Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Obra Poética de Gregório de Matos


Edição de Referência:

Obra Poética, de Gregório de Matos, 3ª edição,

Editora Record, Rio de Janeiro, 1992.

ANDANÇAS DE UMA VIOLA DE CABAÇA

DESCREVE A DEPLORÁVEL PESTE, QUE PADECEO A BAHIA NO A. 1686, A QUEM DISCRETAMENTE CHAMÁRAM BICHA, PORQUE VARIANDO NOS SINTOMAS, PARA QUE A MEDICINA NÃO SOUBESSE ATALHAR OS EFFEYTOS, MORDIA POR DIFFERENTES BOCCAS, COMO A BICHA DE HERCOLES. TAMBEM LOUVA O CARTITATIVO ZELO DE ALGUMAS PESSOAS COM OS ENFERMOS.

ENCONTRO QUE TEVE COM HUMA DAMA, MUY ALTA CORPOLENTA, E DESENGRAÇADA.

FUGINDO HUMA MULATINHA COM O SUGEYTO, QUE A TINHA FORRADO, DESCREVE O POETA OS EXCESSOS, E SENTIMENTO, QUE MOSTRAVA HUMA FULANA DE LIMA SUA SENHORA.

CO CIRRO NOS ESTREFOLHOS.

AUSENTE DE SUA CASA PONDERA O POETA O SEU MESMO ÊRRO, EM OCCASIÃO DE SER BUSCADO POR SUA MULHER.

A HUMA DAMA FULANA DE MENDONÇA FURTADO, COM QUEM FOY O POETA ACHADO POR SUA MULHER.

DESCREVE UM HORROROSO DIA DE TROVÕES.

DECANTA OS ESTRAGOS QUE NO BOQUEIRÃO DE SANTO ANTONIO FAZIA HUM SURUCUCÚ, EM QUEM PASSAVA DESDE HUMA PAÇA DESCALVAGADA, ONDE SE RECOLHIA DE DIA.

REGRA DE BEM VIVER, QUE A PERSUASÕES DE ALGUNS AMIGOS DEO A HUNS NOYVOS, QUE SE CASAVAM.

A VASCO MARINHO FALCÃO, QUE SENDO HOMEM VELHO, E ACHACOSO SE CASOU COM HUMA MULHER MOÇA, E FORMOSA.

O MULEIRO, E O CRIADO.

DESCREVE O POETA HUMA BOCCA LARGA.

AO CASAMENTO DE HUM SUGEYTO VALENTE COM HUMA ELENA DE TAL.

PASSANDO DOUS FRADES FRANCISCANOS PELA PORTA DE AGUEDA PEDINDO ESMOLLA, DEO ELA UM PEYDO, E RESPONDEO HUM DELLES ESTAS PALAVRAS "IRRA, PARA TUA THIA".

PONDERA MISTERIOSO EM AMORES O DESCUIDO, COM QUE HUMA DAMA CORTOU O SEU DEDINHO QUERENDO APARAR HUMA PENA PARA ESCREVER A SEU AMANTE.

SONHO QUE TEVE COM HUMA DAMA ESTANDO PREZO NA CADEYA.

A LUIZA ÇAPATA QUERENDO, QUE O AMIGO LHE DESSE QUATRO INVESTIDAS DUAS DE DIA, E DUAS DE NOYTE.

A HUMA DAMA QUE SE ENCARECIA DE FORMOSA POR VENDER-SE CARO.

A BITANCOR, QUE NA PRIMEYRA VEZ QUE COM ELLA CONVERSOU O POETA, LOGO FOI ADMITTIDO SEM A MINIMA REPUGNANCIA.

A THOMAZ PINTO BRANDÃO QUEYXANDOSE DE HUMA MULA QUE LHE TINHA PEGADO HUA MULATA, ÂQUEM DAVA DIVERSOS NOMES, POR DISFARCE, DIXENDO HUMAS VEZES, QUE ERA INGUA, E OUTRAS QUEBRADURA.

A FRANCISCO PEREYRA DE AZEVEDO NASCENDO-LHE UM NETO NA MESMA HORA, EM QUE LHE MORREO UMA NETA.

CHICA OU FRANCISCA HUMA DESENGRAÇADA CRIOLLA, QUE CONVERSAVA COM O POETA E SE ARRIPIAVA TODA ZELOSA DE Ò VER CONVERSAR COM MARIA JOÃO, NO MESMO TEMPO, EM QUE ELLA NÃO FAZIA ESCRUPULO DE ADMITIR HUM MULATO.

ENFURECIDO O POETA DAQUELLES CIUMES DESCOMPOSTOS LHE FAZ ESTA HORRENDA ANATOMIA.

A HUM AMIGO APADRINHANDOLHE A ESCRAVA DE ALCUNHA A JACUPEMA, A QUEM SUA SENHORA QUERIA CASTIGAR PELO FURTO DE HUM OVO.

À PENDENCIA QUE TEVE MARAVA DE LEMOS COM VICENCIA POR RESPEYTO DE ANTONIO DE MOURA A QUE ACODIO HUM CAPM. HYPOCRITA QUE TRAZIA HUM CRUCIFIXO AO PESCOÇO.

A CARIDADE COM QUE ESTA MESMA VICENCIA AGAZALHAVA TREZ AMANTES.

BAXA QUE DERAM A ESTA VICENCIA, POR DIZER-SE QUE EXHALLAVA MAO CHEYRO PELO SUVACOS, E SE FOY METTER COM JOANNA GAFEYRA.

INTENTA AGORA O POETA DESAGRAVAR A VICENCIA JUSTAMENTE SENTIDA DOS SEUS VERSOS.

CELEBRA O POETA À HUMA GRACIOSA DONZELLA, E NÃO MENOS FORMOSA DE MARAPE CHAMADA ANTONIA.

A BRAZIA DO CALVARIO OUTRA MULATA MERETRIZ DE QUEM TAMBEM FALLAREMOS, QUE ESTANDO EM ACTO VENEREO COM HUM FRADE FRANCISCANO, LHE DEO UM ACIDENTE A QUE CHAMÃO VULGARMENTE LUNDUZ, DE QUE O BOM FRADE NÃO FEZ CASO, MAS ANTES FOY CONTINUANDO NO MESMO EXERCICIO SEM DESENCAVAR, E SOMENTE O FEZ, QUANDO SENTIO O GRANDE ESTRONDO, QUE O VAZO LHE FAZIA.

A HUMA DAMA QUE POR UM VIDRO DE ÁGUA TIRAVA O SOL DA CABEÇA.

HUMA FORMOSA MULATA, A QUEM HUM SARGENTO SEU AMASIO ARROJOU AOS VALADOS DE HUMA HORTA.

RESSENTIDA TAMBEM COMO AS OUTRAS O POETA LHE DÁ ESTA SATISFAÇÃO POR ESTILLO PROPORCIONADO AO SEU GENIO.

AO PROVEDOR DA FAZENDA REAL FRANCISCO LAMBERTO FAZENDO NA RIBEYRA O FAMOSO GALLEÃO S. JOÃO DE DEOS.

OUTRA MULATA, DE QUEM O POETA FALLA ENTRE AS BORRACHAS DO JUIZADO DE NOSSA SENHORA DO EMPARO TAMBEM SE RESENTIO DA AFRONTA, E ELLE À SATISFAZ AGORA NA MESMA FORMA.

LOUVA O POETA OBSEQUIOZAMENTE O GRANDE ZELO, E CARIDADE, COM QUE ANTONIO DE ANDRADE JUIZ, QUE ERA DOS ORPHÃOS DESTA CIDADE DA BAHIA SENDO DISPENSEYRO DA SANTA CASA DE MISERICORDIA TRATAVA AOS POBRES DOENTES DO HOSPITAL.

DISPARATES NA LINGUA BRAZILICA A HUMA CUNHÃA, QUE ALI GALANTEAVA POR VICIO.

A HUMA DAMA, QUE MANDANDO-A O POETA SOLICITAR LHE MANDOU DIZER QUE ESTAVA MENSTRUADA.

A HUMA DAMA, QUE LHE MANDOU HUM REGISTRO DE SANTA JULIANA QUE HAVIA TIRADO POR SORTES EM SANTA ANNA.

A HUMA NEGRA QUE TINHA FAMA DE FEYTICEIRA CHAMADA LUIZA DA PRIMA.

A PEDITORIO DE HUMA DAMA QUE SE VIO DESPREZADA DE SEU AMANTE.

A MANUEL FERREIRA DE VERAS NASCENDOLHE HUM FILHO, QUE LOGO MORREO, COMO TAMBÉM AO MESMO TEMPO HUM SEO IRMAO, E AMBOS FORAM SEPULTADOS JUNTOS EM N. SENHORA DOS PRAZERES.

A HUMA CRIOLA POR NOME IGNACIA QUE LHE MANDOU PARA GLOZAR O SEGUINTE.

A MARGARIDA, MULATA PERNAMBUCANA QUE CHORAVA AS ESQUIVANÇAS DE SEU AMANTE COM PRETEXTO DE LHE HAVER FURTADO HUNS CORÁES.

A HUMA DAMA GRATIFICANDOLHE O FAVOR, QUE POR SUA INTERCESSÃO ALCANÇARA.

A CERTO HOMEM DE DISTINÇÃO QUE SE COSTUMAVA  EMBEBEDAR E QUEIMANDO-SE-LHE A CASA FICOU ELLE ILLEZO, E TODA A FAMILIA.

LAMENTA A MULHER DESTE MESMO SUGEYTO A MÁ SORTE, QUE TEVE EM SE CASAR COM HOMEM DETALCONDIÇÃO, PORQUE ACTUALMENTE ESTAVA BEBADO.

A AMAZIA DÊSTE SUJEITO QUE FIADA NO SEU RESPEITO SE FAZIA SOBERBA, E DESAVERGONHADA.

A MORTE DE AFONÇO BARBOZA DA FRANCA AMIGO DO POETA.

AO MESMO ASSUMPTO.

ÀS DUAS MULATAS PREZAS FINGE O POETA, QUE VISITA NESTES DOUS SONETOS INTERLOCUTORES. FALLA COM A MAY.

FALLA O POETA COM A  FILHA.

PINTURA ADMIRAVEL DE HUMA BELLEZA.

DESAYRES DA FORMOSURA COM AS PENSÕES DA NATUREZA PONDERADAS NA MESMA DAMA.

A OUTRO SUGEYTO QUE ESTANDO VARIAS NOYTES COM HUMA DAMA, À NÃO DORMIO POR NÃO TER POTENCIA; E LHE ENSIÁRAM, QUE TOMASSE POR BAXO HUMAS TALHADAS DE LIMÃO, E METTEO QUATRO.

A CERTO SUGEYTO DE SUPPOSIÇÃO, QUE TENDO-SE RETIRADO DA CÔRTE E VIVIA NA SOLEDADE DE HUMA QUINTA MANDOU AO POETA A SEGUINTE DÉCIMA.

RESPONDE O POETA A SEGUINTE DECIMA COM ESTE SONETO.

AO DOUTOR FRANCISCO XIMENES, QUE INDO A CASA DE SUA DAMA, ACHOU O LUGAR OCCUPADO POR OUTRO, A QUEM DESAFIOU: MAS NÃO PROIBIO, NEM PÔDE O LOGRO DOS AMORES.

A HUM AMIGO PEDINDOLHE HUMA CAIXA DE TABACO.

A CERTO BARQUEIRO DE MARAPÈ PRESUMIDO DE GENTIL, VALENTE, E NAMORADO, O QUAL TINHA POR GURUMETE DA NAO, EM QUE O POETA VEYO DE PORTUGAL.

MESMO BARQUEIRO E PELO MESMO CASO.

CELEBRA A CARREYRA QUE DEO HUM CABOCLO A HUM SUGEYTO, QUE ACHOU COM HUMA NEGRINHA ANGOLLA, COM QUEM ELLE FALAVA.

A HUMAS FREYRAS QUE MANDÁRAM PERGUNTAR POR OCIOSIDADE AO POETA A DIFINIÇÃO DO PRIAPO E ELLE LHES MANDOU DIFINIDO, E EXPLICADO NESTAS DÉCIMAS.

A HUMA DAMA, QUE LHE MANDOU HUM CRAVO EM OCCASIÃO, QUE SE LHE QUEIXAVA DE CERTO AGGRAVO.

NOVAS DO MUNDO QUE LHE PEDIO POR CARTA HUM AMIGO DE FORA POR OCCASIÃO DA FROTA.

A HUMA DAMA QUE TINHA UM CRAVO NA BOCCA.

POR AVISO CELESTIAL DAQUELLA GRANDE PESTE, QUE CHAMARAM BICHA APPARECEO HUM FUNEBRE, HORROROSO, E ENSANGUENTADO COMETTA NO ANNO 1689 POUCOS DIAS ANTES DO ESTRAGO. ASSENTAVÃO GERALMENTE, QUE ANNUNCIAVA ESTERILIDADE, FOMES, E MORTES: POREM VARIAVÃO NOS SUGEYTOS DELLAS, COMO COUSA FUTURA. O POETA APPLICA COMO MAIS PRUDENTE CONTRA OS QUE SE ASSIGNALAVÃO EM ESCANDALOS NAQUELLE TEMPO.

A HUMA DAMA QUE LHE PEDIO HUM CRAVEYRO.

PERTENDE AGORA (POSTO QUE EM VÃO) DESENGANAR AOS SEBASTIANISTAS, QUE APPLICAVÃO O DITO COMETTA À VINDA DO ENCUBERTO.

NA ERA DE 1686 QUIMERIAVÃO OS SEBASTIANISTAS A VINDA DO ENCUBERTO POR HUM COMETTA QUE APPARECEO. O POETA PERTENDE EM VÃO DESVANECELOS TRADUZINDO HUM DISCURSO DO PE. ANTONIO VIEYRA QUE SE APPLICA A EL REY D. PEDRO II.

POR OCCASIÃO DO DITO COMETTA REFLETINDO O POETA OS MOVIMENTOS QUE UNIVERSALMENTE INQUIETAVAM O MUNDO NAQUELA IDADE, O SACODE GERALMENTE COM ESTA CRIZI.

NECESSIDADES FORÇOSAS DA NATUREZA HUMANA.

A HUMA DAMA QUE SE DESVIADA DE LHE FALAR.

A HUM LIVREYRO QUE COMEU HUM CANTEYRO DE ALFACES.

DEFINIÇÃO DO AMOR.

A DOUS IRMÃOS FULANOS DA CRUZ, QUE FORAM PREZOS POR FURTAREM HUM ESPADIM A HUM SURDO DA PRAYA, TENDO JA FURTADO HUMAS SALVAS, QUE PEDIRAM EMPRESTADO PARA TIRAREM A ESMOLLA PARA N. SENHORA DA PALMA DE QUE FORAM DEGRADADOS PARA ANGOLLA.

MANAS, DEPOIS QUE SOU FREIRA.

AS TRÊS IRMÃS FORMOSAS DAMAS PARDAS, QUE MORAVAM NO AREYAL.

DÉCIMA

A HUM NEGRO DE ANDRE DE BRITO SOLICITADOR DE SUAS DEMANDAS GRAM TRAPACEYRO, E ALCOVITERO CHAMADO O LOGRA, A QUEM HUM IMAGINARIO VAZOU HUM OLHO.

AO MESMO CRIOLLO, E PELO MESMO CASO.

A HUMA DAMA QUE LHE PEDIO OS CABELLOS.

A MEDIDA PARA O MALHO.

A HUMA PENDENCIA QUE TEVE O MULATO QUIRINGA COM HUM MOURO NA CADEYA, PELA QUAL FOY CASTIGADO: ESTANDO O POETA NESSA OCCASIÃO TAMBEM PREZO.

ADMIRAVEL EXPRESSÃO DE AMOR MANDANDO-SE-LHE PERGUNTAR, COMO PASSAVA.

MULATINHAS DA BAHIA.

AJUIZA AS DIFERENÇAS, E TOTAL DIVORCIO DE PORTUGAL COM CASTELLA PROFETIZADAS MUYTO ANTES PELOS PRUDENTES.

É MEU DAMO TANTO MEU.

A HUMA NEGRA CHAMADA EVA RECOLHIDA DE HUM CLERIGO EM MARÉ, QUE ENGANOU AO POETA FAZENDO-O ESPERAR.

SENHOR SOLDADO DONZELO.

DESPEDIDA EM CANTIGAS AMOROSAS QUE FAZ A HUMA DAMA QUE SE AUSENTAVA.

A DOMINGOS NUNES DO COUTO VIZINHO DO POETA A QUEM BURLARAM HUNS AMIGOS FINGINDO-SE OFFICIAIS DE JUSTIÇA, E BATENDO ESTRONDOSAMENTE NA PORTA, ELLE COMO CRIMINOSO FUGIO PELO QUINTAL FAZENDO, E PADECENDO TUDO, O QUE O POETA PINTA.

PINTURA GRACIOSA DE HUMA DAMA CORCOVADA.

VEM, QUE ESTOU PARA TAS DAR.

DESCREVE O QUE LHE ACONTECEO EM S. GONÇALLO DO RIO VERMELHO COM AVISTA DE HUMA DAMA FORMOSA, E BEM ADORNADA.

APPLICA O POETA O CASO SEGUINTE A IGNACIO PISSARO SENDO APANHADO COM HUA MOÇA POR SEUS IRMÃOS.

DESCREVE METHAFORICAMENTE AS PERFEYÇÕES DE HUMA DAMA PELOS NAYPES DA BARALHA.

A D. MARTHA SOBRAL QUE SENDOLHE PEDIDA DO POETA HUMA ARROBA DE CARNE DE HUMA REZ, QUE MATÁRA, RESPONDEO, QUE LHA FOSSE TIRAR DO OLHO DO CU.

A HUM CADRA DA INDIA QUE SE AGARRAVA À ESTA MARTHA VIVENDO DE ENGANAR POR FEYTICEYRO À SUAS ESCRAVAS, E A OUTRAS.

MORTO O CABRA LHE FAZ O POETA O TESTAMENTO NA MANEYRA SEGUINTE.

A DUAS IRMÃS TAMBEM PARDAS DE IGUAL FORMOSURA.

FRETEI-ME CO'A TINTUREIRA.

A HUMA PENDENCIA QUE TIVERAM DOUS AMANTES A VISTA DA DAMA JUNTO AO CONVENTO DE S. FRANCISCO.

COM CACHOPINHA DE GOSTO.

A CERTO HOMEM QUE ESTANDO COM HUMA DAMA À NÃO DORMIO, POR VIR HUMA LUZ NESSA OCCASIÃO FICANDOSE COM HUM ANEL DA MESMA DAMA.

ASSUMPTO QUE HUMA DAMA MANDOU AO POETA.

RESPOSTA DO POETA.

RETRATO DO RICO FEYTIO DE HUM CELEBRE GREGORIO DE NEGREYROS, COM QUEM GRACEJAVA O POETA, E EM QUEM MUYTAS VEZES FALLA.

AO NASCIMENTO DE HUMA MENINA QUE SE DIZIA SER FILHA DE JOAN DE MORALEZ CASTELHANO AMIGO DO POETA FEZ SILVESTRE CARDOSO UNS DESCONCERTADOS VERSOS, AO QUE O POETA FEZ ESTAS DÉCIMAS.

NÃOPODIA O POETA LEVAR EM CAPELLO O CONTINUADO MENTIR DESTE SILVESTRE CARDOZO, E POR ISSO O SACODE AGORA.

AO MESMO SUGEYTO NÃO SÓ POR MENTIR MUYTO, MAS TAMBEM POR NEGAR HUMA FORNICAÇÃO, EM QUE FOY VISTO COM HUA NEGRA.

A PROPENÇÃO COM QUE ESTE SILVESTRE CARDOZO SEMPRE QUERIA IMITAR O PEYOR.

À NEGRA MARGARIDA, QUE ACARIAVA HUM MULATO CHAMANDOLHE SENHOR COM DEMAZIADA PERMISSÃO DELLE.

O HOMEM MAIS A MULHER.

NAMOROU-SE DO BOM AR DE HUMA CRIOLLINHA CHAMADA CIPRIANA, OU SUPUPEMA, E LHE FAZ O SEGUINTE ROMANCE.

