: AFOMENTADO NA PRIZÃO POR SEUS DOUS
IRMÃOS APPELIDADOS O FRIZÃO, E O CHICORIA EM VESPORAS, QUE ESTAVA O POETA DE IR
PARA ANGOLLA.
EMBARCADO JA O POETA PARA O SEU DEGREDO, E POSTOS OS OLHOS NA SUA INGRATA PATRIA LHE CANTA DESDE O MAR AS DEPEDIDAS.
OS SEUS DOCES EMPREGOS
Chovendo maldições, e praguejando sátiras,
peregrinou os mares aquele que por instantes
naufragava nas tempestades da terra.
Manuel Pereira Rabelo, licenciado
Que me quer o Brasil, que me persegue?
......................................................................
Com seu ódio a canalha, que consegue?
que
aqui honram os mofinos
e mofam dos liberais
Que os
Brasileiros são bestas,
e estarão a trabalhar
toda a vida por manter
maganos de Portugal.
DESEMPULHA-SE O POETA DA CANALHA PERSEGUIDORA CONTRA
OS HOMENS SABIOS, CATANDO BENEVOLENCIA
Que me quer o Brasil, que me persegue?
Que me querem pasguates, que me invejam?
Não vêem, que os entendidos me cortejam,
E que os Nobres, é gente que me segue?
Com o seu
ódio a canalha, que consegue?
Com sua inveja os néscios que motejam?
Se quando os néscios por meu mal mourejam,
Fazem os sábios, que a meu mal me entregue.
Isto
posto, ignorantes, e canalha
Se ficam por canalha, e ignorantes
No rol das bostas a roerem palha.
E se os
senhores nobres, e elegantes
Não querem que o soneto vá de valha,
Não vá, que tem terríveis consoantes.
PREZO FINALMENTE O NOSSO POETA PELOS MOTIVOS QUE JA DICEMOS EM SUA
VIDA, E CONDENADO A IR DEGREDADO PARA ANGOLA, POR ORDEM DE D.
JOÃO D'ALENCASTRE GOVERNADOR ENTÃO DESTE ESTADO: PONDERA, QUAM
ADVERSO HE O BRAZIL SUA INGRATA PATRIA AOS HOMENS BENEMERITOS; E
COM DEAFOGO DE HOMEM FORTE GRACEJA HUM POUCO AS MULATAS
Não sei, para que é nascer
neste Brasil empestado
um homem branco, e honrado
sem outra raça.
Terra tão
grosseira, e crassa,
que a ninguém se tem respeito,
salvo quem mostra algum jeito
de ser Mulato.
Aqui o cão
arranha o gato,
não por ser mais valentão,
mas porque sempre a um cão
outros acodem.
Os Brancos
aqui não podem
mais que sofrer, e calar,
e se um negro vão matar,
chovem despesas.
Não lhe valem
as defesas
do atrevimento de um cão,
porque acode a Relação
sempre faminta.
Logo a
fazenda, e a quinta
vai com tudo o mais à praça,
onde se vende de graça,
ou fiado.
Que
aguardas, homem honrado
vendo tantas sem-razões,
que não vás para as nações
de Berberia.
Porque lá
se te faria
com essa barbaridade
mais razão, e mais verdade,
que aqui fazem.
Porque
esperas, que te engrazem,
e esgotem os cabedais,
os que tens por naturais,
sendo estrangeiros!
Ao cheiro
dos teus dinheiros
vêm com cabedal tão fraco,
que tudo cabe num saco,
que anda às costas.
Os pés são
duas lagostas
de andar montes, passar vaus,
as mãos são dois bacalhaus
já bem ardidos.
Sendo dous
anos corridos,
na loja estão recostados
mais doces, e enfidalgados,
que os mesmos Godos.
A mim me
faltam apodos,
com que apodar estes tais
maganos de três canais
até a ponta.
Há outros
de pior conta,
que entre estes, e entre aqueles
vêem cheios de PP, e LL
atrás do ombro.
