LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Obra Poética de Gregório de Matos
Edição de Referência:
Obra Poética, de Gregório de Matos, 3ª edição,
Editora Record, Rio de Janeiro, 1992.
NAMORA-SE DE OUTRA CHAMADA BELETA, OU IZABEL, A QUEM FAZ O SEGUINTE.
COMO O NÃO QUIS ADMITIR, A DESCOMPÕE NO SEGUINTE SONETO.
ACONTECEO QUE FALLANDO ESTA IZABEL COM HUM CERTANEJO, FOY POR ELLE ACHADA COM ALEXANDRE DE SOUZA MARQUES, RAPAZ, DE QUEM O POETA SE ENFURECIA ZELOSO, E DESCREVE, A CARREYRA, QUE O CERTANEJO LHE DEO.
QUEYXAVA-SE IZABEL DO POETA, ELLE A SATISFAZ CAVILOSAMENTE NESTE ROMANCE.
OS SEUS DOCES EMPREGOS
Namora-se de outra chamada Beleta, ou Izabel.
Manuel Pereira Rabelo, licenciado
Desde que, Isabel, te vi,
tal fiquei; que desde então
em mim se verá quem não
sabe já parte de si
NAMORA-SE DE OUTRA CHAMADA BELETA,
OU IZABEL, A QUEM FAZ O SEGUINTE.
MOTE
Desde que, Isabel, te vi
tal fiqvei, qve desde então
em mim se verá quem não
sabe já parte de si.
Jactou-se o meu alvedrio
de nascer com isenção
contra a dura escravidão
de Amor, e seu Senhorio:
como neste altivo brio
vivo, desde que nasci,
agora que me rendi,
confessa com suma dor,
que é já vassalo de Amor,
Desde que, Isabel, te vi.
E como não sei contar-te,
nem posso formar conceito
qual foi primeiro em meu peito
se o ver-te, se o adorar-te,
e sei, que de ver-te, e amar-te
foi tudo uma ocasião,
por resolver a questão
de quando entrei a querer-te,
digo, que ao tempo de ver-te
Tal fiquei, que desde então.
Tal fiquei, e tão absorto,
Quando vi tua beleza,
que a minha menor fineza
é amar, a quem me tem morto:
e como a viver me exorto
só por lograr a ocasião
de pensar meu coração,
tendo-se visto, quem já
por não penar morrerá,
em mim se verá, quem não.
Em mim se verá cumprida
a mor afeição de sorte,
que porque dure até à morte,
por padecer guarde a vida:
afeição jamais ouvida,
amor não visto até aqui
ficará, Isabel, de ti,
mas como enfim to diria,
quem por nenhum modo, ou via
Sabe já parte de si.
COMO O NÃO QUIS ADMITIR, A DESCOMPÕE NO SEGUINTE SONETO.
Beleta, a vossa perna tão chagada
Olha poderá ser pelo podrida,
Mas eu não quero Olha em minha vida
Podrida pelo mal inficionada.
Estais tão lazarenta, e empestada,
Tão ética, mirrada, e corcomida,
Que uma pilhancra vossa bem moída
Servirá de peçonha refinada.
O que vos gabo é ser presuntuosa
Em tal camalidade, em tal miséria,
Como se a podridão fora formosa.
Mas se o acaso vos dói, Dona Lazéria,
O gume deste verso, ou desta prosa,
Sabei que o vosso humor deu a matéria.
ACONTECEO QUE FALLANDO ESTA IZABEL COM HUM CERTANEJO, FOY POR
ELLE ACHADA COM ALEXANDRE DE SOUZA MARQUES, RAPAZ, DE QUEM O
POETA SE ENFURECIA ZELOSO, E DESCREVE, A CARREYRA, QUE O CERTANEJO LHE DEO.
Colheu-vos na esparrela
o Tabaréu inimigo,
vós queríeis o postigo,
e tomastes a janela:
Beleta de sentinela
vendo-vos dentro da praça
deu um tiro, e à fumaça
acudiu logo o Tenente,
fugistes, que o mais valente
nas mãos do inimigo embaça.