DESCREVE AGORA O POETA, COMO OBRIGÀRAM HUM SUGEYTO A CASAR COM HUMA MOÇA, TENDO DADO HUNS PONTOS NO VAZO PARA SE FINGIR DONZELLA.

DUAS MULATAS QUE INDO A FESTA DE SAM CAETANO SE LHE QUEBRÀRAM AS CORDAS DA REDE COM PUBLICO DESAYRE.

A OUTRA DAMA QUE GOSTAVA DE O VER MIJAR.

DEFINIÇÃO DE POTENCIAS.

ERGUIAM-SE TREZ MULHERES A HUM MESMO TEMPO PARA CHEGAR AO CONFISSIONARIO EM NOYTE DE NATAL E A MAIS CORPULENTA DELLAS SOLTOU HUM TRAQUE COM A FADIGA DE CHEGAR PRIMEYRO.

A HUMA MOÇA QUE PERDEO DOUS CASAMENTOS AJUSTADOS, O PRIMEYRO COM HUM FLAMENGO, QUE SE DESCULPOU AO DEPOIS QUE TINHA FEYTO VOTO DE CASTIDADE, E O SEGUNDO COM HUM SOLDADO, QUE SE EMBEBEDAVA, E FUGIO DEPOIS DE A ROUBAR.

A HUMA MULHER QUE SE BORROU, ESTANDO NA IGREJA EM QUINTA FEIRA DE ENDOENÇAS.

A HUMAS DAMAS DE LA VIDA AYRADA, QUE INDO E VINDO AO DIVERTIMENTO DE HUMA ROÇA ZOMBAVAM DA HONESTIDADE DE HUMA IRMÃA CASADA.

A HUMA MULATA APELIDADEA MONTEYRA QUE DAVA DE ALCOUCE.

A DAMAZIA QUE DAVA PRESSA À HUMA SAYA QUE SE ESTAVA FAZENDO, PARA BOTAR NUMA FESTA, DIZENDO SER SUA SENDO ELLA DE SUA SENHORA.

A HUMA DAMA QUE ESTAVA SANGRADA.

A HUMA DAMA CHAMADA JOSEPHA, QUE EM NOYTE DE SAM JOÃO LHE REBENTOU HUM FOGUETE BUSCAPE ENTRE AS PERNAS, DE QUE FICOU BEM MAL TRATADA.

A HUMA DAMA, A QUEM SOLICITANDO-A O POETA, LHE PEDIO DINHEYRO, DE QUE ELLE SE DESEMPULHA.

A HUMA DAMA QUE MACHEAVA OUTRAS MULHERES.

A HUM SUGEYTO, QUE LHE MANDOU HUM PIRÚ CEGO, E DOENTE.

A HUMA DAMA QUE MANDANDO-SE COSSAR EM HUMA BRAÇO PELO SEU MOLEQUE, E SENTINDO, QUE DAQUELLE CONTACTO SE LHE ENTEZAVA O MEMBRO, O CASTIGOU.

ENCONTRO QUE TIVERAM DOUS NAMORADOS.

A QUATRO NEGRAS QUE FORAM BAYLAR GRACIOSAMENTE A CASA DO POETA MORANDO JUNTO AO DIQUE.

HUMA MULATA DAMA UNIVERSAL DE QUEM JA FALLAMOS, SATYRIZA AGORA O POETA O FAUSTO COM QUE FOY SEPULTADA A MAY.

ERA DESTA MULATA BASTANTEMENTE DESAFORADA E O POETA, QUE À NÃO PODIA SOFFRER LHE CANTA A MOLIANA.

SENTIO-SE BRAZIA GRAVEMENTE DESTA SATYRA, E O POETA AGORA CAVILLOSAMENTE À SATISFAZ COM ESTAS DÉCIMAS.

A HUMA MULATA DENTUÇA, QUE TAMBEM VIVIA ESCANDALIZADA, VINDO HUM DIA DA FESTA DE SAM GONÇALLO, ONDE COM OUTRAS DANÇOU A MANGALAÇA, A GARUPA DE SEU AMASIO PASSANDO PELO POETA LHE PEDIO HUNS VERSOS.

A SAGACIDADE CAVILLOSA, COM QUE O RELIGIOSOS FR. PASCOAL FEZ PRENDER A THOMAZ PINTO BRANDÃO: DÀ O POETA CONTA A HUM AMIGO DA CIDADE DESDE A VILLA DE S. FRANCISCO.

ANDANÇAS DE UMA VIOLA DE CABAÇA

Fazia apreço particular de huma viola, que por suas

curiosas mãos fizera de cabaço, frequentado diverti-

mento de seus trabalhos; e nunca sem ela foy visto nas

funções a que o convidavam.

Manuel Pereira Rabelo, licenciado

Que eu o ponho à viola

na postura de um cruzado

Tem-na lá, senhor vizinho,

a minha Ilária, Senhor?

Fugiu perdida de amor

pela manhã bem cedinho

DESCREVE A DEPLORÁVEL PESTE, QUE PADECEO A BAHIA NO A. 1686, A QUEM

DISCRETAMENTE CHAMÁRAM BICHA, PORQUE VARIANDO NOS SINTOMAS,

PARA QUE A MEDICINA NÃO SOUBESSE ATALHAR OS EFFEYTOS, MORDIA POR

DIFFERENTES BOCCAS, COMO A BICHA DE HERCOLES. TAMBEM LOUVA

O CARITATIVO ZELO DE ALGUMAS PESSOAS COM OS ENFERMOS.

Deste castigo fatal,

que outro não vemos, que iguale,

serei Mercúrio das penas,

e Coronista dos males.

Tome esta notícia a Fama,

para que voe, e não pare,

e com lamentáveis ecos

soe numa, e noutra parte.

Ano de mil, e seis centos

oitenta e seis, se contar-se

pode por admiração,

escutem os circunstantes.

Chegou a morte à Bahia,

não cuidando, que chegasse,

aqueles, que não temiam

seus golpes por singulares.

Representou-nos batalha

com rebuços no disfarce,

facilitando a peleja

para segurar o saque.

Mas tocando a degolar

levou tudo a ferro, e sangue

divertindo a medicina

com variar os achaques.

Fez estrago tão violento

em discretos, ignorantes,

em pobres, ricos, soberbos,

que nenhum pode queixar-se.

Ao discreto não valeram

seus conceitos elegantes,

nem ao néscio o ignorar,

que ofensas hão de pagar-se.

Ao rico não reparou

de seu poder a vantagem,

nem ao soberbo o temido

nem ao pobre o humilhar-se.

Ao galante o ser vistoso,

nem ao polido o brilhante,

nem ao rústico descuidos,

que a vida há de acabar-se.

E se algum quis de manhã

rosa brilhante ostentar-se,

chegava a morte, e se via

funesta pompa de tarde.

Emudeceu as folias,

trocou em lamento os bailes,

cobriu as galas de luto,

encheu de pranto os lugares.

Foi tudo castigo em todos

por esta, e aquela parte,

se aos pobres faltou remédio,

aos ricos sobraram males.

Para o sexo feminino

veio a morte de passagem,

deixando-lhe, no que via

exemplo para emendar-se.

Nos inocentes de culpa

foi a morte relevante,

que tanto a inocência livra,

quanto condena o culpável.

Pela caterva etiópia

passou tocando rebate,

mas corpos, que pagam culpas,

não é bem, que à vida faltem.

Já se via pelas ruas

de porta em porta chegar-se

um devoto Teatino

intimando a confessar-se.

Quem para a morte deixara

negócio tão importante,

porque as lembranças da vida

negam da morte o lembrar-se.

Os campanários se ouviam

uma hora em outra dobrarem,

despertadores da morte,

porque aos vivos Ihe lembrasse.

Fez abrir nos cemitérios

em um dia a cada instante

para receber de corpos,

o que tinham de lugares.

Foi tragédia lastimosa,

em que pode ponderar-se,

que a terra sobrando a muitos,

se viu ali, que faltasse.

Os que nela não cabiam,

quando vivos, hoje cabem

numa sepultura a três,

quero dizer a três pares.

Viam-se as enfermarias

de corpos tão abundantes,

que sobrava a diligência,

para que a todos chegassem.

O remédio para as vidas

era impossível achar-se,

porque o número crescia

cada minuto, e instante.

Titubeava Galeno

com a implicância dos males,

porque o tributo das vidas,

mandava Deus, que pagassem.

O Senhor Marquês das Minas,

que Deus muitos anos guarde,

zeloso como cristão,

liberal como Alexandre:

Preveniu para a saúde,

Para que em tudo acertasse,

dividirem-se os enfermos

por casas particulares.

Este zelo foi motivo,

de que todos por vontade

(digo os possantes) mostraram,

serem próximos amantes.

Havia um novo hospital,

onde se admirou notável

o zelo de uma Senhora

Dona Francisca de Sande:

Mostrando como enfermeira

o desvelo em toda a parte,

e administrando a mezinha,

a quem devia de dar-se.

Consolando a quem gemia,

animando os circunstantes,

tolerando o sentimento

de que assim não acertasse.

Não reparando nos gastos

da fazenda, que eram grandes,

porque só quis reparar

vidas, por mais importantes.

O Marquês como Senhor

quis em tudo aventejar-se,

abrindo para a pobreza

os tesouros da vontade.

Repartia pelos pobres

esmolas tão importantes,

que o seu zelo nos mostrava

querer, que nada faltasse.

Publicando geralmente,

que a ele os pobres chegassem,

porque ao remédio de todos

sua Excelência não falte.

Mas se estava Deus queixoso,

que muito passasse avante

este castigo de culpas,

mais que inclemência dos ares.

Finalmente que a Bahia

chegou a extremo tão grande,

que aos viventes parecia

querer o mundo acabar-se.

Punha a morte cerco às vidas

tão cruel, e exorbitante,

que em três meses sepultou

da Bahia a maior parte.

Ah Bahia! bem puderas

de hoje em diante emendar-te,

pois em ti assiste a causa

de Deus assim castigar-te.

Mostra-se Deus ofendido,

nós sem desculpa que dar-lhe;

emendemos nossos erros,

que Deus porá termo aos males.

ENCONTRO QUE TEVE COM HUMA DAMA, MUY ALTA

CORPOLENTA, E DESENGRAÇADA.

1    Mui alta, e mui poderosa

      Rainha, e Senhora minha,

      por poderosa Rainha,

      Senhora por alterosa:

      permiti, minha formosa,

      que esta prosa envolta em verso

      de um Poeta tão perverso

      se consagre a vosso pé,

      pois rendido à vossa fé

      sou já Poeta converso.

2    Fui ver-vos, vim de admirar-vos,

      e tanto essa luz me embaça,

      que aos raios da vossa graça

      me converti a adorar-vos:

      servi-vos de apiedar-vos,

      ídolo d'alma adorado,

      de um mísero, de um coitado,

      a quem só consente Amor

      por galardão um rigor,

      por alimento um cuidado.

3    Dai-me por favor primeiro

      ver-vos uma hora na vida,

      que pela vossa medida

      virá a ser um ano inteiro:

      permiti, belo luzeiro

      a um coração lastimado,

      que por destino, ou por fado

      alcance um sinal de amor,

      que sendo vosso o favor

      será por força estirado.

4    Fodamo-nos, minha vida,

      que estes são os meus intentos,

      e deixemos cumprimentos,

      que arto tendes de comprida:

      eu sou da vossa medida,

      e com proporção tão pouca

      se este membro vos emboca,

      creio, que a ambos nos fica

      por baixo crica com crica,

      por cima boca com boca.

FUGINDO HUMA MULATINHA COM O SUGEYTO, QUE A TINHA FORRADO,

DESCREVE O POETA OS EXCESSOS, E SENTIMENTO, QUE MOSTRAVA HUMA

FULANA DE LIMA SUA SENHORA.

1    Fonseca — Senhora Lima, o que tem,

                           que amanheceu tão sentida?

                           diga-me por sua vida,

                           assim Deus Ihe faça bem:

                           diga-me qual é, e quem

                           Ihe causa tanta tristeza?

                           porquanto eu por natureza

                           sinto, se é ingratidão,

                           ou talvez murmuração

                           dessa sua sutileza.

2    Lima —     Que hei de ter, minha Fonseca?

                         Um tormento, que me mata.

                         Fugiu Ilária a mulata,

                         porque já não quer ser peca:

                         despediu-se assim tão seca.

      Fons. —     Não chore, que ela virá.

      Lim.   —    Jesus! que o mundo dirá!

                         que a mandei a Sor Martinho.

      Fons. —    Veja em casa do vizinho.

      Lim.   —    Meu Estrela, tem-na lá?

3    Estr. —       Quem, Senhora, cá tão cedo?

      Lim. —        Ilária, Senhor, pergunto,

                          que não sei, se algum defunto

                          ma levou tanto em segredo;

                          Ai vida cansada! hei medo,

                          pelo que se há de dizer.

                          Onde se iria esconder,

                          se ela não sabe caminho,

                          nem carreira? Meu vizinho.

       Estr. —      Senhora Lima? Lim. Que hei de fazer?

4     Lim. —       Chica, que é de Ilarinha?

                          dize, negra do diabo.

                          Vai vê-la, senão teu rabo

                          pagará, por vida minha;

       Chic. —     Eu não sei da mulatinha,

                          nem me entendo com papéis:

                          quem deu cinqüenta mil-réis

                          a deve de ter em casa

                          porque aqui nunca fez vaza.

        Lim. —      Ó putona, isso dizeis?

5      Chic. —     Digo, que Ilária é forra.

        Lim. —       Há de ser, quando eu morrer,

                           que isso está no meu querer;

                           cala essa boca, cachorra:

                           traga-me aqui logo, e corra,

                           que hei de quebrar-lhe o focinho.

                           Tem-na lá, senhor vizinho,

                           a minha Ilária, Senhor?

        Estr. —      Fugiu perdida de amor

                           pela manhã bem cedinho.

CO CIRRO NOS ESTREFOLHOS

MOTE

Ó meu pai, tu qués, que eu morra?

1    Co cirro nos estrefolhos

      se queixava um negro cono

      de ver, Ihe fincava o mono

      o fodedor dos antolhos:

      e revirando-lhe os olhos

      dizia a puta cachorra,

      desencaixa um pouco a porra,

      eu venho a regalar-me,

      e tu fodes a matar-me?

      Ó meu Pai, tu qués, que eu morra?

2    Fretei uma negra mina

      e fodendo-a todo o dia

      a coitada não podia

      porém era puta fina:

      a porra nela se inclina

      inclino com força a porra,

      e forcejando a cachorra

      ela me disse esperai,

      e eu Ihe disse chegai,

      Ó meu Pai, tu qués, que eu morra?

AUSENTE DE SUA CASA PONDERA O POETA O SEU MESMO ÊRRO,

EM OCCASIÃO DE SER BUSCADO POR SUA MULHER.

MOTE

Foi-se Brás da sua aldeia,

Sabe Deus, se tornará,

que viu no caminho a Menga,

e a Gila não quer ver mais.

1    Brás um Pastor namorado

      tão nobre, como entendido

      das Pastoras tão querido,

      como na aldeia invejado:

      dos arpões do Amor crivado

      tanto os sentidos Ihe enleia,

      Menga, e tanto se Ihe afeia

      Gila em seu ciúme esquivo,

      que por um, e outro motivo

      Foi-se Brás da sua aldeia.

2    Gila, que esta ausência sente,

      movida de seus pesares

      correu terras, passou mares

      zelosa, e impaciente:

      nenhuns vestígios persente

      das passadas, que Brás dá,

      mas tendo notícia já,

      que o leva um novo cuidado,

      disse, se vai namorado,

      Sabe Deus, se tornará.

3    No tempo, em que Brás me olhava,

      e a vista não divertia,

      então sim que me queria,

      e de querer me adorava:

      porém hoje, que da aljava,

      de Amor, que tanto o derrenga,

      anda ferido: que arenga,

      que razão, que pundonor

      há de virar a um Pastor,

      que viu no caminho a Menga?

4    Se anda atrás de uma beleza,

      um garbo, uma bizarria,

      e é homem Brás, que varia

      por gosto, e por natureza,

      quem o tirará da empresa

      de merecer prendas tais,

      se os meus suspiros, e ais

      valem com ele tão pouco,

      que se anda por Menga louco,

      E a Gila não quer ver mais.

A HUMA DAMA FULANA DE MENDONÇA FURTADO, COM

QUEM FOY O POETA ACHADO POR SUA MULHER.

1    Rifão é justificado

      desde o Índio ao Etiópio,

      que sabendo muito próprio,

      muito mais sabe o furtado:

      eu deste engodo levado,

      que desde menino ouvia,

      forçado da simpatia,

      ou da minha ardente chama,

      a furto da própria Dama,

      a vossa nata comia.

2    Comendo uma, e outra vez

      da nata, que Amor cobiça,

      o demo, que tudo atiça,

      descobriu tudo, o que fez:

      deu-me a Dama tal revés,

      tal repúdio, e tal baldão,

      sabendo a minha traição,

      como é de crer de uma Dama,

      que me achou na vossa cama

      co mesmo furto na mão.

3    Não tive, que Ihe alegar,

      ou que dar-lhe por desculpa,

      que quem tem gosto na culpa,

      o perde em se desculpar:

      não consiste o meu pesar

      em perder esta mulher,

      sinto, Senhora, o perder

      junto com a vossa afeição

      uma, e outra ocasião

      de torná-la a ofender.

4    Mas se a ocasião deixei,

      como não me deixa amor!

      Não vos gozarei traidor,

      e fiel vos gozarei:

      até agora vos logrei

      com susto, que acabou já,

      agora vos logrará

      amor sem susto, e cuidado,

      e quando não for furtado,

      gosto, Mendonça, será.

DESCREVE UM HORROROSO DIA DE TROVÕES.

Na confusão do mais horrendo dia,

Painel da noite em tempestade brava.

O fogo com o ar se embaraçava,

Da terra, e ar o ser se confundia.

Bramava o mar, o vento embravecia,

A noite em dia enfim se equivocava,

E com estrondo horrível, que assombrava,

A terra se abalava, e estremecia.

Desde o alto aos côncavos rochedos,

Desde o centro aos altos obeliscos

Houve temor nas nuvens, e penedos.

Pois dava o Céu ameaçando riscos

Com assombros, com pasmos, e com medos

Relâmpagos, trovões, raios, coriscos.

DECANTA OS ESTRAGOS QUE NO BOQUEIRÃO DE SANTO ANTONIO

FAZIA HUM SURUCUCÚ, EM QUEM PASSAVA DESDE HUMA PEÇA

DESCALVAGADA, ONDE SE RECOLHIA DE DIA.

Acabou-se esta cidade,

Senhor, já não é Bahia,

já não há temor de Deus,

nem d´EI-Rei nem da Justiça.

Lembra-me, que há poucos anos,

inda não há muitos dias,

que para qualquer função

de um crime a prisão fervia.

Iam por esse sertão

ao centro de Jacobina

prender a algum matador,

inda que fosse a espadilha.

E hoje dentro na praça

nas barbas da Infantaria,

nas bochechas dos Granachas

com polé, e forca à vista,

Que esteja um surucucu

com soberana ousadia

feito Parca das idades,

cortando os fios às vidas:

Com tantas mortes às costas,

e que não haja uma rifa

de paus, que ao tal matador

o Basto Ihe ponha em cima!

É muito brabo rigor

o desta Cobra atrevida,

que esteja na estrada pública

fazendo assaltos à vista.

Onde está Gaspar Soares,

que não vai a esposa fita

no Lazão lançar-lhe a gorra,

e metê-la na enxovia?

Se está no mato emboscada,

no seu mocambo metida,

mandem-lhe um terço ligeiro

de Infantes de Henrique Dias

Se dizem, que está na peça,

dêem-lhe fogo à culambrina,

já que faz peças tão caras,

custe-lhe esta peça a vida.

Vão quatro, ou seis artilheiros

cavalgar-lhe a artilharia,

porque sendo noite dê

fogo a toda cousa viva.