De nada
disto me assombro
pois bota aqui o Senhor
outros de marca maior
gualde, e tostada.
Perguntai
à gente honrada,
por que causa se desterra;
diz, que tem, quem lá na terra
lhe queima o sangue.
Vem viver
ao pé de um mangue,
e já vos veda o mangal,
porque tem mais cabedal,
que Porto Rico.
Se algum
vem de agudo bico,
lá vão prendê-lo ao sertão,
e ei-lo bugio em grilhão
entre os galfarros.
A terra é
para os bizarros,
que vêm da sua terrinha
com mais gorda camisinha,
que um traquete.
Que me
dizeis do clerguete,
que mandaram degradado
por dar o óleo sagrado
à sua Puta.
E a
velhaca dissoluta
destra em todo o artifício
fez co óleo um malefício
ao mesmo Zote.
Folgo de
ver tanto asnote,
que com seus risonhos lábios
andam zombando dos sábios
e entendidos.
E porque
são aplaudidos
de outros da sua facção,
se fazem co'a discrição
como com terra.
E dizendo
ferra ferra,
quando vão a pôr o pé,
conhecem, que em boa fé
são uns asninhos.
Porque com
quatro ditinhos
de conceitos estudados
não podem ser graduados
nas ciências.
Então suas
negligências
os vão conhecendo ali,
porque de si para si
ninguém se engana.
Mas em
vindo outra semana,
já caem no pecado velho,
e presumem dar conselho
a um Catão.
Aqui
frisava o Frisão,
que foi o Heresiarca,
porque mais da sua alparca
o aprenderam.
As Mulatas
me esqueceram,
a quem com veneração
darei o meu beliscão
pelo amoroso.
Geralmente
é mui custoso
o conchego das Mulatas,
que se foram mais baratas,
não há mais Flandes.
As que
presumem de grandes,
porque têm casa, e são forras
têm, e chamam de cachorras
às mais do trato.
Angelinha
do Sapato,
valeria um pino de Ouro,
porém tem o cagadouro
muito abaixo.
Traz o
amigo cabisbaixo
com muitas aleivosias,
sendo, que às Ave-Marias
lhe fecha a porta.
Mas isso
porém que importa
se ao fechar se põe já nua,
e sobre o plantar na rua
ainda a veste.
Fica
dentro, quem a investe,
e o de fora suspirando
lhe grita de quando em quando
ora isto basta.
Há gente
de tão má casta,
e de tão ruim catadura,
que até esta cornadura
bebe, e verte.
Todos
Agrela converte,
porque se com tão ruim puta
a alma há de ser dissoluta,
antes mui Santa.
Quem
encontra ossada tanta
nos beiços de uma caveira,
vai fugindo de carreira,
e a Deus busca.
Em uma
cova se ofusca,
como eu estou ofuscado,
chorando o magro pecado,
que fiz com ela.
É mui
semelhante a Agrela
a Mingota do Negreiros,
que me mamou os dinheiros,
o pôs-me à orça.
A Mangá
com ser de alcorça
dá-se a um Pardo vaganau,
que a cunha do mesmo pau
melhor atocha.
À Mariana
da Rocha,
por outro nome a Pelica,
nenhum homem já dedica
a sua prata.
Não há no
Brasil Mulata
que valha um recado só.
Mas Joana Picaró
o Brasil todo.
Se em
gostos não me acomodo
das mais, não haja disputa,
cada um gabe a sua puta,
e haja sossego.
Porque eu
calo o meu emprego
e o fiz com toda atenção,
porque tal veneração
se lhe devia.
Fica-te em
boa, Bahia,
que eu me vou por esse mundo
cortando pelo mar fundo
numa barquinha.
Porque
inda que és pátria minha,
sou segundo Cipião,
que com dobrada razão
a minha idéia
te diz "non possedebis ossa mea".