Como do postigo a malha
ocupou logo o Tenente,
vós em risco tão urgente
saltastes pela muralha:
se caísseis sobre a palha,
livráreis com menos perda,
mas como Beleta é esquerda,
e o laço vos pôs no chão,
não caístes na traição,
porém caístes na merda.
As mãos pusestes no chão,
e sentindo a terra branda,
da brandura, que tresanda,
tivestes má presunção:
e assim discorrendo então,
se aquela papa-moleta
era favor, ou era treta,
por informes do nariz
soubestes mais de raiz,
que era caca de Beleta.
Então mais precipitado
fostes fugindo ao perigo,
menos do ferro inimigo,
que de Beleta ao ferrado:
deixando o mato roçado,
e a poia menos pomposa
vos pondes em polvorosa,
que é menos para temido
qualquer zeloso ofendido,
que uma Puta cagajosa.
Não me espanto não da perda
que então teve o tal vinagre,
porque como o Moço é bagre
se havia de ir logo à merda:
espanta-me que tão lerda
fosse uma Puta velhaca,
pois não lhe dando uma ataca
ele, e sendo ela mesquinha,
lhe sofresse a passarinha,
que ele lhe rapasse a caca.
Tanto Beleta se ria,
que me dizem, que afirmara,
que a caca de então ficara
açúcar de Alexandria:
eu não sei, porque o dizia,
só sei, que aqui se contou,
que porque a merda pisou
um Alexandre, a velhaca
dissera, que a sua caca
Alexandria ficou.
Como estranha a má pessoa,
que o seu segredo não dura,
se dorme com tô forçura,
que todo o lanço apregoa?
que esperava a Tabaroa
de um inocente sendeiro
raso de barba, e dinheiro?
que esperava esta velhaca?
que ele se borre de caca,
e ela lhe alimpe o cueiro.
Beleta é olha podrida,
de que Deus livre meu odre,
e se é ardida, como é podre,
não vi puta mais ardida:
está de sarna manida,
e anda gafa de coceira,
a cara é uma caveira,
a carne pilha morrinha,
e porque é puta ratinha,
mora em uma ratoeira.
Beleta, como passais
nesta troca tão bizarra:
eu vos dou pela bandarra,
vós por bandarra me dais:
se vós de mim vos queixais,
eu também de vós me queixo,
e pondo a cousa em seu eixo,
a mim por razão me vem,
pois me deixais por ninguém,
como eu por alguém vos deixo.
Vós por um Dom Tabaréu
deixais um Doutor em Leis,
eu deixo, como sabeis,
um bagre por um xaréu:
vós me quitais o chapéu
com infame ingratidão,
eu não fui ingrato não,
e quem troca odre por odre,
um deles há de ser podre,
e o meu nesta troca é são.
QUEYXAVA-SE IZABEL DO POETA, ELLE A SATISFAZ
Beleta, eu zombeteava,
que nunca falei deveras
satirizando as amigas,
senão contando finezas.
Vós não dormis co Alexandre,
nem o rapaz tal intenta,
nem da janela saltou,
nem foi passado por merda.
Tudo é embustes de moços,
tudo são contos de velhas,
e se o sítio o diz assim,
mente o sítio, e toda a terra.
Mas quem ao Amor tirara,
que mil ciúmes conceba
da mais pequena mentira,
e da mais leve suspeita.
Eu ouvia, e escutava,
e passava estas misérias
de manhã pelos ouvidos,
de tarde pelas orelhas.
Entendi, que assim seria,
imaginei, que assim era,
que a um amor de bom gosto
sempre acompanha má estrela.
Senti a minha fortuna,
queixei-me da vossa ofensa:
quem com finezas ofende,
como agradará com queixas?
Muger llora, y vencerás,
dizia a doutor Poeta,
vós chorastes, e vencestes,
e eu choro, por quem me vença.
Estais tão justificada
no juizo das suspeitas,
que Amor vos absolve já,
se lhe prometeis emenda.
Retirai-vos de rapazes,
que é gente, que se conversa,
é força, que infama a casa,
pelas cócegas, que deixa.
Enxugai, Beleta, o pranto,
em riso se torne a queixa,
comei cajus, e voltai,
que a minha fruita está certa.
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