Tira com balas ervadas,

a que não há medicina,

porque as traz sempre na boca

com venenosa saliva.

O caso é monstrosidade,

porém não é maravilha,

que hajam cobras, e lagartos

entre tanta sevandija.

Só digo, que é boa peça,

porque na peça escondida

vela na peça de noite

dorme na peça de dia.

REGRA DE BEM VIVER, QUE A PERSUASÕES DE ALGUNS AMIGOS

DEO A HUNS NOYVOS, QUE SE CASAVAM.

REGRA PARA A NOIVA

Será primeiramente ela obrigada,

Enquanto não falar, estar calada:

Item por nenhum caso mais se meta

A romper fechaduras da gaveta,

Salvo, se por temer algum agouro,

Quiser tirar de dentro a prata, e ouro.

Lembre-se de ensaboar, quem a recreia,

Porém não há de ser de volta, e meia,

E para parecer mulher, que poupa,

Não se descuide em romendar-lhe a roupa,

Mas porém advertindo, que há de ser,

Quando ele de raiva a não romper,

Que levar merecia muito açoite

Por essa, que rompeu onte onte a noite

Furioso, e irado

Diante de seu Pai e seu Cunhado,

Que esteve em seu romper com tal azar.

E eu em pontos também de me rasgar.

Irá mui poucas vezes à janela,

Mas as mais que puder irá à panela:

Ponha-se na almofada até o jantar,

E tanto há de cozer, como há de assar:

Faça-lhe um bocadinho mui caseiro,

Porém podendo ser, coma primeiro,

E ainda que o veja pequenino,

Não Ihe dê de comer como a menino.

Quando vier de fora, vá-se a ele,

E faça por se unir pele com pele,

Mas em Ihe dando a sua doencinha,

De carreira se vá para a cozinha,

E mande a Madalena com fervor

Pedir a sua Mãe água-de-flor;

Isto deve observar sem mais propostas,

Se quiser a saúde para as costas.

Isto deve fazer,

Se com o bem casado quer viver;

E se a regra seguir,

Cobrará boa fama por dormir,

Na qual interessado muito vai

Seu Cunhado, seu Pai, e sua Mãe.

E adeus, que mais não posso ou mais não pude;

Ninguém grite, chitom, e haja saúde.

DOTE

PARA O NOIVO SUSTENTAR OS ENCARGOS DA CASA

Uma casa para morar .......................................................................... de botões

Com seu quintal .................................................................................... de ferro

Um leito .................................................................................................. de carro

Uma cama ............................................................................................. de bobas

Com seus lençóis ................................................................................. de Itapoã

Suas cortinas ........................................................................................ de muro

Um vestido de seda ............................................................................. de cavalo

Com seus botões ................................................................................. de fogo

Um guarda-pé ....................................................................................... de topadas

Um vaqueiro .......................................................................................... do sertão

Dous gibões ......................................................................................... de açoute

Um com mangas .................................................................................. de mosquetaria

Outro com mangas .............................................................................. de tede

Uma saia .............................................................................................. de malha

Uma saia .............................................................................................. de dentro a fora

Uma cinta ............................................................................................. de desgostos

Um manto de fumo .............................................................................. de chamin

Dous pares de meias ......................................................................... canadas

Uns sapatos ......................................................................................... de pilar.

ROUPA BRANCA

Duas camisas ................................................................................... de enforcado

Arrendadas com as rendas ............................................................. do verde peso

Duas fraldas ...................................................................................... da serra

Dous lenços de caça ........................................................................ do mato

Dous guardanapos ........................................................................... de cutilaria

Para a mais roupa duas

    Peças de pano ...............................................................................do rosto.

TRASTES DE CASA

Uma caixa grande ............................................................................ de guerra

Outra meã ......................................................................................... de muchachins

E outra pequenina ............................................................................ de óculos

Dous contadores da Índia ................................................................ Manuel de

                                    Faria e Sousa, e Fernão Mendes Pinto

Duas cadeiras ................................................................................. do espinhaço

Uma cadeira para o estrado ......................................................... de navio

Dous caixões .................................................................................. de fervura

Uma armação fresca para

    A cama ....................................................................................... de xaréus

Um espelho .................................................................................... de viola.

PEÇAS DE OURO

Uns brincos para as orelhas .......................................................... de junco

Dous cordões para o pescoço ...................................................... de franciscanos

Duas manilhas para os

    Braços .......................................................................................... de copas, e espadas

Quatro memórias para os

    Dedos ........................................................................................... da Morte

                                Do Inferno, do Paraíso, e outra de Galo.

PEÇAS DE SERVIÇO OITO

O Canário, o Cãozinho, o Pandalunga, o vilão,

O Guandu, o Cubango, a Espanholeta, e um

Valente negro em Flandres.

Para chamar estes negros

    Uma campainha ............................................................................ na garganta

Dão-lhe mais duas toalhas .............................................................. de arrenegado

Uma salva .......................................................................................... de artilharia

Para se alumiar duas velas ............................................................. de gávea

Para rezar umas contas ................................................................... de quebrados

Para sair fora uma rede ................................................................... de arrasto

E para a limpeza um

    Servidor ......................................................................................... de VM.

COMESTIVOS

Carneiro .......................................................................................... de sepultura

Picado ............................................................................................. de bexigas

Tortas .............................................................................................. de um olho

Pastéis ............................................................................................ de estrada

Almôndegas ................................................................................... de capim.

FRUITAS

Figos ........................................................................................ fêmeas

Limas ....................................................................................... surdas

Maçãs ...................................................................................... de espada, e escaravelho

PARA OS DIAS DE PEIXE

Caldo ....................................................................................... de grãos

Agulhas ................................................................................... de osso

Lampreias ............................................................................... de termo

DOCES

Morgados ............................................................................... sem renda

Marmelada ............................................................................. de caroço

Cidrão ..................................................................................... de pé de muro

E muitos doces ...................................................................... afagos.

PARA SEUS DIVERTIMENTOS

Uma quinta ............................................................................... feira

Com duas fontes ..................................................................... nos braços

E para os gastos ..................................................................... 500 selos na fralda.

A VASCO MARINHO FALCÃO, QUE SENDO HOMEM VELHO, E ACHACOSO

SE CASOU COM HUMA MULHER MOÇA, E FORMOSA

Tem Vasco para seus danos ..................................................... noventa anos,

e por mazela tem outra ............................................................ potra

há mais males que le apontes? ................................................ fontes.

Dessa sorte não me contes

que é galharda, e limpa a Dama,

que escolher quis para a cama

noventa anos, Potra, e Fontes

Tem na boca muito vivas ............................................................ gengivas,

com que as palavras acaba ....................................................... com baba,

tem uma tromba, que diz ............................................................ nariz.

Dama, que empregar se quis

em tão suzanário rosto,

tenha por espelho ao gosto

gengivas, Baba, e Nariz.

Seu corpo é saco de grossos .................................................... ossos.

Correm-lhe das luzes belas ........................................................ ramelas,

e que mais há, que lhe corra? .................................................... borra.

Mil vezes borrada morra

dama de tão pouca estima,

que quis para pôr em cima

ossos, Ramelas, e Borra.

O MULEIRO, E O CRIADO.

MOTE

Caralho do Muleiro é feito de papelão,

arreita pelo inverno,

para foder no verão.

GLOSA

1    O Muleiro, e o Criado

      tiveram grande porfia

      sobre qual deles teria

      mor membro, e mais estirado:

      pôs-se o negócio em julgado,

      e botando ao soalheiro

      um, e outro membro inteiro,

      às polegadas medido,

      se viu, que era mais comprido

      O caralho do Muleiro.

2    Disto Criado apelou,

      e foi a razão, que deu,

      que o membro então mais cresceu,

      porque então mais arreitou:

      logo alegou, e provou

      não ser bastante razão

      a polegada da mão

      para vencer-lhe o partido.

      que suposto que é comprido,

      É feito de papelão.

3    Item sendo necessário,

      disse mais, que provaria,

      que se era papel, se havia

      abaixar como ordinário:

      que o membro era mui falsário

      feito de um pobre quaderno,

      tão fora do uso moderno,

      que se uma Moça arreitada

      lhe dá no verão entrada,

      É para foder no inverno.

4    E que depois de se erguer,

      é tão tardo, e tão ronceiro,

      que há de mister o Muleiro

      seis meses para o meter:

      porque depois de já ter

      aceso como um tição,

      engana a putinha então,

      pois pedindo a fornicasse,

      lhe dizia, que esperasse

      Para foder no verão.

DESCREVE O POETA HUMA BOCCA LARGA.

1   É justa razão, que eu gabe,

      boca, a vossa perfeição,

      porque vos caiba a razão,

      onde a razão vos não cabe:

      quem conhecer-vos não sabe,

      não teme tamanha empresa,

      que vos faz a natureza,

      para ser do mundo espanto,

      pois nele não cabe tanto,

      como na vossa grandeza.

2    Os extremos, que mostrais,

      quando esses beiços abris

      lisos, delgados, sutis,

      brancos, como dois cristais,

      em nada são naturais,

      que até esses dentes belos

      usurparam aos cabelos,

      e tem com eles trocada

      a cor castanha, e dourada,

      e são pardos, e amarelos.

3    E se os outros escondidos

      somente o riso os declara,

      vós, boca, de pouco avara

      os tendes desimpedidos:

      porque todos os sentidos

      os tenham sempre presentes,

      os olhos sempre luzentes

      podem sem pestanejar

      em tão remoto lugar

      ver a beleza dos dentes.

4    Amor, que as almas condena,

      por melhor as conquistar,

      para ensinar a atirar,

      que sejais meu branco ordena:

      não creais, que por pequena

      vos há de errar a medida,

      antes minha alma duvida

      de escapar-lhe em toda a toca,

      se a medida dessa boca

      houver de dar a ferida.

5    Aviso, graça, e saber,

      amor, cuidado, e desejos,

      quando for grande o bocejo,

      em vós não se hão de esconder:

      tesouro não podeis ser,

      mas sois mina descoberta,

      sendo cousa muito certa,

      que a serem os dentes de ouro

     éreis má para tesouro,

      por andares sempre aberta.

AO CASAMENTO DE HUM SUGEYTO VALENTE COM HUMA ELENA DE TAL.

MOTE

Uma Helena por garbosa

Páris troiano a roubou

porém Miguel conquistou

outra Helena mais formosa.

1    Dous monstros a Roma bela

      deram princípio e mofina,

      uma casada à ruína,

      o princípio uma donzela:

      uma troiana, uma estrela,

      um sol, um raio, uma rosa

      abrasou Tróia formosa;

      porém há de se entender

      não por sol qualquer mulher

      Uma Helena por garbosa.

2    Páris troiano Juiz,

      que no monte Ida se achou,

      o pomo à Vênus julgou

      por mais bela, e mais feliz:

      à Juno Deusa infeliz

      tanto ofendeu, e irritou,

      e tanto a Deusa forjou,

      que tentando-o, a que roubasse

      a Helena, e Tróia abrasasse,

      Páris Troiano a roubou.

3    Hoje melhor imitada

      Vemos de Páris a pena,

      Páris perdeu pela pena,

      Miguel ganhou pela espada:

      pela fidalguia herdada,

      pela riqueza, que herdou,

      Miguel a Helena ganhou;

      Páris amante descalço,

      perdeu por roubar de falso,

      Porém Miguel conquistou.

4    Miguel ditoso se alista

      por conquistador do amor,

      serviu, ganhou uma Flor,

      e está Senhor da conquista:

      Páris julgando a revista

      civil, e contenciosa

      de uma, e Outra Deusa irosa

      teve uma Helena roubada,

      mas a Miguel foi julgada

     Outra Helena mais formosa.

PASSANDO DOUS FRADES FRANCISCANOS PELA PORTA DE AGUEDA

PEDINDO ESMOLLA, DEO ELA UM PEYDO, E RESPONDEO HUM

DELLES ESTAS PALAVRAS "IRRA, PARA TUA THIA"

1    Sem tom, nem som por detrás

      espirra Águeda à janela,

      mas foi espirro de trela,

      porque tal estrondo faz:

      que um Reverendo Sagaz

      lastimado, do que ouvia,

      se já não foi, que sentia

      ouvia tal ronco ao traseiro,

      disse para o companheiro,

      "irra para tua Tia".

2    Sentiu-se Águeda do irra,

      e disse, perdoe, Frade,

      quem pede por caridade,

      não se agasta com tal birra:

      aqui nesta casa espirra

      todo o coitado, e coitada;

      passe avante, que isto é nada,

      e se acaso se enfastia,

      será para sua Tia,

      ou para seu camarada.

3    Basta, que se escandaliza

      do meu cu, porque se caga?

      Venha cá, boca de praga,

      que cousa mais mortaliza?

      o peido, que penaliza,

      é sorrateiro, e calado:

      o peido há de ser falado,

      ou ao menos estrondoso,

      porque aquele, que é fanhoso,

      é peido desconsolado.

4    Quantas vezes, Frei Remendo,

      dará co meio do cu

      peido tão rasgado, e cru,

      que lhe fique o rabo ardendo?

      perdoe, pois, Reverendo,

      não cuidei, tão bem ouvia;

      e se esmola me pedia,

      aceite-o por caridade,

      se não servir para um Frade,

      leve-o para tua Tia.

PONDERA MISTERIOSO EM AMORES O DESCUIDO, COM QUE HUMA

DAMA CORTOU O SEU DEDINHO QUERENDO APARAR HUMA PENA

PARA ESCREVER A SEU AMANTE

1    Para escrever intentou

      Nise uma pena aparar,

      e começando a cortar,

      o seu dedinho cortou:

      incontinenti a largou

      sentida desta ocasião,

      e com tão justa razão

      chorosa sente: porque

      teve neste golpe pé,

      para sentir-se da mão.

2    Duas penas descontente

      padece Nise em verdade,

      da ferida a crueldade,

      e viver de Fábio ausente:

      qual destas duas mais sente

      difícil é de advertir;

      mas eu venho a concluir,

      que mais sente Nise amante

      viver de Fábio distante,

      do que chegar-se a ferir.

3    Quisera a Fábio escrever

      por dar alívio a seu mal,

      porém a sorte fatal

      não lho consentiu fazer:

      quis-lhe o gosto perverter,

      dando-lhe o golpe, que a assusta,

      por cuidar, que é cousa justa

      mostrar, quando Nise chora,

      que esse Fábio, a quem adora,

      gotas de sangue lhe custa.

4    Bem claramente constou

      de Nise na mão ferida,

      que o ser liberdade, e vida

      tudo a Fábio sujeitou:

      discreta, e entendida andou

      neste amoroso embaraço,

      pois para apertar o laço

      mais da sua sujeição,

      que o firma nesta ocasião,

      mostrou o sangue do braço.

5    Queixosa Nise em verdade

      se mostrou nesta ocasião,

      não da ferida da mão,

      do golpe sim da saudade:

      porque com tal crueldade

      a move de Fábio a ausência,

      que sem haver resistência

      no peito, que amante o adora,

      Lágrimas de sangue chora

      com repetida veemência.

6    De propósito parece,

      que se deu Nise este corte,

      porque um amor, que é tão forte,

      só bem assim se encarece:

      e quem duvida, o fizesse

      para dar-nos a entender,

      que quis seu sangue verter

      para mostrar sua fé,

      que tanto ama a Fábio, que

      quer dar-lhe o sangue a beber.

SONHO QUE TEVE COM HUMA DAMA ESTANDO PREZO NA CADEYA.

Adormeci ao som do meu tormento:

E logo vacilando a fantesia

Gozava mil portentos de alegria,

Que todos se tornaram sombra, e vento.

Sonhava, que gozava o pensamento

Com liberdade o bem, que mais queria,

Fortuna venturosa, claro dia;

Mas ai, que foi um vão contentamento!

Estava, Clóris minha, possuindo

Desse formoso gesto a vista pura,

Alegre glórias mil imaginando:

Mas acordei, e tudo resumindo,

Achei dura prisão, pena segura:

Oh se sempre estivera assim sonhando!

A LUIZA ÇAPATA QUERENDO, QUE O AMIGO LHE DESSE QUATRO

INVESTIDAS DUAS DE DIA, E DUAS DE NOYTE.

1    Uma com outra são duas

      pela minha tabuada,

      e vós, Mulata esfaimada,

      quereis duas vezes duas:

      se isso vos dera por luas,

      e o quiséreis cada mês,

      dera-vos três vezes três;

      mas quatro entre dia, e noite,

      dar-vos-ei eu tanto açoite,

      que farão dez vezes dez.

2    Pois, Puta, essa vossa crica

      tão gulosa é de rescaldos,

      que cuidais que os nossos caldos

      os compramos na botica?

      o caldo não multiplica,

      quando entre quatro virilhas

      se liquida em escumilhas,

      e vós a lavadas mãos

      quereis um caldo de grãos,

      por um caldo de lentilhas?

3    É o caldo uma quinta-essência,

      e tal, que uma gota fria

      produz uma Senhoria,

      e talvez uma Excelência:

      se tendes dele carência,

      e por fartar a vontade

      o quereis em quantidade,

      não trateis não de esgotar

      os culhões de um secular,

      ide à barguilha de um Frade.

4    Puta, se a vossa Ração

      hão de ser quatro à porfia,

      dormi com quatro em um dia,

      e quatro se vos darão:

      mas tirá-las de um Cristão,

      que apenas janta, e não ceia,

      e não dará foda, e meia,

      isso é mais que crueldade,

      e mais tendo vós um Frade,

      que é gato que nunca mea.

5    Mudai pois os pensamentos,

      e se não heis de quietar

      com uma do secular,

      ide servir aos conventos:

      que os leigos já macilentos,

      esvaídos, e esgotados

      com um mês de amancebados

      cobram tão grande fastio,

      que já pagam de vazio

      dois mil vasos alugados.

6    No Filho do Caldeireiro

      tendes emprego adequado,

      pois aos malhos ensinado

      fode com um malhadeiro:

      se no vale, ou se no oiteiro

      lhe dais a mama, e o peito,

      e achais, que é moço de jeito,

      na parte do olhinho morto

      tendes razão, pois é torto,

      mas tem o membro direito.

A HUMA DAMA QUE SE ENCARECIA DE FORMOSA POR VENDER-SE CARO.

Dizem, que é mui formosa Dona Urraca.

Quem o sabe, ou quem viu esta minhoca?

Poderá ter focinho de Taoca,

E parecer-me a mim uma macaca.

Hei de querê-la, sem ver-lhe a malaca

Em risco de estar podre a Sereroca?

E se ela acaso for galinha choca,

Como hei de dar por ela uma pataca?

A mim me tenham todos por velhaco

Se amar a tal fragona por capricho,

Sem primeiro revê-la até o buraco.

Que pode facilmente o muito lixo,

Por não limpar às vezes o mataco,

Terem-lhe os caxandés tapado o esguicho.

A BITANCOR, QUE NA PRIMEYRA VEZ QUE COM ELLA CONVERSOU

O POETA, LOGO FOI ADMITTIDO SEM A MINIMA REPUGNANCIA.

1    Querendo obrigar-me Amor

      depois de tanta afeição

      me pôs na palma da mão

      a discreta Bitancor:

      agradeci-lhe o favor,

      e querendo-o pôr nas palmas,

      agonizando entre calmas

      de amor minhas altivezes,

      lhe rendi a alma mil vezes

      porque não tive mil almas.

2    Multipliquei de artifício

      o rendimento, e amor,

      porque uma alma a seu candor

      era curto sacrifício:

      e ela destra no exercício

      de amor, e seu rendimento,

      com gosto, e contentamento

      me agradeceu por então

      medir eu minha afeição

      pelo seu merecimento.

3    Que lhe caísse eu em graça,

      seus olhos o não desdizem,

      porque sempre os olhos dizem,

      o que dentro n'alma passa:

      graças a Amor, que a desgraça

      não veio empecer-me aqui,

      porque muitas vezes vi,

      que enamorado, e rendido

      por perder o merecido

      até o perder-me perdi.

4    Ela me dá por perdido,

      e está disposta a querer-me,

      cum que não perco o perder-me,

     pois já a tenho merecido:

      um amor tão bem sortido

      por mãos de uma divindade:

      este amor em realidade,

      que não trazer-me um ninguém

      da fortuna no vaivém

      do tempo na eternidade.