THOMAZ PINTO BRANDÃO ESTANDO PREZO POR INDUSTRIAS DE CERTO
FRADE: AFOMENTADO NA PRIZÃO POR SEUS DOUS IRMÃOS APPELIDADOS O
FRIZÃO, E O CHICORIA EM VESPORAS, QUE ESTAVA O POETA DE IR PARA
É uma das mais célebres histó-,
A que te fez prender, pobre Tomá-,
Porque todos te fazem degradá-,
Que no nosso idioma é para Angó-.
Oh se
quisesse o Padre Santo Antô-,
Que se falsificara este pressá-,
Para ficar corrido este Frisá-,
E moído em salada este Chicó-.
Mas ai!
que lá me vem buscar Mati-,
Que nestes casos é peça de lé-;
Adeus, meus camaradas, e ami-.
Que vou
levar cavalos a Bengué-,
Mas se vou a cavalo em um navi-,
Servindo vou a El-Rei por mar, e té-.
EMBARCADO JA O POETA PARA O SEU DEGREDO, E POSTOS OS OLHOS NA
SUA INGRATA PATRIA LHE CANTA DESDE O MAR AS DESPEDIDAS.
Adeus praia, adeus Cidade,
e agora me deverás,
Velhaca, dar eu adeus,
a quem devo ao demo dar.
Que agora, que me devas
dar-te adeus, como quem cai,
sendo que estás tão caída,
que nem Deus te quererá.
Adeus Povo, adeus Bahia,
digo, Canalha infernal,
e não falo na nobreza
tábula, em que se não dá,
Porque o nobre enfim é nobre,
quem honra tem, honra dá,
pícaros dão picardias,
e inda lhes fica, que dar.
E tu, Cidade, és tão vil,
que o que em ti quiser campar,
não tem mais do que meter-se
a magano, e campará.
Seja ladrão descoberto
qual águia imperial,
tenha na unha o rapante,
e na vista o perspicaz.
A uns compre, a outros venda,
que eu lhe seguro o medrar,
seja velhaco notório,
e tramoeiro fatal.
Compre tudo, e pague nada,
deva aqui, deva acolá
perca o pejo, e a vergonha,
e se casar, case mal.
Com branca não, que é pobreza,
trate de se mascavar;
vendo-se já mascavado,
arrime-se a um bom solar.
Porfiar em ser fidalgo,
que com tanto se achará;
se tiver mulher formosa,
gabe-a por esses poiaes.
De virtuosa talvez,
e de entendida outro tal,
introduza-se ao burlesco
nas casas, onde se achar.
Que há Donzela de belisco,
que aos punhos se gastará,
trate-lhe um galanteio,
e um frete, que é principal.
Arrime se a um poderoso.
que lhe alimente o gargaz,
que há pagadores na terra,
tão duros como no mar.
A estes faça alguns mandados
a título de agradar,
e conserve-se o afetuoso,
confessando o desigual.
Intime-lhe a fidalguia,
que eu creio, que crerá,
porque fique ela por ela,
quando lhe ouvir outro tal.
Vá visitar os amigos
no engenho de cada qual,
e comendo-os por um pé,
nunca tire o pé de lá.
Que os Brasileiros são bestas,
e estarão a trabalhar
toda a vida por manter
maganos de Portugal.
Como se vir homem rico,
tenha cuidado em guardar,
que aqui honram os mofinos,
e mofam dos liberais.
No Brasil a fidalguia
no bom sangue nunca está,
nem no bom procedimento,
pois logo em que pode estar?
Consiste em muito dinheiro,
e consiste em o guardar,
cada um o guarde bem,
para ter que gastar mal.
Consiste em dá-lo a maganos,
que o saibam lisonjear,
dizendo, que é descendente
da casa do Vila Real.
Se guardar o seu dinheiro,
onde quiser, casará:
os sogros não querem homens,
querem caixas de guardar.
Não coma o Genro, nem vista
que esse é genro universal;
todos o querem por genro,
genro de todos será.
Oh assolada veja eu
Cidade tão suja, e tal,
avesso de todo o mundo,
só direita em se entortar.
Terra, que não parece
neste mapa universal
com outra, ou são ruins todas,
ou ela somente é má.
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