A THOMAZ PINTO BRANDÃO QUEYXANDOSE DE HUMA MULA QUE LHE TINHA

PEGADO HUA MULATA, ÂQUEM DAVA DIVERSOS NOMES, POR DISFARCE,

DIXENDO HUMAS VEZES, QUE ERA INGUA, E OUTRAS QUEBRADURA.

Fábio: essa bizarria,

essa flor, donaire, e gala,

mui mal empregada está

em uma cara caraça.

Sobre ser caraça o rosto,

dizem, que a dita Mulata

de mui dura, e rebatida

tem já o couro couraça.

Item que está muito podre,

e não escusa esta Páscoa

para secar os humores

fazer da salsa salsada.

Não me espanto, que nascessem

tais efeitos de tal causa,

que de Mulata sai mula,

como de mula Mulata.

Um dia dizeis, que é íngua,

no outro, que não é nada,

e eu digo, se não for mula,

que será burra burrada.

Mas direi por vossa honra,

que é quebradura sem falta,

que de cantar, e bailar

mil vezes o talo estala.

Ponde de contra-rutura

umparche na parte inchada

comfunda, porque a saúde

fique na funda fundada.

A FRANCISCO PEREYRA DE AZEVEDO NASCENDO-LHE UM NETO

NA MESMA HORA, EM QUE LHE MORREO UMA NETA.

Até vir a manhã serena, e pura

A estrela-d'alva está resplandecente,

Mas quanto o sol se mostra mais Luzente,

Tanto ela se retira mais escura.

Enfim rompe do sol a formosura

As frias nuvens desfazendo ardente,

Quando se vê nascido no Oriente,

Então morta se vê na sepultura.

No céu de vossa casa Luminoso

Mariana assistiu estrela bela,

Até nascer-lhe de Pero o sol formoso:

E se o Sol se vê nele, e a estrela nela,

Sendo nascido o Sol, era forçoso,

Que se havia de ser defunta a estrela.

CHICA OU FRANCISCA HUMA DESENGRAÇADA CRIOLLA, QUE CONVERSAVA

COM O POETA E SE ARRIPIAVA TODA ZELOSA DE Ò VER CONVERSAR COM

MARIA JOÃO, NO MESMO TEMPO, EM QUE ELLA NÃO FAZIA

ESCRUPULO DE ADMITIR HUM MULATO.

1    Estais dada a Berzabu,

      Chica, e não tendes razão,

      sofrei-me Maria João,

      pois eu vos sofro a Mungu:

      vós dais ao rabo, e ao cu,

      eu dou ao cu, e ao rabo,

      vós com um Negro, um diabo,

      eu com uma Negrinha brava,

      pois fique fava por fava,

      e quiabo por quiabo.

2    Vós heis de achar-me escorrido,

      não vo-lo posso negar,

      eu também o hei de achar

      remolhado, e rebatido

      assim é igual o partido,

      e mesmíssima a razão,

      porque quando o vosso cão

      dorme co'a minha cadela,

      que fique ela por ela,

      diz um português rifão.

3    Vós dizeis-me irada e ingrata,

     co'a mão na barguilha posta

      "eu me verei bem disposta!"

      e eu digo-vos: "Quien se mata?"

      eu vou-me à putinha grata,

      e descarrego o culhão,

      vós ides ao vosso cão,

      e regalais o pasmado,

      leve ao diabo enganado,

      e andemos co'a procissão.

4    Chica, fazei-me justiça,

      e não vo-la faça eu só,

      eu vos deixo o vosso có,

      vós deixai-me a minha piça:

      e se o demo vos atiça

      mamar numa e noutra teta,

      pica branca, e pica preta,

      eu também por me fartar

      quero esta pica trilhar

      numa greta, e noutra greta.

5    Dizem, que o ano passado

      mantínheis dez fodilhões

      branco um, nove canzarrões,

      o branco era o dizimado,

      o branco era o escornado,

      por ter pouco, e brando nabo;

      hoje o vosso sujo rabo

      me quer a mim dizimar,

      que não hei de suportar

      ser dízimo do diabo.

6    Chica, dormi-vos por lá,

      tendo de negros um cento,

      que o pau branco é corticento

      e o negro é jacarandá:

      e deixai-me andar por cá

      entre as negras do meu jeito,

      mas perdendo-me o respeito,

      se o vosso guardar quereis,

      contra o direito obrareis,

      sendo amiga do direito.

7    Sois puta de entranha dura,

      e inda que amiga do alho

      sois uma arranha-caralho

      sem carinho, nem brandura:

      dou ao demo a puta escura,

      que estando a todas exposta,

      não faz festa ao de que gosta;

      dou ao demo o quies vel qui,

      e não para quem a encosta.

8    Quem não afaga o sendeiro,

      de que gosta, e bem lhe sabe,

      vá-se dormir cuma trave,

      e esfregue-se cum coqueiro:

      seja o cono presenteiro,

      faça o mimo o agasalho

      ao membro, que lhe dá o alho,

      e se de carinho é escassa,

      ou vá se enforcar, ou faça

      do seu dedo o seu caralho.

ENFURECIDO O POETA DAQUELLES CIUMES DESCOMPOSTOS

LHE FAZ ESTA HORRENDA ANATOMIA.

Vá de aparelho,

vá de painel,

venha um pincel

retratarei a Chica

e seu besbelho.

É pois o caso

que a arte obriga,

que pinte a espiga

da urtiga primeiro

e logo o vaso.

A negra testa

de cuiambuca

a põe tão cuca,

que testa nasce, e em cuia

desembesta.

Os dous olhinhos

com ser pequenos

são dois venenos,

não do mesmo tamanho

maiorzinhos.

Nariz de preta

de cocras posto,

que pelo rosto

anda sempre buscando

onde se meta.

Boca sacada

com tal largura,

que a dentadura

passeia por ali

desencalmada.

Barbinha aguda

como sovela,

não temo a ela,

mas hei medo à barba:

Deus me acuda.

Pescoço longo,

socó com saia,

a quem dão vaia

negros, com quem se farta

de mondongo.

Tenho chegado

ao meu feitio

do corpo esguio,

chato de embigo,

erguido a cada lado.

Peito lazeira

tão derribado,

que é retratado

ao peito espaldar

debaixo da viseira.

Junto as cavernas

tem as perninhas

tão delgadinhas,

não sei, como se tem

naquelas pernas.

Cada pé junto

forma a peanha,

onde se amanha

a estátua do pernil,

e do presunto.

Anca de vaca

mui derribada,

mais cavalgada,

que sela de rocim,

charel de faca.

Puta canalha,

torpe, e mal feita,

a quem se ajeita

uma estátua de trapo

cheia de palha.

Vamos ao sundo

de tão mau jeito,

que é largo, e estreito

do rosto estreito, e largo

do profundo.

Um vaso atroz,

cuja portada

é debruada

com releixos na boca,

como noz.

Horrível odre,

que pelo cabo

toma de rabo

andar são, e feder

a cousa podre.

Modos gatunos

tem sempre francos,

arranha os Brancos,

e afaga os membros só

dos Tapanhunos.

Tenho acabada

a obra, agora

rasguem-na embora,

que eu não quero ver Chica

nem pintada.

A HUM AMIGO APADRINHANDOLHE A ESCRAVA DE ALCUNHA A JACUPEMA,

A QUEM SUA SENHORA QUERIA CASTIGAR PELO FURTO DE HUM OVO.

Se acaso furtou, Senhor,

algum ovo a Jacupema,

o fez só, para que gema

cos pesos do meu amor:

não creio do seu primor,

que furte a sua senhora,

sendo franca, e não avara,

porque para ela campar,

escusa claras comprar,

pois negra val mais que clara.

À PENDENCIA QUE TEVE MARANA DE LEMOS COM VICENCIA POR RESPEYTO

DE ANTONIO DE MOURA A QUE ACODIO HUM CAPm. HYPOCRITA QUE TRAZIA

HUM CRUCIFIXO AO PESCOÇO.

1    Botou Vicência uma armada

      de uma canoa, e dous remos

      contra Marana de Lemos,

      que estava numa emboscada:

      por uma encoberta estrada

      entrou no reduto, e logo

      o Capitão, disse "fogo":

      e vendo arder o seu fato

      o Capitão, que é beato,

      tomou as de Vila Diogo.

2    Por Diogo Pissaro grita,

      que acuda a casa queimada,

     que Vicência vinha assada

      por ver a Marana frita:

      Pissaro, que perto habita

      entrou, e vendo as disputas

      de putas tão dissolutas,

      disse (porque elas teimam)

      aqui-d'El-Rei, que se queimam

      de ciúmes duas putas.

3    Marana a nenhum partido

      a praça quis entregar,

      que é soldado singular,

      nas campanhas de Cupido:

      Vicência tinha vencido,

      pois entrou na fortaleza,

      mas Deus sabe, o que Ihe pesa

      de não poder conseguir.

      haver então de sair

      com armas, e mecha acesa.

4    Não pôde dizer-lhe ali

      esta honra militar,

      que Marana por se armar

      quis a mecha para si:

      o que há, que notar aqui

      é, que uma, e outra velhaca

      dando tão grande matraca,

      e o sentinela, que brama,

      o General sobre a carna

      roncava como uma vaca.

5    Se é certo, que o General

      em tal conflito roncou

      é, que a prima noute andou

      visitando o arraial:

      como por todo o arrebal

      andou qual Jacurutu,

      sempre à espera de um Tatu,

      que do laço Ihe escapou,

      com pé leve se deitou,

      dormiu com pesado cu.

6    Vicência a passos contados

      perdeu a praça, e a presa,

      porque é por sua simpleza

      moça de bofes lavados:

      mas o Capitão dá brados

      de lidar sempre com isto,

      e de um, e doutro anticristo

      se deseja em liberdade,

      como há de ver, se há verdade

      nas cartas, e no seu Cristo?

A CARIDADE COM QUE ESTA MESMA VICENCIA AGAZALHAVA TREZ AMANTES.

Com vossos três amantes me confundo,

Mas vendo-vos com todos cuidadosa,

Entendo, que de amante, e amorosa

Podeis vender amor a todo o mundo.

Se de amor vosso peito é tão fecundo,

E tendes essa entranha tão piedosa,

Vendei-me de afeição uma ventosa,

Que é pouco mais que um selamim sem fundo.

Se tal compro, e nas cartas há verdade,

Eu terei quando menos trinta Damas,

Que infunde vosso amor pluralidade.

E dirá, quem me vir com tantas chamas,

Que Vicência me fez a caridade,

Porque o leite mamei das suas mamas.

BAXA QUE DERAM A ESTA VICENCIA, POR DIZER-SE QUE EXHALLAVA MAO

CHEYRO PELO SUVACOS, E SE FOY METTER COM JOANNA GAFEYRA.

Lavai, lavai, Vicência, esses sovacos,

Porque li num pronóstico almanaque,

Que vos tresanda sempre o estoraque,

E por isso perdeste casa, e cacos.

Hoje que estais vizinha dos buracos

Das pernas gafeirais, dareis mor baque,

Que tanta caca hei medo, que vos caque,

E que fujam de vós té os macacos.

Tratai de perfumar-vos, e esfregar-vos,

Que quem quer esfregar-se, anda esfregada,

Senão ide ser Freira, ou enforcar-vos.

Porque está toda a terra conjurada,

Que antes de vos provar, hão de cheirar-vos,

E lançar-vos ao mar, se estais danada.

INTENTA AGORA O POETA DESAGRAVAR A VICENCIA

JUSTAMENTE SENTIDA DOS SEUS VERSOS.

Os vossos olhos, Vicência,

tão belos, como cruéis,

são de cor tão esquisita,

que não sei, que cor Ihes dê.

Se foram verdes, folgara,

que o verde esperança é,

e tivera eu esperanças

de um favor vos merecer.

Os azuis de porçolana

força é, quer pesar me dêem,

que porçolanas não servem,

onde não hei de comer.

Se são negros vossos olhos,

é já luto, que trazeis

pelos homens, que haveis morto

a rigores, e desdéns.

Mas sendo tais olhos pares,

no mundo outro par não têm,

pois nem os Pares de França

podem seus escravos ser.

Se os vossos olhos se viram

um a outro alguma vez,

como se namorariam!

e se quereriam bem!

Que de amores se disseram

um a outro, que desdéns!

meus olhos se chamariam,

meu sol, minha luz, meu bem,

Um pelo outro chorando,

ambos chorariam, que

quando os olhos vêem chorar,

força é, que chorem também.

Mas por isso a natureza

catelosamente fez

entre os olhos o nariz,

com que os olhos se não vêem.

Que se um a outro se viram,

Vicência, tivera eu

no prezar dos vossos olhos

a vingança, que hei mister.

CELEBRA O POETA À HUMA GRACIOSA DONZELLA, E NÃO

MENOS FORMOSA DE MARAPE CHAMADA ANTONIA.

1    Vi-me Antônia, ao vosso espelho,

       e com tal raiva fiquei,

       que não sei, como julguei

       por linda, a quem me faz velho:

       mas tomei melhor conselho

       de então não enraivecer,

       que se do sol ao correr

       vai murchando o Girassol,

       que muito, que o vosso sol

       me fizeste envelhecer.

2    O com que mais me admirais,

      é, que com tanto arrebol

      para vós não sejais sol,

      pois sois flor, e não murchais.

      Como os passos naturais

      do Sol pela esfera pura

      mo legam toda a criatura,

      e o sol sempre se remoça,

      assim mesmo não faz mossa

      em si o sol da formosura.

3    Tantos anos sol sejais,

      que com giros soberanos

      enchais dos mortais os anos,

      e os vossos nunca os enchais:

      a todos envelheçais,

      como é próprio na oficina

      da luz sempre matutina,

      sintam do sol as pisadas

      as idades mais douradas,

      vós sejais sempre menina.

A BRAZIA DO CALVARIO OUTRA MULATA MERETRIZ DE QUEM TAMBEM

FALLAREMOS, QUE ESTANDO EM ACTO VENEREO COM HUM FRADE

FRANCISCANO, LHE DEO UM ACIDENTE A QUE CHAMÃO VULGARMENTE

LUNDUZ, DE QUE O BOM FRADE NÃO FEZ CASO, MAS ANTES FOY

CONTINUANDO NO MESMO EXERCICIO SEM DESENCAVAR, E SOMENTE O FEZ,

QUANDO SENTIO O GRANDE ESTRONDO, QUE O VAZO LHE FAZIA.

1    Brásia: que brabo desar!

      vós me cortastes o embigo,

      mas inda que vosso amigo,

      não vos hei de perdoar:

      pusestes-vos a cascar,

      e invocastes os Lundus;

      Jesus, nome deJesus!

      quem vos meteu no miolo,

      que se enfeitiçava um tolo

      mais que co jogo dos cus?

2    O Fradinho Franciscano

      sendo um servo de Jesus,

      que Ihe dava dos Lundus,

      se é mais que os Lundus magano?

      tinha ele limpado o cano

      quatro vezes da bisarma,

      e como nunca desarma

      tão robusta artilharia,

      dos lundus que Ihe daria,

      se ele estava co'aquela arma?

3    Chegados os tais lundus

      os viu no vosso acidente,

      que se os vê visivelmente

      também Ihe dera o seu truz:

      desamarrados os cus,

      porque o Frade desentese,

      foi-se ele, pese a quem pese,

      e vós assombrada toda,

      perdestes a quinta foda,

      e talvez que fossem treze.

4    O melhor deste desar

      é, que o Padre, que fodia,

      quando o jogo Ihe acudia,

      vos tocava o alvorar:

      vos enforcando no ar

      esse como a balravento,

      então o Frade violento

      entrava como um cavalo,

      e o cono com tanto abalo

      zurrava como um jumento.

5    Eu não vi cousa mais vã,

      do que o vosso cono bento,

      pois com dous dedos de vento

      roncava uma Itapoã,

      estava agora louçã,

      crendo, que salva seria

      toda aquela artilharia,

      mas vós o desenganastes,

      quando o murrão Ihe apagastes

      com chuva, e com ventania.

6    Se achais, que vos aniquilo,

      porque mais pede inda o caso,

      digo, que há no vosso vaso

      as catadupas do Nilo:

      e se o vaso vos perfilo

      com rio tão hediondo;

      crede, que o Nilo redondo

      com todas as sete bocas

      tem ruído, e vozes poucas

      à vista do vosso estrondo.

7    Ninguém se espanta, que vós

      venteis com tal trovoada,

      porque de mui galicada

      tendes no vaso comboz:

      é caso aqui entre nós,

      que se o membro é uma viga,

      em tocando na barriga

      uma enche, e outra extravasa,

      e vaso, que enche, e vaza,

      como de marés se diga.

8    Tantas faltas padeceis

      fora do vaso, e no centro,

      que nada ganhais por dentro,

      por fora tudo perdeis:

      já por isso recorreis

      ao demo, a quem vos eu dou,

      e tanto vos enganou,

      que o Frade o demo sentindo,

      dele, (e de vós) foi fugindo,

      e co demo vos deixou.

9    O demo, que é mui manhoso,

      veio então a conjurar-vos,

      que à força de espeidorrar-vos

      veja o mundo um Frei Potroso:

      coitado do religioso

      corria com reverência,

      nos culhões tendo esquinência

      de vossa ventosidade,

      mas se a casta tira o Frade,

      sei, que há de ter paciência.

A HUMA DAMA QUE POR UM VIDRO DE ÁGUA

TIRAVA O SOL DA CABEÇA.

1    Qual encontra na luz pura

      a Mariposa desmaios,

      tal de Clóri sente a raios

      assaltos a formosura:

      remédio a seu mal procura,

      mas com ser a doença clara,

      já eu Iha dificultara,

      temendo em tanto arrebol,

      que tirar da testa o sol,

      lhe custa os olhos da cara.

2    Posto que o sol não resista,

      temo, que ali não faleça,

      porque se ofende a cabeça,

      nunca desalenta a vista:

      nesta pois de ardor conquista

      vejo a Clóri perigar,

      pois querendo porfiar,

      das duas uma há de ser,

      ou não há de ao sol vencer,

      ou sem vista há de ficar.

3    Mas Clóri assim achacada

      que está, é cousa sabida,

      menos do sol ofendida,

      que da lua perturbada:

      que esteja Clóri aluada,

      é inferência comua,

      pois se ao sol da fonte sua

      perturbam nuvens de ardores,

      quando ao sol sobem vapores,

      é nas mudanças da lua.

4    Se Clóri se persuadira,

      que só da lua enfermara,

      da cabeça não curara,

      mas aos pés logo acudira:

      se o calor porém Ihe inspira,

      que o seu mal todo é calor,

      pois o maior ao menor

      por razão deve prostrar,

      para as do sol sepultar,

      procure as chamas do amor.

5    Mas se as do fogo não quer,

      bem se val das armas d'água,

      que só pode em tanta frágua

      tanto vidro alívio ser:

      nele o mal remédio ter,

      o mesmo sol o assegura,

      que se nas águas procura

      em seus ardores abrigo,

      quem tem em cristal jazigo,

      acha em vidros sepultura.

HUMA FORMOSA MULATA, A QUEM HUM SARGENTO SEU

AMASIO ARROJOU AOS VALADOS DE HUMA HORTA.

1    Que cantarei eu agora,

      Senhora Dona Talia,

      com que todo o mundo ria,

      do pouco que Jelu chora:

      inspira-me tu, Senhora,

      aquele tiro violento,

      que àJelu fez o Sargento;

      mas que culpa o homem teve?

      não fora ela puta leve,

      para ser péla do vento.

2    Dizem, que ele pegou dela,

      e que gafando-a no ar,

      querendo a chaça ganhar

      a jogou como uma péla:

     fez chaça a branca Donzela

      lá na horta da cachaça,

      que mais de mil peças passa,

      e tal jogo o homem fez,

      que eu Ihe seguro esta vez,

      que ninguém Ihe ganha a chaça.

3    Triste Jelu sem ventuta

      ali ficou enterrada,

      mas foi bem afortunada

      de ir morrer à sepultura:

      poupou a esmola do Cura,

      as cruzes, e as confrarias,

      pobres, e velas bugias,

      e como era lazarenta,

      depois de mui fedorenta

      ressuscitou aos três dias.

4    Dizem, que depois de erguida

      da morte se não lembrou,

      que como ressuscitou,

      se tornou à sua vida:

      eu creio, que vai perdida,

      e me diz o pensamento,

      que há de ter um fim violento,

      como se Ihe tem fadado,

      ou nas solas de um soldado,

      ou nas viras de um sargento.

RESSENTIDA TAMBEM COMO AS OUTRAS O POETA LHE DÀ ESTA

SATISFAÇÃO POR ESTILLO PROPORCIONADO

AO SEU GENIO.

Jelu, vós sois rainha das Mulatas,

E sobretudo sois Deusa das putas,

Tendes o mando sobre as dissolutas,

Que moram na quitanda dessas Gatas.

Tendes muito distantes as Sapatas,

Por poupar de razões, e de disputas,

Porque são umas putas absolutas,

Presumidas, faceiras, pataratas.

Mas sendo vós Mulata tão airosa

Tão linda, tão galharda, e folgazona,

Tendes um mal, que sois mui cagarrosa.

Pois perante a mais ínclita persona

Desenrolando a tripa revoltosa,

O que branca ganhais, perdeis cagona.

AO PROVEDOR DA FAZENDA REAL FRANCISCO LAMBERTO FAZENDO

NA RIBEYRA O FAMOSO GALLEÃO S. JOÃO DE DEOS.

Fazer um passadiço de madeira,

Pelo qual se haja de ir daqui a Lisboa,

E fazermos pessoa por pessoa

Vizinhos de São Paulo, ou da Ribeira.

Esta alta ponte estável, e veleira

Tal virtude terá de popa a proa,

Que orbes avizinhando a esta coroa,

A esfera habitaremos derradeira.

Por esta ponte, e passadiço de ouro

Conduzireis os pomos mais fecundos

Que o de Vênus esférico tesouro.

E serão vossos anos tão jucundos

Em todo o Orbe, que o Planeta Louro

Dirá, que dais a Pedro novos mundos.

OUTRA MULATA, DE QUEM O POETA FALLA ENTRE AS BORRACHAS DO

JUIZADO DE NOSSA SENHORA DO EMPARO TAMBEM SE RESENTIO DA

AFRONTA, E ELLE À SATISFAZ AGORA NA MESMA FORMA.

1    Marta: mandai-me um perdão

      em qualquer continha benta

      tocada na vossa venta

      passada por vossa mão:

      porque ainda que a contrição

      que tenho, de que entre nós

      haja ofensa tão atroz,

      é obra, que tanto monta,

      que me hei de tocar a conta,

      ou me hei de ir tocar em vós.

2    Quero, que me perdoeis,

      e para me perdoar,

      sendo ara do meu altar,

      nela é força, me toqueis:

      assim me indulgenciareis

      por esta obra meritória,

      que ofreço à vossa memória,

      pela qual no foro externo

      podeis livrar-me do inferno,

      e levar-me à vossa glória.

3    Maldita seja a caraça,

      que me meteu na cabeça;

      que éreis vós, Marta, má peça,

      para ir perder vossa graça:

      e agora que a vista embaça

      em tão alta galhardia,

      praguejarei noite, e dia

      a patifa, que me ordena,

      que pegando então na pena

      vos metesse na folia.

4    Vós sois a gala das Pardas,

      e como sol das Mulatas

      sombra fazeis às Sapatas,

      que presumem de galhardas:

      formosuras são bastardas

      todas as mais formosuras,

      mas eu tomara às escuras

      topar vosso fraldelim,

      porque novo para mim

      assentara-lhe as costuras.

LOUVA O POETA OBSEQUIOZAMENTE O GRANDE ZELO, E CARIDADE, COM

QUE ANTONIO DE ANDRADE JUIZ, QUE ERA DOS ORPHÃOS DESTA CIDADE

DA BAHIA SENDO DISPENSEYRO DA SANTA CASA DE MISERICORDIA

TRATAVA AOS POBRES DOENTES DO HOSPITAL.

1    Senhor Antônio de Andrade,

      não sei, se vos gabe mais

      as franquezas naturais,

      ou se a cristã caridade:

      toda esta nossa Irmandade,

      que a pasmos emudeceis,

      vendo as obras, que fazeis,

      não sabe decidir não,

      se igualais o amor de Irmão,

      ou se de Pai o excedeis.

2    Ou, Senhor, vós sois parente

      de toda esta enfermaria,

      ou vos vem por reta via

      ser Pai de todo o doente:

      quem vos vê tão diligente,

      tão caritativo, e tão

      inclinado à compaixão,

      dirá de absorto, e pasmado,

      que entre tanto mal curado,

      só vós fostes homem são.

3    Aquela mesma piedade,

     a que vos move um doente,

      vos mostra evidentemente

      homem são na qualidade:

      de qualquer enfermidade

      são aforismos não vãos,

      que enfermaram mil Irmãos,

      mas se o contrário se alude,

      somente a vossa saúde

      foi contágio de mil sãos.

4    Quem não sarou desta vez,

      fica muito temeroso,

      que Ihe há de ser mui penoso

      acabar-se-vos o mês:

      ninguém jamais isto fez,

      nem é cousa contingente

      o ficar toda esta gente

      com perigo tão atroz,

      que se acabe o mês a vós,

      para mal de outro doente.

DISPARATES NA LINGUA BRAZILICA A HUMA CUNHÃA,

QUE ALI GALANTEAVA POR VICIO.

1    Indo à caça de tatus

      encontrei Quatimondé

      na cova de um Jacaré

      tragando treze Teiús:

      eis que dous Surucucus

      como dous Jaratacacas

      vi vir atrás de umas Pacas,

      e a não ser um Preá

      creio, que o Tamanduá

      não escapa às Gebiracas.

2    De massa um tapiti,

      um cofo de Sururus,

      dous puçás de Baiacus,

      Samburá de Murici:

      Com uma raiz de aipi

     vos envio de Passé,

      e enfiado num imbé

      Guiamu, e Caiaganga,

      que são de Jacaracanga

      Bagre, timbó, Inhapupê.

3    Minha rica Cumari,

      minha bela Camboatá

      como assim de Pirajá

      me desprezas tapiti:

      não vedes, que murici

      sou desses olhos timbó

      amante mais que um cipó

      desprezado Inhapupê,

      pois se eu fora Zabelê

      vos mandara um Miraró.

A HUMA DAMA, QUE MANDANDO-A O POETA SOLICITAR LHE MANDOU

DIZER QUE ESTAVA MENSTRUADA.

O teu hóspede, Catita,

foi mui atrevido em vir

a tempo, que eu hei mister

o aposento para mim.

Não vou topar-me com ele,

porque havemos de renhir,

e há de haver por força sangue,

porque é grande espadachim.

Tu logo trata de pôr

fora do teu camarim

um hóspede caminheiro

que anda sempre a ir, e vir.

Um hóspede impertinente

de mau sangue, vilão ruim:

por mais que Cardeal seja

vestido de carmesim.

Despeje o hóspede a casa,

pois Ihe não custa um ceitil,

e a ocupa de ordinário

sem pagar maravedi.

Não tenhas hóspede em casa

tão asqueroso, tão vil,

que até os que mais te querem

fujam por força de ti.

Um hóspede aluado,

e sujeito a frenesis,

que em sendo quarto de lua

de fina força há de vir.

Que diabo há de sofrê-lo,

se vem com tão sujo ardil,

a fazer disciplinante,

quem foi sempre um serafim?

Acaso o teu passarinho

é pelicano serril,

que esteja vertendo sangue

para os filhos, que eu não fiz?

Vá-se o mês, e venha o dia,

em que eu te vá entupir

essas cruéis lancetadas

com lanceta mais sutil.

Deixa já de ensangüentar-te,

porque os pecados que eu fiz,

não é bem, que pague em sangue

o teu pássaro por mim.

A HUMA DAMA, QUE LHE MANDOU HUM REGISTO DE SANTA

JULIANA QUE HAVIA TIRADO POR SORTES EM SANTA ANNA.

Não me maravilha não,

tirares hoje em Santa Ana

uma Santa Juliana,

e o touro por um grilhão:

porque a vossa devoção

é certo, que a meus adornos

decretou estes subornos,

para que veja a minha alma,

que por dar à Santa a palma,

me prende hoje pelos cornos.

A HUMA NEGRA QUE TINHA FAMA DE FEYTICEIRA

CHAMADA LUIZA DA PRIMA.

1    Dizem, Luíza da Prima,

      que sois puta feiticeira,

      no de puta derradeira,

      no de feiticeira prima:

      grandemente me lastima,

      que troqueis as primazias

      a lundus, e a putarias,

      sendo-vos melhor ficar

      puta em primeiro lugar,

      em último as bruxarias.

2    Mas é certo, e sem disputa,

      que isso faz a idéia vossa,

      pois para bruxa sois moça,

      e sois velha para puta:

      que os anos vos computa

      e a idade vos arrima,

      esse a fazer vos anima

      pela conta verdadeira

      no de puta derradeira,

      no de feiticeira prima.

3    Esta é forçosa ocasião,

      de que o Cação vos passeie,

      porque é força que macheie

      um cação a outro cação:

      enquanto a fornicação

      o fazeis naturalmente,

      e quanto o enjeitar a gente

      é tanto, o artifício, e tal,

      que exercendo o natural,

      obrais endiabradamente.

4    Isto suposto, Luizica,

      vos digo todo medroso,

      que deve ser valeroso

      o homem, que vos fornica;

      porque se vos comunica

      toda a noite com sojornos

      o demo dos caldos mornos

      com seu priapo à faísca,

      à fé que a muito se arrisca,

      quem põe ao Diabo cornos.

5    Dormi c'o diabo à destra,

      e fazei-lhe o rebolado,

      porque o mestre do pecado

      também quer a puta mestra:

      e se na torpe palestra

      tiveres algum desar,

      não tendes, que reparar,

      que o Diabo, quando emboca,

      nunca dá a beijar a boca,

      e no cu o heis de beijar.

6    Se foi vaso de eleição

      São Paulo a passos contados,

      vós pelos vossos pecados

      sois vaso de perdição:

      toda a praga, e maldição

      no vosso vaso há de entrar,

      e a tal termo há de chegar

      esse vaso sempiterno,

      que há de ser da vida inferno

      onde as porras vão parar.

A PEDITORIO DE HUMA DAMA QUE SE VIO

DESPREZADA DE SEU AMANTE.

Até aqui blasonou meu alvedrio,

Albano, meu, de livre, e soberano,

Vingou-se, ai de mim triste! Amor tirano,

De quem padeço o duro senhorio.

E não só se vingou cruel, e impio

Com sujeitar-me ao jugo desumano

De bem querer, mas de querer-te, Albano,

Onde é traição a fé, e amor desvio.

Se te perdi, não mais que por querer-te,

Paga tão justa, quanto merecida,

Pois com amar não soube merecer-te.

De que serve uma vida aborrecida?

Morra, quem teve a culpa de perder-te:

Perca, quem te perdeu, também a vida.

A MANUEL FERREIRA DE VERAS NASCENDOLHE HUM FILHO, QUE LOGO

MORREO, COMO TAMBÉM AO MESMO TEMPO HUM SEO IRMAO, E AMBOS

FORAM SEPULTADOS JUNTOS EM N. SENHORA DOS PRAZERES

Um prazer, e um pesar quase irmanados,

Um pesar, e um prazer mas divididos

Entraram nesse peito tão unidos,

Que Amor os acredita vinculados.

No prazer acha Amor os esperados

Fruitos de seus extremos conseguidos,

No pesar acha a dor amortecidos

Os vínculos do sangue separados.

Mas ai fado cruel! que são azares

Toda a sorte, que dás dos teus haveres,

Pois val o mesmo dares, que não dares.

Emenda-te, fortuna; e quando deres,

Não seja esse pesar em dous pesares,

Nem um prazer enterrado nos Prazeres.

A HUMA CRIOLA POR NOME IGNACIA QUE LHE

MANDOU PARA GLOZAR O SEGUINTE

MOTE

Para que seja perfeito

um bem feito cono em tudo,

há de ser alto, carnudo

rapadinho, enxuto, estreito.

1    Inácia, a vossa questão,

      quem crerá, que é de uma preta,

      mas vós sois preta discreta,

      criada entre a discrição:

     a proposta veio em vão,

      pois a um tolo de mau jeito

      tínheis vós proposto o pleito:

      ele respondeu em grosso,

      que o cono há de ser o vosso,

      Para que seja perfeito.

2    Vós com tamanha tolice

      ficastes soberba, e inchada,

      porque vistes tão gabada

      a proposta, e parvoíce:

      mas quem, Inácia, vos disse,

      que o vosso batido escudo

      era macio, e carnudo,

      se é tão magro, e pilhancrado,

      devendo ser gordo, e inchado

      Um bem feito cono em tudo:

3    Agora quero mostrar-vos,

      que o vosso Mandu magriço

      vos pôs um cono postiço

      para efeito de louvar-vos:

      hoje hei de desenganar-vos,

      que o Mandu pouco sisudo

      vos engana, e mente em tudo:

      tendes raso, e esguio cono,

      e para dar-se-lhe abono

      Há de ser alto, carnudo.

4    Se o vosso cono há de ser

      molde de cono melhor,

      qualquer cono, que bom for,

      nisso se bota a perder:

      mas antes deve entender

      todo o cono de bom jeito,

      que para ser mais perfeito,

      não há de imitar-vos já,

      e desta sorte será

      Rapadinho, enxuto, estreito.

A MARGARIDA, MULATA PERNAMBUCANA QUE CHORAVA AS ESQUIVANÇAS

DE SEU AMANTE COM PRETEXTO DE LHE HAVER FURTADO

HUNS CORÁES.

1    Carira: por que chorais?

      que é perdição não vereis,

      as pérolas, que perdeis

      pela perda dos corais?

      pérolas não valem mais

      dos vossos olhos chorados,

      que de coral mil ramadas?

      pois como os olhos sentidos

      vertem por corais perdidos

      pérolas desperdiçadas?

2    Basta já, mais não choreis,

      que os corais, todos sabemos,

      que não tinham os extremos,

      que vós por eles fazeis:

      que os quereis cobrar, dizeis:

      mas como em cobrança tal

      meteis tanto cabedal?

      como empregais nesta empresa

      o aljôfar, que val, e pesa

      muito mais do que coral?

3    Vós sois fraca mercadora,

      pois em câmbio de uns corais

      tais pérolas derramais,

      quais as não derrama Aurora:

      sempre o negócio melhora

      as Damas do vosso trato,

      mas sem risco, e mais barato:

      e em vós é fácil de crer,

      que os corais heis de perder,

      sobre quebrar no contrato.

4    Se vós adita o sentido,

      que o mar cria coral tanto,

      e no mar do vosso pranto

      se achará o coral perdido:

      levais o rumo torcido,

      e ides, Carira, enganada,

      porque a água destilada,

      que té os beiços vos corria,

      muito coral vos daria

      de cria, mas não de achada.

5    Se tratais ao camarada

      de ladrão, de ladronaço,

      porque vos tirou do braço

      coral, que val pouco, ou nada:

      é, que estais apaixonada,

      bem que com pouca razão:

      mas ponde-lo de ladrão,

      quando os corais bota fora,

      e não os pondes na hora,

      que vos rouba o coração.

A HUMA DAMA GRATIFICANDOLHE O FAVOR, QUE POR

SUA INTERCESSÃO ALCANÇARA.

1    Quem tal poderia obrar,

      se não vossa perfeição,

      beijo-vos, Senhora, a mão,

      por tal favor alcançar:

     e para graças vos dar,

      é bem, que obséquio vos faça,

      que quem só sobe com graça

      ao trono de merecer,

      é bom, que eu venha a dizer,

      que é toda cheia de graça.

2    Não tenho, que encarecer,

      o quanto estou obrigado,

      que, o que me dá vosso agrado,

      é digno de agradecer:

      pois ninguém pode fazer

      o que quer meu coração,

      senão que a vossa afeição,

      quis na mão levar a palma,

      do que rendido a minha alma

      vos beija a palma da mão.

A CERTO HOMEM DE DISTINÇÃO QUE SE COSTUMAVA EMBEBEDAR E

QUEIMANDO-SE-LHE A CASA FICOU ELLE ILLEZO, E TODA A FAMILIA.

1    O vício da Sodomia

      em Gomorra, e em Sodoma

      Lavrava como carcoma,

      e como traça roía:

      quis Deus arrancar num dia,

      e arrancou de um lanço só,

      porque reduzindo em pó

      a cidade, e sua gente,

      livrou do incêndio somente

      toda a família de Lot.

2    Segundo Lot ao burlesco

      temos hoje em Andrezão,

      como sodomita não,

      como bebedor tudesco:

      estava dormindo ao fresco,

      e roncando a seu prazer

      para a cachaça cozer,

      e por mais que a palhoça arda,

      Deus Ihe defende, e resguarda,

      ele, família, e mulher.

3   O vulgo, que é todo asnal,

      tem este caso horroroso

      por prodígio milagroso,

      sendo cousa natural:

      porque tomado um sendal,

      ou qualquer lenço tomado,

      e em jeribita ensopado,

      se o fogo se Ihe puser,

      a jeribita há de arder,

      sem ser o lenço queimado.

4    Assim o nosso Andrezão

      de jeribita atacado

      não podia ser queimado

      num fio do casacão:

      a palhoça ardeu então

      porém a pele maldita

     seria cousa esquisita,

     que pudesse em fogo arder,

     porque a pele vinha a ser

    o lenço da jeribita.

5    E suposta esta livrança

      entre Sodoma, e Tudesco

      ou há grande parentesco,

      ou mui grande semelhança:

      quem quiser com confiança

      entrar no fogo veemente,

      escuse o ser inocente,

      como os Moços do Salmista,

      trate de ser flautista,

      e beba muita aguardente.

6    Lá no forno do Pombal

      Vila do Conde Valido,

      quando está mui acendido

      entra (prodígio fatal!)

      um vilão de ânimo tal,

      que dentro vira a fogaça,

      com que a todo o povo embaça,

      sem o mistério alcançar,

      e eu agora venho a dar,

      que vai cheio de vinhaça.

7    E pois o nosso Andrezão

      leva o fogo de vencida,

      para toda a sua vida

      temos nele um borrachão:

      e como é mui asneirão,

      e em tudo tão material,

      fará um discurso tal,

      que a beber, e mais beber

      há de escapar, e viver

      no dilúvio universal.

8    Engana-se o asneirão,

      porque no final juízo

      há de acabar, que é preciso,

      vinho, vide, cepa, e chão:

      tudo há de acabar então,

      e quando ache o Brichote

      escondido algum pipote,

      como é tão geral a mágoa,

      porque morra, dar-lhe-ão água,

      que é veneno de um vinhote.

LAMENTA A MULHER DESTE MESMO SUGEYTO A MÁ SORTE,QUE TEVE EM SE

CASAR COM HOMEM DETALCONDIÇÃO, PORQUE ACTUALMENTE ESTAVA BEBADO.

MOTE

Mofina mulher,

que tão mal casou!

Ai que se lá vou

hei-vos de moer.

1    Coitada de quem

      teve tal marido,

      que bebe o vestido,

      e sem ele vem:

      porventura alguém

      pode tal sofrer?

      Mofina mulher,

      que tão mal casou!

      Ai que se lá vou

      hei-vos de moer.

2    Mofina de mim,

      nunca eu fora feita

      por não ser sujeita

      a um vilão ruim:

      Até o chapim

      me foi já beber.

      Mofina mulher,

      que tão mal casou!

      Ai que se lá vou

      hei-vos de moer.

3    Melhor me tivera

      meu Pai encerrada,

      num canto fechada

      melhor estivera,

      e não conhecera,

      quem me há de beber!

      Mofina mulher,

      que tão mal casou!

      Ai que se lá vou

      hei-vos de moer.

4    Sobre camarões

      Sem comer mais nada

      Só de uma assentada

      bebe dez tostões:

      vendeu os calções,

      só para beber.

      Mofina mulher,

      que tão mal casou!

      Ai que se lá vou

      hei-vos de moer.

5    Darei um pregão:

      sabia todo o mundo,

      que é poço sem fundo

      este Beberrão:

      com tal condição

      há de já morrer.

      Mofina mulher,

      que tão mal casou!

      Ai que se lá vou

      hei-vos de moer.

A AMAZIA DÊSTE SUJEITO QUE FIADA NO SEU RESPEITO

SE FAZIA SOBERBA, E DESAVERGONHADA.

1    Puta Andresona, eu pecador te aviso,

      que o que amor te tiver, não terá siso;

      tu te finges não ser senão honrada

      e nunca vi mentira mais provada:

      porque de mui metida, e atrevida

      te vieste a sair com ser saída;

      mas quando de ti, Puta, não cuidara,

      fazeres tais baratos de tal cara!

2    Esse vaso encharcado, qual Danúbio

      dá a crer, que és puta inda antes do dilúvio:

      tão velha puta és, que ser podias

      Eva das putas, mãe das putarias,

      e por puta antiquíssima puderas

      dar idade às idades, e era às eras;

      e havendo feito putarias artas,

      inda hoje dás a crer, que te não fartas.

3    Entram na tua casa a seus contratos

      Frades, Sargentos, Pajens, e Mulatos

      porque é tua vileza tão notória,

      que entre os homens não achas mais que escória:

      a todos esses guapos dás a língua,

      e por muito que dês não te faz míngua:

      antes és linguaraz, e a mim me espanta,

      que dando a todos, tenhas língua tanta.

4    Mas isso te nasceu, puta Andresona,

      de seres puta vil, puta fragona:

      que o falar da janela, e da varanda,

      só se achará em putas de quitanda.

      Cal-te, que a puta grave, qual donzela,

      geme na cama e cala na janela:

      mete a língua no cu, e havendo míngua

      quando deres ao cu darás à língua.

5    Pois te deixas calar sempre por baixo,

      e lá para calar-te tens o encaixe,

      cal-te um dia por cima atroadora,

      que já se enfada quem na rua mora:

      e diz até uma Preta, e mais não erra,

      que a ovelha ruim é, a que berra;

      cal-te Andresona, que de me aturdires,

      tomei eu a ocasião de hoje me ouvires.

A MORTE DE AFONÇO BARBOZA DA FRANCA AMIGO DO POETA.

Quem pudera de pranto soçobrado,

Quem pudera em choro submergido

Dizer, o que na vida te hei querido,

Contar, o que na morte te hei chorado.

Só meu silêncio diga o meu cuidado,

Que explica mais que a voz de um afligido,

Porque na esfera curta de um sentido

Não cabe um sentimento dilatado.

Não choro, amigo, a tua avara sorte,

Choro a minha desgraça desmedida,

Que em privar-me de ver-te foi mais forte.

Tu com tanta memória repetida

Acharás nova vida em mãos da morte,

Eu triste nova morte às mãos da vida.

AO MESMO ASSUMPTO.

Alma gentil, esprito generoso,

Que do corpo as prisões desamparaste,

E qual cândida flor em flor cortaste

De teus anos o pâmpano viçoso.

Hoje, que o sólio habitas luminoso,

Hoje, que ao trono eterno te exaltaste,

Lembra-te daquele amigo, a quem deixaste

Triste, confuso, absorto, e saudoso.

Tanto a tua vida ao céu subiste,

Que teve o céu cobiça de gozar-te,

Que teve a morte inveja de vencer-te.

Venceu-te o foro humano, em que caíste,

Goza-te o céu, não só por premiar-te,

Senão por dar-me a mágoa de perder-te.

ÀS DUAS MULATAS PREZAS FINGE O POETA, QUE VlSlTA NESTES

DOUS SONETOS INTERLOCUTORES. FALLA COM A MAY.

Perg. Dona Secula in seculis Ranhosa,

           Por que estais aqui presa, Dona Paio?

Resp. Dizem, que por furtar um Papagaio:

           Porém mente a querela maliciosa.

Perg. Estais logo por ladra, e por gulosa:

           Não vos lembra o jantar de Fr. Pelaio?

Resp. Então traguei de carne um bom balaio,

           e de vinha uma selha portentosa.

Perg. Para tanto pecado é curta a sala,

           Ide para a moxinga florescente,

           Onde tanta vidrada flor exala.

Resp. Irei, que todo o preso é paciente;

           Porém se hoje furtei cousa, que fala,

           Amanhã furtarei secretamente.

FALLA O POETA COM A FILHA.

Perg. Bertolinha gentil, pulcra, e bizarra,

          Também vos trouxe aqui o Papagaio?

Resp. Não, Senhor: que ele fala como um raio,

           E diz, que minha Mãe Ihe pôs a garra.

Perg.  Isso está vossa Mãe pondo à guitarra,

           E diz, que há de pagá-lo para Maio.

Resp. Ela é muito animosa, e eu desmaio,

           Se cuido no Alcaide, que me agarra.

Perg. Temo, que haveis de ser disciplinante

           Por todas estas ruas da Bahia,

           E que vos há de ver o vosso amante.

Resp. Quer me veja, quer não: estimaria,

           Que os açoutes se dêem ao meu galante,

           Porque eu também sei ver, e vê-lo-ia.

PINTURA ADMIRAVEL DE HUMA BELLEZA.

Vês esse Sol de luzes coroado?

Em pérolas a Aurora convertida?

Vês a Lua de estrelas guarnecida?

Vês o Céu de Planetas adorado?

O Céu deixemos; vês naquele prado

A Rosa com razão desvanecida?

A Açucena por alva presumida?

O Cravo por galã lisonjeado?

Deixa o prado; vem cá, minha adorada,

Vês desse mar a esfera cristalina

Em sucessivo aljôfar desatada?

Parece aos olhos ser de prata fina?

Vês tudo isto bem? pois tudo é nada

À vista do teu rosto, Caterina.

DESAYRES DA FORMOSURA COM AS PENSÕES DA NATUREZA

PONDERADAS NA MESMA DAMA.

Rubi, concha de perlas peregrina,

Animado Cristal, viva escarlata,

Duas Safiras sobre lisa prata,

Ouro encrespado sobre prata fina.

Este o rostinho é de Caterina;

E porque docemente obriga, e mata,

Não livra o ser divina em ser ingrata,

E raio a raio os corações fulmina.

Viu Fábio uma tarde transportado

Bebendo admirações, e galhardias,

A quem já tanto amor levantou aras:

Disse igualmente amante, e magoado:

Ah muchacha gentil, que tal serias,

Se sendo tão formosa não cagaras!

A OUTRO SUGEYTO QUE ESTANDO VARIAS NOYTES COM HUMA DAMA, À NÃO

DORMIO POR NÃO TER POTENCIA; E LHE ENSINÁRAM, QUE TOMASSE POR

BAXO HUMAS TALHADAS DE LIMÃO, E METTEO QUATRO.

1    Tal desastre, e tal fracasso,

      com razão vos chega ao vivo,

      que eu não vi nominativo

      com tão vergonhoso caso:

      do Oriente até o Ocaso,

      desde o Olimpo até o Baratro,

      do Orbe por todo o teatro

      se diz, que sois fraca rês,

      porque às três o Demo as fez

      mas vós nem três, nem as quatro.

2    Quatro noites de desvelo

      fostes passar com Joana,

      tocaram-vos a pavana,

      bailastes o esconderelo:

      um homem do vosso pêlo

      que dirá em tal desvario,

     senão que foi tanto o frio,

      tanto essas noites ventou,

      que a cera se não gastou

      por não pegar o pavio.

3    Isto é para insensatos,

      não para os gatos de lei,

      nem para mim, que bem sei,

      que o frio é, que arreita os gatos:

      deixemos esses recatos,

      demos na verdade em cheio,

      o que eu pressuponho, e creio,

      é, que era alheia a mulher,

      e a vossa porra não quer,

      levantar-se com o alheio.

4    Vos quereis adrede errar,

      porque nos alheios trastes

      uma vez que vos deitastes,

      força será levantar:

      se vos não hão de emendar

      estas lições de Gandu,

      dai a porra a Berzabu,

      que não presta para o alho,

      ou tomai este caralho

      metei-o, amigo, no cu.

5    Engano foi de capricho

      a mezinha do Limão,

      pois a cura do pismão

      é uma, e outra a do bicho:

      para entesar esse esguicho,

      e endurecer esse cano

      o remédio é um sacamano,

      e se sois de fria casta,

      e nada disto vos basta,

      sede frade franciscano.

6    Meter um limão sem tédio

      no cu, é cousa de bruto,

      é remédio para puto,

      não para as putas remédio:

      em todo o Antártico prédio

      não se viu tal asnidade,

      porque se na realidade

      sois tão frio fodedor,

      como curais o calor,

      se enfermais de frialdade.

A CERTO SUGEYTO DE SUPPOSIÇÃO, QUE TENDO-SE RETIRADO

DA CÔRTE E VIVIA NA SOLEDADE DE HUMA QUINTA

MANDOU AO POETA A SEGUINTE DÉCIMA.

Goze a Corte o ambicioso

de aplausos, e vaidades,

que eu cá nestas soledades

o melhor descanso gozo:

aqui vivo cuidadoso

de descuidos, e este estado

julgo bem-aventurado,

que o melhor estado, cuido,

é aquele, em que o descuido

vem a ser todo o cuidado.

RESPONDE O POETA A SEGUINTE DECIMA COM ESTE SONETO.

Ditoso Fábio, tu, que retirado

Te vejo ao desengano amanhecido

Na certeza do pouco, que hás vivido,

Sem para ti viver no povoado.

Enquanto nos palácios enredado

Te enlaçaram cuidados divertido,

De ti mesmo passavas esquecido,

De ti próprio vivias desprezado.

Mas agora que nessa choça agreste,

Onde, quanto perdias, alcançaste,

Viver contigo para ti quiseste.

Feliz mil vezes tu, pois começaste

a morrer, Fábio, desde que nasceste,

Para ter vida agora, que expiraste.

AO DOUTOR FRANCISCO XIMENES, QUE INDO A CASA DE SUA DAMA,

ACHOU O LUGAR OCCUPADO POR OUTRO, A QUEM DESAFIOU: MAS

NÃO PROIBIO, NEM PÔDE O LOGRO DOS AMORES.

1    Foi um tonto amancebado

      de noite ao seu palomar,

      foi por se descarregar,

      e saiu mais carregado:

      tinha-lhe o leito ocupado

      outro mais madrugador,

      e quando ouviu o rumor,

      de quem batia de fora,

      estava ele nessa hora

      batendo às portas do amor.

2    Logo acabou de bater,

      e prevendo pelo tino,

      que quem vinha era um menino,

      jogou com ele a esconder:

      lá dentro se foi meter

      na última camarinha,

      e dando com Macotinha,

      E Guiomar moças modernas,

      deitou-se entre quatro pernas,

      e ficou mui de perninha.

3    Fizeram tanta galhofa

      as duas mal maridadas,

      que ouvindo o tonto as risadas

      se foi queixando da mofa:

      entrou, e vendo na alcova

      os três de la vida airada

      arrancou da sua espada,

      e disse ao outro Alfaqui,

      com tal descanso está aqui?

      não o assusta uma estocada?

4    O outro, que era mau cão,

      sem mudar de cabeceira,

      não Ihe falou de cadeira,

      respondeu-lhe de colchão:

      e enchendo-se de paixão,

      que o tonto Ihe ocasionou,

      num pistolete pegou,

      e pondo-lhe no focinho,

      Ihe disse: ande, maganinho,

      e ele em vez de andar, voou.

5    Plantou na sala a falua,

      donde disse ao fanfarrão

      saca afuera, valentão,

      se é homem, eu vou para a rua:

      saiu com a espada nua

      mas o outro na mesma hora

      saltou pela cama fora,

      e chegando à porta já

      Ihe disse: amanhã será,

      que eu quero foder agora.

6    Fechou a porta, e no centro

      disse, entre as quatro Paredes,

      lá de fora dormiredes

      enquanto eu durmo cá dentro:

      foi-se como a bom coentro

      o tonto com leda cara,

      e me dizem se gabara,

      quando o caso referira,

      que posto que o não ferira,

      ao menos o encurralara.

7    O cupido encurralado,

      vendo-se senhor do bolo,

      rebolou como um crioulo

      sobre o vaso amulatado:

      e porque quis ir poupado

      ao duelo do outro dia,

      parou, e a Puta dizia,

      fornique quanto quiser,

      que fraco nunca há de ser.

      como é, quem o desafia.

8    Então com forças dobradas

      o Moço encendido em fogo

      se foi picando no jogo,

      e foi dobrando as paradas:

      a Puta ouvindo as pancadas

      do fuzil, e pedernal,

      ficou de todo mortal,

      vendo correr pela cama

      entre dilúvios de chama

      incêndios de radical.

9    Vinha amanhecendo já,

      quando ele vestido, e armado

      diga, disse, a esse barbado,

      (se acaso tornar por cá)

      que me busque, e me achará

      nos desempenhos forçosos,

      de cornos tão afrontosos;

      sendo, que não deve estar

      sentido de eu Ihos plantar,

      a um traidor dous aleivosos.

10    Se é Pedro de malas artes,

        que com tão sujos modilhos

        por comer a dous carrilhos

        fala por ambas as partes:

        e com tão infames artes

        vai recolhendo as maquias

        das Partes todos os dias,

        saiba, que as come em má fé,

        porque bem conhece, que é

        letrado de aleivosias.

11    Com isto se foi embora

        entendendo a cada passo

        que encontrava co madraço,

        que o veio esperar cá fora:

        e se tão fraco não fora,

        assim havia de ser:

        mas essa noite é de crer

        que estaria em seu beco

        ele a engolir em seco,

        quando a puta a se foder.

12    Acabado o desgostinho

         mandou-o a Puta chamar,

        que um corno não é desar,

        que a um destes mude o focinho:

        veio ela com todo alinho,

        ele embravecido, e irado

        lhe disse, é bem empregado

        depois de eu vender o mundo

        pata comprar-lhe esse sundo

        tirá-lo por mal comprado.

13    Ela disse-lhe um dichote,

        e o tontinho, ou asnaval

        abriu a boca sem sal,

        e sorriu-se a meio trote:

        com um, e outro risote

        o pôs ela tão virado,

        que ficou logo assentado

        por um artigo de paz,

        que ela ao outro machacaz

        lhe mandou este recado.

14    A esse magano dizei,

        que eu não sou louca perene

        que troque um Doutor Ximene

        nem pelo cetro d'El-Rei;

        que se uma noite Iho dei,

        foi por um certo respeito;

        foi-lhe o recado direito

        com aviso de antemão,

        e dando-se, o asneirão

        se deu por mui satisfeito.

A HUM AMIGO PEDINDOLHE HUMA CAIXA DE TABACO.

Senhor: o vosso tabaco

que muito me ensoberbeça,

se uns fumos lança à cabeça

mais divinos, que os de Baco:

e bem, que nunca em meu caco

entra tão rico alimento,

por isso mesmo eu intento

para meu proveito, e pró,

porque me deis desse pó,

mandar-vos este memento.

A CERTO BARQUEIRO DE MARAPÈ PRESUMIDO DE GENTIL, VALENTE, E

NAMORADO, O QUAL TINHA POR GURUMETE DA NAO, EM QUE

O POETA VEYO DE PORTUGAL.

Gentil-homem, valente e namorado

Trindade vem a ser de perfeições,

Com que a vós triunviro dos varões

Vos teme a morte, e vos venera o fado.

Pelo gentil Adônis sois pintado,

Pelo valente o Marte das nações,

Que unir, e conformar contradições

Só em vós se viu já facilitado.

Sobretudo, Senhor Manuel Fernandes,

Podereis ser de Enéias Palinuro

E conduzir de Europa Ulisses grandes:

Pois trazíeis o barco tão seguro,

Quando passei para esta nova Flandes,

Que o mar me parecia vinho puro.

MESMO BARQUEIRO E PELO MESMO CASO.

1    Por gentil-homem vos tendes,

      por valente, e namorado,

      que a um Fernandes não é dado,

      e cai melhor em um Mendes:

      e pois as prendas retendes,

      que em boa filosofia

      nenhuma em vós caberia,

      tão grande amor me deveis,

      que porque vós o dizeis,

      vo-lo creio em cortesia.

2    Só por cerimônia urbana

      me resolvera eu a crer,

      que podeis formoso ser

      tendo olhos de porcelana:

      se vo-lo diz vossa mana

      (que se a tendes, preta é)

      por vos manter nessa fé,

     sabei, que vos troca as prosas,

      porque são mui mentirosas

      as Negras de Marapé.

3    Que sois valente, bem creio,

      que esses pulsos, essas pernas,

      e o grosso dessas cavernas

      me estão dizendo "temei-o":

      eu vos creio, e vos recreio,

      não faleis mais nisso: tá,

      porque em rigor, claro está,

      que um valentão D. Ortis

      me assusta quando mo diz,

      e outra vez, quando me dá.

4    Mas quanto a ser namorado,

      nisso consiste a questão,

      que esta vez vos vou à mão,

      como quem vos vai ao dado:

      todo o Americano Estado,

      que digo? este mundo inteiro

      namorei eu tão primeiro,

      que nisto de namorar

      podeis vós comigo estar

      a soldada de escudeiro.

5    Sou namorado de chapa,

      e de idade pueril

      de Portugal, e Brasil

      tenho namorado o mapa:

      nenhuma cara me escapa,

      e em todo o rosto me embarco,

      e vós no salgado charco

      (posto que em vãos pensamentos)

      sempre andais bebendo os ventos,

      que é bom para o vosso barco.

CELEBRA A CARREYRA QUE DEO HUM CABOCLO A HUM SUGEYTO, QUE

ACHOU COM HUMA NEGRINHA ANGOLLA, COM QUEM ELLE FALAVA.

1    Arre lá co Aricobé,

      como ele é corredor,

      porque fiz co pecador,

      o que já com São Tomé:

      o pobre teve bom pé,

      e esta parte não é má,

      pois se ao chinelo não dá,

      e no fugir não insiste,

      creio, que diria o triste,

      se isto assim é, arre lá.

2    O pobrete inadvertido

      de avançada tão medonha,

      diz, que não tendo vergonha,

      só então se viu corrido:

      e sendo a pulso seguido

      do cioso Paiaiá,

      sem dizer cobé, nem pá,

      gritava por toda a rua,

      se te deixo a fêmea tua,

      que me queres? arre lá.

3    Não deu por isto o Tapuia

      cortesão do Santo Sé,

      que apertava mais o pé,

      só para Ihe dar na cuia:

      vendo o pobre esta aleluia,

      que tanto susto Ihe dá,

      ajuntava a perna à pá

      para mais veloz correr,

      que quanto isto de morrer

      faz mui mal cabelo cá.

4    Nada disto Ihe valeu,

      nem o dar tanta passada,

      porque quando nada nada

      alguma cousa Ihe deu:

      na fugida não perdeu,

      mais que o que se falará:

      se bem, que mais sentirá

      que se diga em todo o ano,

      que o Tapuia desumano

      sabe mais do que cará.

5    O Frecheiro a pouco custo

      dizia, porque é magano,

      o cão livrou-se do dano,

      mas não se livrou do susto:

      irracionalmente injusto

      o vulgo me chamará,

      mas eu pouco se me dá,

      porque no caso presente

      quis, que conhecesse a gente,

      se é gente o Barabauá.

6    Não é de beiço furado

      o cabocolo maligno,

      que me pareceu menino

      só em ser demasiado:

      se bem, que por ter gostado

      do que qualquer gostará,

      quem o desculpe, haverá,

      no cometer este excesso,

      que eu também morro (confesso)

      por este có mangará.

7    Com que afagos a negrinha

      ao pobrete trataria,

      uma onde se Ihe ia,

      e outra onda se Ihe vinha,

      medrosa estava a pretinha,

      que nunca a cor mudará,

      e como não era má,

      que a qualquer outra acontece,

      não quis o pobre morresse

      entre mil soluços cá.

8    Este gostinho roubou

      o Tatu do Carapai,

      pois sem dançar o chegai,

      no pobrezinho chegou:

      porque logo que os achou

      um de lá, outro de cá,

      disse a ambos arre lá,

      na minha casa, velhaca,

      vos tira cá o meu faca,

      minha comer catucá.

9    A negra, que nisto estava,

      já que fazer não sabia,

      porque se de um gosto ria,

      também de um susto chorava:

      desta maneira gritava

      "Paí na matá, a lá lá,

      aqui sá tu mangalá,

      saiba Deus e todo o mundo,

      que me inguizolo mavundo

      mazanha, mavunga, e má"

10    O Tapuia é mui valente,

         pouco digo, valentão,

         pois no centro do sertão

         fez já fugir muita gente:

         e se na ocasião presente

         se diz, que costas virara

         (cousa, em que qualquer repara)

         é, pois que a discursar entro,

         porque fora do seu centro

         jamais cousa alguma pára.

11    Também diz, que se deu costas

         já depois do susto feito

         foi, porque certo sujeito

         de o prender fazia apostas:

         entre pergunta, e respostas

         diz mais, que fugira só,

         porque na garganta um nó

         (que este bem cego seria)

         se Ihe punha, quando ouvia

         aripotá treminó.

12    Ao Cabocolete iníquo,

        antes que em raiva se engafe

        Ihe fez o cu tafe tafe,

        e a bunda fez tico tico:

        estava feito um Perico,

        porque aqui, e ali se escancha,

        sentindo-se muito a mancha,

        de quando preso o levavam,

        dos rapazes, que gritavam,

        pois que é isso? vai na lancha!

A HUMAS FREYRAS OUE MANDÁRAM PERGUNTAR POR OCIOSIDADE AO

POETA A DIFINIÇÃO DO PRIAPO E ELLE LHES MANDOU DIFINIDO, E

EXPLICADO NESTAS DÉCIMAS.

1    Ei-lo vai desenfreado,

      que quebrou na briga o freio,

      todo vai de sangue cheio,

      todo vai ensangüentado:

      meteu-se na briga armado,

      como quem nada receia

      foi dar um golpe na veia,

      deu outro também em si,

      bem merece estar assi,

      quem se mete em casa alheia.

2    Inda que pareça nova,

      Senhora, a comparação,

      É semelhante ao Furão,

      que entra sem temer a cova:

      quer faça calma, quer chova,

      nunca receia as estradas,

      mas antes se estão tapadas,

      para as poder penetrar,

      começa de pelejar

      como porco às focinhadas.

3    Este lampreão com talo,

      que tudo come sem nojo,

      tem pesos como relojo,

      também serve de badalo:

      tem freio como cavalo,

      e como frade capelo,

      é cousa engraçada vê-lo

      ora curto, ora comprido,

      anda de peles vestido

      curtidas já sem cabelo.

4    Quem seu preço não entende,

      não dará por ele nada,

      é como cobra enroscada,

      que em aquecendo se estende:

      é círio, quando se acende,

     é relógio, que não mente,

      é pepino de semente,

      tem cano como funil,

      é pau para tamboril,

      bate os couros lindamente.

5    É grande mergulhador,

      e jamais perdeu o nado,

      antes quando mergulhado

      sente então gosto maior:

      traz cascavéis como Assor,

      e como tal se mantém

      de carne crua também,

      estando sempre a comer,

      ninguém Ihe ouvirá dizer,

      esta carne falta tem.

6    Se se agasta, quebra as trelas

      como leão assanhado,

      tendo um só olho, e vazado,

      tudo acerta às palpadelas:

      amassa tendo gamelas

      doze vezes sem cansar,

      e traz já para amassar

      as costas tão bem dispostas,

      que traz envolto nas costas

      fermento de levedar.

7    Tanto tem de mais valia,

      quanto tem de teso, e relho,

      é semelhante ao coelho,

      que somente em cova cria:

      quer de noite, quer de dia,

      se tem pasto, sempre come,

      o comer Ihe acende a fome,

      mas às vezes de cansado

      de prazer inteiriçado

      dentro em si se esconde, e some.

8    Está sempre soluçando

      como triste solitário,

      mas se avista seu contrário,

      fica como o barco arfando:

      quer fique duro, quer brando,

      tem tal natureza, e casta,

      que no instante, em que se agasta,

      (qual Galgo, que a Lebre vê)

      dá com tanta força, que,

      os que tem presos, arrasta.

9    Tem uma contínua fome,

      e sempre para comer

      está pronto, e é de crer,

     que em qualquer das horas come:

      traz por geração seu nome,

      que por fim hei de explicar,

      e também posso afirmar,

      que sendo tão esfaimado,

      dá leite como um danado,

      a quem o quer ordenhar.

10    É da condição de Ouriço,

        que quando lhe tocam, se arma,

        ergue-se em tocando alarma,

        como cavalo castiço:

        é mais longo, que roliço,

        de condição mui travessa,

        direi, porque não me esqueça,

        que é criado nas cavernas,

        e que somente entre as pernas

        gosta de ter a cabeça.

11    É bem feito pelas costas,

        que parece uma banana,

        com que as mulheres engana

        trazendo-as bem descompostas:

        nem boas, nem más respostas

        Ihe ouviram dizer jamais,

        porém causa efeitos tais,

        que quem exprimenta, os sabe,

        quando na língua não cabe

        a conta dos seus sinais.

12    É pincel, que cem mil vezes

        mais que os outros pincéis val,

        porque dura sempre a cal,

        com que caia, nove meses:

        este faz haver Meneses,

        Almadas, e Vasconcelos,

        Rochas, Farias, e Teles,

        Coelhos, Britos, Pereiras,

        Sousas, e Castros, e Meiras,

        Lancastros, Coutinhos, Melos.

13    Este, Senhora, a quem sigo,

        de tão raras condições,

        é caralho de culhões

        das mulheres muito amigo:

        se o tomais na mão, vos digo,

        que haveis de achá-lo sisudo;

        mas sorumbático, e mudo,

        sem que vos diga, o que quer,

        vos haveis de oferecer

        a seu serviço contudo.

A HUMA DAMA QUE LHE MANDOU HUM CRAVO EM OCCASIÃO,

QUE SE LHE QUEIXAVA DE CERTO AGGRAVO.

1    Nise, vossa formosura

      queixosa de certo agravo

      me dá hoje uma no cravo

      e a outra na ferradura:

      uma verde, outra madura

      achei no vosso craveiro,

      que o cravo é favor inteiro;

      mas cravo com queixa ao pé

      é o mesmo que dizer, que

      o gosto não, mas o cheiro.

2    Que mal fica ao meu intento,

      que o cheiro me queirais dar?

      dai-mo vós sempre a cheirar,

      que eu co cheiro me contento:

      quando um roçagante vento

      passa de uma em outra rosa,

      e de cada flor cheirosa

      Ihe leva a fragrância inteira,

      se assim por seu modo a cheira,

      também por seu modo a goza.

3    Se com soberba, e jactância

      de uma flor tão rescendente

      me dais o cheiro somente,

      eu tomo a flor, e a fragrância:

      se eu entrar na verde estância,

      onde Amor vos tem disposto,

      crede do meu bom suposto,

      que em vendo o vosso craveiro,

      Ihe hei de tomar não só o cheiro,

      mas hei de tomar-lhe o gosto.

4    Hei de ser como o vilão,

      e com boa, ou com má fé,

      se vós me deres o pé,

      vos hei de tomar a mão:

      e se nem o pé me dão

      vossos rigores tão vãos,

      tão ímpios tão maus cristãos,

      nem por isso afrouxarei,

      porque outro pé buscarei,

     para beijar-vos as mãos.

5    Se o cheiro agora me toca,

      logo o gosto me dareis,

      que vós, Nise, bem sabeis,

      que ao nariz se segue a boca:

      nunca o bocado se emboca,

      sem que se cheire primeiro,

      agora me dais o cheiro,

      e depois que eu o cheirar,

      sei mui bem, que me heis de dar

      o vaso, e mais o craveiro.

6    Depois que o vaso tiver,

      que me dará vosso amor,

      hei de colher-vos a flor,

      se no vaso flor houver:

      se não sempre sois mulher,

      que na cabeça vos entre

      ser justo, se reconcentre

      minha carne em vossa olha,

      com que em vez de flor eu colha

      um fruito de vosso ventre.

NOVAS DO MUNDO QUE LHE PEDIO POR CARTA HUM AMIGO

DE FORA POR OCCASIÃO DA FROTA.

França está mui doente das ilhargas,

Inglaterra tem dores de cabeça,

Purga-se Holanda, e temo Ihe aconteça

Ficar debilitada com descargas.

Alemanha Ihe aplica ervas amargas,

Botões de fogo, com que convaleça.

Espanha não Ihe dá, que este mal cresça.

Portugal tem saúde e forças largas.

Morre Constantinopla, está ungida.

Veneza engorda, e toma forças dobres,

Roma está bem, e toda a Igreja boa.

Europa anda de humores mal regida.

Na América arribaram muitos pobres.

Estas as novas são, que há de Lisboa.

A HUMA DAMA QUE TINHA UM CRAVO NA BOCCA.

1    Vossa boca para mim

      não necessita de cravo,

      que o sentirá por agravo

      boca de tanto carmim:

      o cravo, meu serafim,

      (se o pensamento bem toca)

      com ele fizera troca:

      mas, meu bem, não aceiteis,

      porque melhor pareceis,

      não tendo o cravo na boca.

2    Quanto mais que é escusado

      na boca o cravo: porque

      prefere, como se vê

      na cor todo o nacarado:

      o mais subido encarnado

      é de vossa boca escravo:

      não vos fez nenhum agravo

      ele de vos dar querela,

      que menina, que é tão bela,

      sempre tem boca de cravo.

POR AVISO CELESTIAL DAQUELLA GRANDE PESTE, QUE CHAMARAM BICHA

APPARECEO HUM FUNEBRE, HORROROSO, E ENSANGUENTADO COMETTA NO

ANNO 1689 POUCOS DIAS ANTES DO ESTRAGO. ASSENTAVÃO GERALMENTE,

QUE ANNUNCIAVA ESTERILIDADE, FOMES, E MORTES: POREM VARIAVÃO NOS

SUGEYTOS DELLAS, COMO COUSA FUTURA. O POETA APPLICA COMO MAIS

PRUDENTE CONTRA OS QUE SE ASSIGNALAVÃO EM ESCANDALOS NAQUELLE

TEMPO.

Se de estéril em fomes dá o cometa,

não fica no Brasil viva criatura,

Mas ensina do juízo a Escritura,

Cometa não o dar, senão trombeta.

Não creio, que tais fomes nos prometa

Uma estrela barbada em tanta altura;

Prometerá talvez, e porventura

Matar quatro saiões de impreialeta.

Se viera o cometa por coroas,

Como presume muita gente tonta,

Não lhe ficara Clérigo, nem Frade.

Mas ele vem buscar certas pessoas:

Os que roubam o mundo com a vergonta,

E os que à justiça faltam, e à verdade.

A HUMA DAMA QUE LHE PEDIO HUM CRAVEYRO.

O craveiro, que dizeis,

não vo-lo mando, Senhora,

só porque não tem agora

o vaso, que mereceis:

porém se vós o quereis,

quando por vós eu me abraso,

digo em semelhante caso,

sem ser nisso interesseiro,

que vos darei o craveiro,

se vós me deres o vaso.

PERTENDE AGORA (POSTO QUE EM VÃO) DESENGANAR AOS SEBASTIANISTAS,

QUE APPLICAVÃO O DITO COMETTA À VINDA DO ENCUBERTO.

Estamos em noventa era esperada

De todo o Portugal, e mais conquistas,

Bom ano para tantos Bestianistas,

Melhor para iludir tanta burrada.

Vê-se uma estrela pálida, e barbada,

E deduzem agora astrologistas

A vinda de um Rei morto pelas listas,

Que não sendo dos Magos é estrelada.

Oh quem a um Bestianista pergunta,

Com que razão, ou fundamento, espera

Um Rei, que em guerra d'África acabara?

E se com Deus me dá; eu Ihe dissera,

Se o quis restituir, não o matara,

E se o não quis matar, não o escondera.

NA ERA DE 1686 QUIMERIAVÃO OS SEBASTIANISTAS A VINDA DO ENCUBERTO POR HUM COMETTA QUE APPARECEO. O POETA PERTENDE EM VÃO DESVANECELOS TRADUZINDO HUM DISCURSO DO Pe. ANTONIO VIEYRA

QUE SE APPLICA A EL REY D. PEDRO II.

1    Ouçam os sebastianistas

      ao Profeta da Bahia

      a mais alta astrologia

      dos sábios Gimnosofistas:

      ouçam os Anabatistas

      a evangélica verdade,

      que eu com pura claridade

      digo em literal sentido

      que o Rei por Deus prometido

      é: quem? Sua Majestade.

2    Quando no campo de Ourique

      na luz de um raio abrasado

      viu Cristo crucificado

      El-rei Dom Afonso Henrique:

      para que Ihe certifique

      afetos mais que fiéis,

      Senhor, disse, aos infiéis

      mostrai a face divina,

      não a quem a Igreja ensina

      a crer tudo, o que podeis.

3    E Deus vendo tão fiel

      aquele peito real,

      auspicando a Portugal,

      quis ser o seu Samuel:

      na tua Prole novel

      (diz) hei de estabelecer

      um império a meu prazer:

      e crê, que na atenuação

      da dezasseis geração

      então hei de olhar, e ver.

4    A dezasseis geração

      por cômputo verdadeiro

      assevera o Reino inteiro

      ser o quarto Rei D. João:

      e da prole a atenuação

      (conforme a mesma verdade)

      vê-se em Sua Majestade,

      pois sendo de três varões

      com duas atenuações

      se tem posto na unidade.

5    Logo em boa conseqüência

      na Pessoa realçada

      de Pedro está atenuada

      desta Prole a descendência:

      logo com toda a evidência

      e a luz da divina luz

      se vê, que o Pedro conduz

      o olhar, e ver de Deus,

      que ao primeiro Rei, e aos seus

      prometeu na ardente cruz.

6    E se o tempo é já chegado,

      perguntem-no a Daniel,

      que no sétimo aranzel

      o traz bem delineado:

      diz o Profeta sagrado,

      que a quarta fera inumana

      tinha na testa tirana

      dez pontas, e que entre as dez

      uma de grã pequenhez,

      surgiu com potência insana.

7    Que esta ponta tão pequena,

      mas tão potente, e tão forte

      a três das grandes deu morte

      cruel, afrontosa, e obscena:

      quer dizer, que a sarracena

      potência, ou poder tirano

      do pequeno Maometano

      tirara a seu desprazer

      as três partes do poder

      do grande império Romano.

8    E que pelo perjuízo,

      que a pequena ponte fez,

      das dez maiores as três

      as chamou Deus a juízo,

      e as condenou de improviso

      ao fogo voraz, que as coma,

      e daqui o Profeta toma

      (pois Deus assim a condena)

      o fim da gente Agarena,

      e seita do vil Mafoma.

9    Continuando a visão,

      refere a história sagrada,

      que esta audiência acabada

      chagou Deus um Rei cristão,

      ao qual Ihe entregou na mão

      seu império prometido;

      logo bem tenho inferido,

      que o sarraceno acabado

      é o tempo deputado

      de ser este império erguido.

10    E pois a gente otomana

         vendo esta sua ruína

        na luz da espada divina

        em tanta armada Austriana:

        pode a Nação Lusitana

        confiada neste agouro

        preparar a palma, e louro,

        para o Príncipe Cristão,

        que há de empunhar o bastão

        do império de Deus vindouro.

11    Pode a Nação Lusitana,

        que foi terror do Oriente

        confiar, que no Ocidente

        o será da Maometana:

        pode cortar a espadana

        em tal número, e tal soma,

        que, quando o tempo a corcoma,

        digamos com este exemplo,

        que abriu, e fechou seu templo

        o Bifronte Deus em Roma.

12    Estes secretos primores

        não são da idéia sonhados,

        são da escritura tirados,

        e dos Santos Escritores:

        e se não cito os Doutores,

        e poupo esses aparatos,

        é, porque basta a insensatos

        por rudeza, e por cegueira,

        que em prosa o compôs Vieira,

        traduziu em versos Matos.

POR OCCASIÃO DO DITO COMETTA REFLETINDO O POETA OS MOVIMENTOS

QUE UNIVERSALMENTE INQUIETAVAM O MUNDO NAQUELA IDADE, O

SACODE GERALMENTE COM ESTA CRIZI.

1    Que esteja dando o Francês

      camoesas ao Romano,

      castanhas ao Castelhano,

      e ginjas ao Português:

      e que estejam todos três

      em uma seisma quieta

      reconhecendo esta treta

      tanto à vista, sem a ver.

      Será: mas porém a ser

      efeitos são do cometa.

2    Que esteja o Inglês mui quedo

      e o Holandês mui ufano

      Portugal cheio de engano,

      Castela cheia de medo:

      e que o Turco viva ledo

      vendo a Europa inquieta,

      e que cada qual se meta

      em uma cova a temer,

      tudo será: mas a ser

      efeitos são do cometa.

3    Que esteja o francês zombando,

      e a Índia padecendo,

      Itália olhando, e comendo,

      Portugal rindo, e chorando:

      e que os esteja enganando,

      quem sagaz os inquieta,

      sem que nada Ihes prometa!

      Será: mas com mais razão,

      segundo a minha opinião

      efeitos são do cometa.

4    Que esteja Angola de graça,

      o Marzagão cai não cai,

      o Brasil feito cambrai,

      quando Holanda feita caça:

      e que jogue a passa-passa

      conosco o Turco Maometa,

      e que assim nos acometa!

      Será, pois é tão ladino:

      porém segundo imagino,

      efeitos são do cometa.

5    Que venham os Franchinotes

      com engano sorrateiro

      a levar-nos o dinheiro

      por troco de assobiotes:

      que as patacas em pipotes

      nos levem à fiveleta!

      Não sei se nisto me meta!

      Porém sem meter-me em rodas,

      digo, que estas cousas todas

      efeitos são do cometa.

6    Que venham homens estranhos

      às direitas, e às esquerdas

      trazer-nos as suas perdas,

      e levar os nossos ganhos!

      e que sejamos tamanhos

      ignorantes, que nos meta

      em debuxos a gazeta!

      Será, que tudo é pior:

      mas porém seja, o que for,

      efeitos são do cometa.

7    Que havendo tantas maldades,

      como exprimentado temos,

      tantas novidades vemos,

      não havendo novidades:

      e que estejam as cidades

      todas postas em dieta,

      mau é: porém por decreta

      permissão do mesmo Deus,

      se não são pecados meus,

      efeitos são do cometa.

8    Que se vejam sem razão

      no extremo, em que se vêem,

      um tostão feito um vintém,

      e uma pataca um tostão;

      e que estas mudanças vão

      fabricadas à curveta,

      sem que a ventura prometa

      nunca nenhuma melhora!

      Será: que pois o céu chora,

      efeitos são do cometa.

9    Que o Reino em um estaleiro

      esteja, e nesta ocasião

      haja pão, não haja pão,

      haja, não haja dinheiro:

      e que se tome em Aveiro

      todo o ouro, e prata invecta

      por certa via secreta;

      eu não sei, como isto é:

      porém já que assim se vê,

      efeitos são do cometa.

10    Que haja no mundo, quem tenha

        guisados para comer,

        e traças para os haver,

        não tendo lume, nem lenha:

        e que sem renda mantenha

        carro, carroça, carreta,

        e sem ter adonde os meta,

        dentro em si tanto acomode!

        Pode ser: porém se pode,

        efeitos são do cometa.

11    Que andem os oficiais

        como fidalgos vestidos,

        e que sejam presumidos

        os humildes como os mais:

        e que sejam presumidos

        cavalgar sem a maleta,

        e que esteja tão quieta

        a cidade, e o povo mudo!

        Será: mas sendo assim tudo

        efeitos são do cometa.

12    Que se vejam por prazeres,

        sem repararem nas fomes

        as mulheres feitas homens,

        e os homens feitos mulheres:

        e que estejam os misteres

        enfronhados na baeta,

        sem ouvirem a trombeta

        do povo, que é um clarim!

        Será: porém sendo assim,

        efeitos são do cometa.

13    Que vista, quem rendas tem,

        galas vistosas por traça,

        suposto que bem mal faça,

        inda que mal, fará bem:

        mas que vista, quem não tem

        mais que uma pobre sarjeta,

        que lhe vem pela estafeta

        por milagre nunca visto!

        Será: porém sendo isto

        efeitos são do cometa.

14    Que não veja, o que há de ver

        mal no bem, e bem no mal,

        e se meta cada qual,

        no que não se há de meter:

        que queira cada um ser

        Capitão sem ter gineta,

        sendo ignorante profeta,

        sem ver, quem foi, e quem é!

        Será: mas pois se não vê,

        efeitos são do cometa.

15    Que o pobre, e rico namore,

        e que com esta porfia

        o pobre alegre se ria,

        e que o rico triste chore:

        e que o presumido more

        em palácio sem boleta,

        e por não ter, que Ihe meta,

        o tenha cheio de vento!

        Pode ser: mas ao intento

        efeitos são do cometa.

16    Que ande o mundo, como anda,

        e que se ao som do seu desvelo

        uns bailem ao saltarelo

        e os outros à sarabanda:

        e que estando tudo à banda,

        sendo eu um pobre Poeta,

        que nestas cousas me meta,

        sem ter licença de Apolo!

        Será: porém se eu sou tolo,

        efeitos são do cometa.

NECESSIDADES FORÇOSAS DA NATUREZA HUMANA.

Descarto-me da tronga, que me chupa,

Corro por um conchego todo o mapa,

O ar da feia me arrebata a capa,

O gadanho da limpa até a garupa.

Busco uma Freira, que me desentupa

A via, que o desuso às vezes tapa,

Topo-a, topando-a todo o bolo rapa,

Que as cartas Ihe dão sempre com chalupa.

Que hei de fazer, se sou de boa cepa,

E na hora de ver repleta a tripa,

Darei, por quem ma vaze toda Europa?

Amigo. quem se alimpa da carepa,

Ou sofre uma muchacha, que o dissipa,

Ou faz da sua mão sua cachopa.

A HUMA DAMA QUE SE DESVIAVA DE LHE FALAR.

MOTE

Busco, a quem achar não posso.

Amo sem poder falar,

morro, porque quero bem,

o calar morto me tem,

quero, mas quero calar:

porque enfim hei de penar

sendo toda vida vosso,

pois por mais que me alvoroço

largando as velas à fé,

morro, meu amor, porque

Busco, a quem achar não posso.

A HUM LIVREYRO QUE COMEU HUM CANTEYRO DE ALFACES.

Levou um livreiro a dente

de alfaces todo um canteiro,

e comeu, sendo livreiro,

desenquadernadamente:

porém eu digo, que mente,

o que nisso o quer culpar;

antes é para notar,

que trabalhou como um Mouro,

que o meter folhas no couro

 também é enquadernar.

ELEGE PARA VIVER O RETIRO DE HUMA CHACARA, QUE COMPROU NAS

MARGENS DO DIQUE, E ALI CONTA, O QUE PASSAVA RETIRADO.

Por bem-afortunado

Me tenho nestes dias,

Em que habito este monte a par do Dique,

Vizinho tão chegado

Às Taraíras frias,

A quem a gula quer, que eu me dedique.

Aqui vem o Alfenique

Das pretas carregadas

Com roupa, de que formam as barrelas:

Não serão as mais belas,

Mas hão de ser por força as mais lavadas;

E eu namorado desta, e aqueloutra

De um a lavar me rende o torcer doutra.

Os que amigos meus eram,

Vêm aqui visitar-me;

Amigos, digo, de uma e outra casta:

Oh nunca aqui vieram,

Porque vêm agastar-me,

E nunca deixam cousa, que se gasta.

Outro vem, quando basta,

Fazer nesta varanda

Chacotas, e risadas,

Cousas bem escusadas,

Porque o riso não corre na quitanda,

Corre de cunho a prata,

E amizade sem cunho é patarata.

A casa é espaçosa

Coberta, e retelhada

Com telha antiga de primeiro mundo,

Palha seca, e frondosa

Um tanto refolhada

Da que sendo erva Santa, é vício imundo;

O torrão é fecundo

Para a tal erva Santa:

Porque esta negra terra

Nas produções, que erra,

Cria venenos mais que boa planta:

Comigo a prova ordeno,

Que me criou para mortal veneno.

DEFINIÇÃO DO AMOR.

Mandai-me, Senhores hoje

que em breves rasgos descreva

do Amor a ilustre prosápia,

e de Cupido as proezas.

Dizem, que da clara escuma,

dizem, que do mar nascera,

que pegam debaixo d'água,

as armas, que Amor carrega.

Outros, que fora ferreiro

seu Pai, onde Vênus bela

serviu de bigorna, em que

malhava com grã destreza.

Que a dous assopros Ihe fez

o fole inchar de maneira,

que nele o fogo acendia,

nela aguava a ferramenta.

Nada disto é, nem se ignora,

que o Amor é fogo, e bem era

tivesse por berço as chamas

se é raio nas aparências.

Este se chama Monarca,

ou Semideus se nomeia,

cujo céu são esperanças,

cujo inferno são ausências.

Um Rei, que mares domina,

um Rei, o mundo sopeia,

sem mais tesouro, que um arco,

sem mais arma, que uma seta.

O arco talvez de pipa,

a seta talvez de esteira,

despido como um maroto,

cego como uma Topeira.

Um maltrapilho, um ninguém,

que anda hoje nestas eras

com o cu à mostra, jogando

com todos a cabra-cega.

Tapando os olhos da cara,

por deixar o outro alerta

por detrás à italiana,

por diante à portuguesa.

Diz, que é cego, porque canta,

ou porque vende gazetas

das vitórias, que alcançou

na conquista das finezas.

Que vende também folhinhas

cremos por cousa mui certa,

pois nos dá os dias santos,

sem dar ao cuidado tréguas;

E porque despido o pintam,

é tudo mentira certa,

mas eu tomara ter junto

o que Amor a mim me leva.

Que tem asas com que voa

e num pensamento chega

assistir hoje em Cascais

logo em Coina, e Salvaterra.

Isto faz um arrieiro

com duas porradas tesas:

e é bem, que no Amor se gabe,

o que o vinho só fizera!

E isto é Amor? é um corno.

Isto é Cupido? má peça.

Aconselho, que o não comprem

ainda que Ihe achem venda.

Isto, que o Amor se chama,

este, que vidas enterra,

este, que alvedrios prostra,

este, que em palácios entra:

Este, que o juízo tira,

Este, que roubou a Helena,

este, que queimou a Tróia,

e a Grã-Bretanha perdera:

Este, que a Sansão fez fraco,

este, que o ouro despreza,

faz liberal o avarento

é assunto dos Poetas:

Faz o sisudo andar louco,

faz pazes, ateia a guerra,

o Frade andar desterrado,

endoudece a triste Freira.

Largar a almofada a Moça,

ir mil vezes à janela,

abrir portas de cem chaves,

e mais que gata janeira.

Subir muros, e telhados,

trepar cheminés, e gretas,

chorar lágrimas de punhos

gastar em escritos resmas.

Gastar cordas em descantes

perder a vida em pendências,

este, que não faz parar

oficial algum na tenda.

O Moço com sua Moça,

o Negro com sua Negra,

este, de quem finalmente

dizem, que é glória, e que é pena.

É glória, que martiriza,

uma pena, que receia,

é um fel com mil doçuras,

favo com mil asperezas.

Um antídoto, que mata,

doce veneno, que enleia,

uma discrição sem siso,

uma loucura discreta.

Uma prisão toda livre,

uma liberdade presa,

desvelo com mil descansos,

descanso com mil desvelos.

Uma esperança, sem posse,

uma posse, que não chega,

desejo, que não se acaba,

ânsia, que sempre começa.

Uma hidropisia d'alma,

da razão uma cegueira,

uma febre da vontade

uma gostosa doença.

Uma ferida sem cura,

uma chaga, que deleita,

um frenesi dos sentidos,

desacordo das potências.

Um fogo incendido em mina,

faísca emboscada em pedra,

um mal, que não tem remédio,

um bem, que se não enxerga.

Um gosto, que se não conta,

um perigo, que não deixa,

um estrago, que se busca,

ruína, que lisonjeia.

Uma dor, que se não cala,

pena, que sempre atormenta,

manjar, que não enfastia,

um brinco, que sempre enleva.

 Um arrojo, que enfeitiça,

um engano, que contenta,

um raio, que rompe a nuvem,

que reconcentra a esfera.

Víbora, que a vida tira

àquelas entranhas mesmas,

que segurou o veneno,

e que o mesmo ser Ihe dera.

Um áspide entre boninas,

entre bosques uma fera,

entre chamas Salamandra,

pois das chamas se alimenta.

Um basalisco, que mata,

lince, que tudo penetra,

feiticeiro, que adivinha,

marau, que tudo suspeita

Enfim o Amor é um momo,

uma invenção, uma teima,

um melindre, uma carranca,

uma raiva, uma fineza.

Uma meiguice, um afago

um arrufo, e uma guerra,

hoje volta, amanhã torna,

hoje solda, amanhã quebra.

Uma vara de esquivanças,

de ciúmes vara e meia,

um sim, que quer dizer não,

não, que por sim se interpreta.

Um queixar de mentirinha,

um folgar muito deveras,

um embasbacar na vista,

um ai, quando a mão se aperta.

Um falar por entre dentes,

dormir a olhos alerta,

que estes dizem mais dormindo,

do que a Iíngua diz discreta.

Uns temores de mal pago,

uns receios de uma ofensa

um dizer choro contigo,

choromingar nas ausências.

Mandar brinco de sangrias,

passar cabelos por prenda,

dar palmitos pelos Ramos,

e dar folar pela festa.

Anel pelo São João,

alcachofras na fogueira,

ele pedir-lhe ciúmes,

ela sapatos, e meias.

Leques, fitas, e manguitos,

rendas da moda francesa,

sapatos de marroquim,

guarda-pé de primavera.

Livre Deus, a quem encontra,

ou Ihe suceder ter Freira;

pede-vos por um recado

sermão, cera, e caramelas.

Arre lá com tal amor!

isto é amor? é quimera,

que faz de um homem prudente

converter-se logo em besta.

Uma bofia, uma mentira

chamar-lhe-ei mais depressa,

fogo salvaje nas bolsas,

e uma sarna das moedas.

Uma traça do descanso,

do coração bertoeja,

sarampo da liberdade,

carruncho, rabuge, e lepra.

É este, o que chupa, e tira

vida, saúde, e fazenda,

e se hemos falar verdade

é hoje o Amor desta era

Tudo uma bebedice,

ou tudo uma borracheira,

que se acaba co dormir,

e co dormir se começa.

O Amor é finalmente

um embaraço de pernas,

uma união de barrigas,

um breve temor de artérias.

Uma confusão de bocas

uma batalha de veias,

um rebuliço de ancas,

quem diz outra coisa, é besta.

A DOUS IRMÃOS FULANOS DA CRUZ, QUE FORAM PREZOS POR FURTAREM HUM ESPADIM A HUM SURDO DA PRAYA, TENDO JA FURTADO HUMAS SALVAS, QUE PEDIRAM EMPRESTADO PARA TIRAREM A ESMOLLA PARA N. SENHORA DA

PALMA DE QUE FORAM DEGRADADOS PARA ANGOLLA.

1    As cruzes dos dous ladrões,

      ou os dous ladrões das cruzes

      com capa dos arcabuzes

      armaram aos taralhões:

      mas vendo, que estas ações

      lhes não tinha a pança cheia,

      a vil canalha plebéia

      por comer à tripa forra,

      sem recear a masmorra

      meteu-se, e chegou a ceia.

2    Consumando o seu intento

      por infames malfeitores,

      à sentença dos maiores

      foram para um aposento:

      e se o seu merecimento

      é castigo temerário,

      pena é muito ao contrário,

      que quem calvários só quer

      os não mandam padecer

      noutras cruzes ao calvário.

3    E fora mui justa lei,

      que a qualquer ladrão previsto,

      inda chamando por Cristo,

      lhe não valesse o pequei:

      e se hoje o memento mei

      não acode a um patifão

      por judaica geração,

      se tira por conseqüência,

      que é por sua violência

      cada qual mui mau ladrão.

4    Porém o seu pensamento

      antevendo a perdição

      com capa de devoção

      cuidou ir a salvamento:

      e pedindo a bom intento

      os dous duas salvações

      foram em tais conjunções,

      se bem careciam dalvas,

      que dando-lhe as culpas salvas

      se ficaram bons ladrões.

5    As salvas foram pedidas,

      e sendo enfim emprestadas,

      depois de Ihas terem dadas,

     foram salvas, e perdidas:

      e com ser às escondidas

      o pedido, que as assola,

      triunfando vão para Angola,

      pois se levanta a sua alma

      tirando a esmola da Palma

      com o Santo, e com a esmola.

6    Outros crimes mais atrozes

      têm os dous Judas malvados,

      que justamente culpados

      os publicam muitas vozes:

      porque os delitos ferozes

      no seu inútil estado

      os criminam de contado,

      e são no erro inaudito

      um Judas para o bendito

      inimigo do Louvado.

7    Vendo ao pobre varão

      de grave espadim à cinta,

      conhecendo-o pela pinta

      o tomam de guarnição:

      e andando de mão em mão

      foi o espadim consumido

      pelo valor atrevido,

      e o mesmo espadim achado

      para eles foi deparado,

      e para ele foi corrido.

8    Pelas cruzes foi tomado,

      e o que a todos mais atonta,

     é, que não foi pela ponta

      por um, ou outro Soldado:

      mas como o valor mostrado

      era em passos tão ligeiro,

      chegou ao Cabo primeiro,

      para levar tudo ao punho,

      que só por força tem cunho,

      ou cruzes o seu dinheiro.

9    Suspenso o mundo, e absorto

      pasma em tal desassossego

      maltratar um surdo a um cego,

      que o seu direito é ser torto:

      pois quando viu Cristo morto

      com a lança o investiu,

      e ele de cego sentiu

      de então toda a vista ter,

      Longuinhos viu por não ver,

      e ele chegou, porque viu.

10     E se pelo atrevimento

         de tão grandes desaforos

         merecem dous mil estouros,

         não é castigo violento:

         que se fora a meu contento,

         os queimaram logo logo,

         e não satisfaz meu rogo

         ter sentença de água fria,

         quem somente merecia,

         que lhe pusessem o fogo.

11     Porém, Senhores, porém

         é escusado o falar,

         nem mais pareceres dar,

         já que remédio não tem:

         e se do degredo vêm

         e sai seu intento à luz,

         vinguem-se logo de um plus,

         que se governa até o cabo,

         guarde-se a cruz do diabo,

         não o diabo da cruz.

MANAS, DEPOIS QUE SOU FREIRA.

MOTE

É do tamanho de um palmo

com dous redondos no cabo.

1    Manas, depois que sou Freira

      apoleguei mil caralhos,

      e acho ter os barbicalhos

      qualquer de sua maneira:

      o do Casado é lazeira,

      com que me canso, e me encalmo,

      o do Frade é como um salmo

      o maior do Breviário:

      mas o caralho ordinário

      É do tamanho de um palmo.

2    Além desta diferença,

      que de palmo a palmo achei,

      outra cousa, que encontrei,

      me tem absorta, e suspensa:

      é, que dizcorrendo a imensa

      grandeza daquele nabo,

      quando o fim vi do diabo,

      achei, que a qualquer jumento

      se lhe acaba o comprimento

      Com dous redondos no cabo.

AS TRÊS IRMÃS FORMOSAS DAMAS PARDAS,

QUE MORAVAM NO AREYAL.

Ontem vi no Areal

a trindade das formosas,

que consta de uma beleza

repartida em três pessoas.

Três Irmãs Ana, Leonor,

e a discreta Maricota,

três pessoas tão distintas

e uma beleza entre todas.

Três pessoas, e uma só

beleza a trindade soa,

unidade em formosura,

sendo a trindade das moças.

Mas eu com sua licença

quisera escolher de todas

Maricas por mais discreta,

já que não por mais formosa.

Por mais formosa também

escolhera a Maricota,

que a vantagem da beleza

está no olhar de quem olha.

Não consiste em realidade

a beleza de uma moça;

consiste na inclinação

de quem dela se enamora.

Eu como tão inclinado

aos olhos de Maricota

com licença das Irmãs

a escolho por mais formosa.

Os olhos se vão as mais,

e o coração pede outra,

e o dividir a trindade

é d'almas pouco devotas.

Mas em tal perplexidade,

e em tal pena, em tal afronta,

há de fazer a eleição

o que disser essa copla.

DÉCIMA

Dá-me Amor a escolher

de duas uma devota,

Leonor, ou Maricota,

e eu me não sei resolver:

se me hei de vir a perder

pela minha inclinação

tomando uma, e outra não,

quero, que me dê Amor

Maricota, e Leonor,

por não errar na eleição.

A HUM NEGRO DE ANDRE DE BRITO SOLICITADOR DE SUAS DEMANDAS

GRAM TRAPACEYRO, E ALCOVITERO CHAMADO O LOGRA, A

QUEM HUM IMAGINARIO VAZOU HUM OLHO.

Está o Logra torto? é cousa rara!

Diz que um olho perdeu por uma puta;

Barato o fez, que há puta dissoluta,

Que me quer arrancar ambos da cara.

Oh quem tão baratinho amor comprara,

Que um olho é pouco preço sem disputa;

Se não diga-o Betica, que de astuta

Mais de uma dúzia de olhos me almoçara.

Saí desta canalha tão roido,

E deixaram-me Harpias tão roubado,

Que não logrei da vista um só sentido.

Não foi o Logra não mais desgraçado,

Porque posto que um olho tem perdido,

O outro Ihe ficou para um olhado.

AO MESMO CRIOLLO, E PELO MESMO CASO.

1    Estou pasmado e absorto,

      de que o Logra em qualquer pleito

      curasse do seu direito,

      e agora cure do torto:

      ele fora mui bem morto,

      porque outra vez não insista

      ir, onde se Ihe resista:

      mas se noutras ocasiões

      requeria execuções,

      agora pedirá vista.

2    Ia o Logra perseguindo

      pela rua de São Bento

      certo calcanhar bichento,

      e ia-lhe a Negra fugindo:

      quando a Dafne foi seguindo

      Apolo pastor de Admeto:

      ela por alto decreto

      em Louro transfigurou-se,

      e agora desfigurou-se,

      ao Logra, que fica em preto.

3    A Negra sumiu-se, e quem

      não sabe na medicina,

      que em se perdendo a menina,

      se perde o olho também:

      andou o Logra mui bem

      em perder o olho então,

      porque noutra ocasião

      saibam, que o Logra acertado

      se co'a preta é desgraçado

      com a branca é um Cipião.

4    Dizem as Putas por cá

      com rostos muito serenos,

      que o Logra cum olho menos

      menos as vigiará:

      mas quem não afirmará

      neste azar, nesta agonia,

      que as Putinhas da Bahia

      ficam de melhor emprego,

      que as guiava um amor cego,

      e já agora um torto as guia.

5    Se é certo, que ele investia

      as Damas, que acarretava,

      quem com olhos se cegava,

      sem olhos o que faria?

      agora é, que eu temeria,

      que ele me guiasse a Dama,

      porque suposto que as chama,

      será para a sua estufa,

      porque quem fechou a adufa,

      trata já de ir para a cama.

6    O imaginário impio

      quis-lhe o vulto reformar,

      e em vez de o aperfeiçoar,

      botou-lhe a longe o feitio:

      saltou-lhe uma lasca em fio,

      e no caso que saltasse,

      quis Deus, que o olho lascasse,

      porque o escultor estulto

      ou corresse ao Logra o vulto,

      ou de todo o acabasse.

7    O Imaginário, que há

      de todas tantas ventagens,

      diz, que é mau para as imagens

      o pau de Jacarandá:

      mas que outra imagem fará

      tão bela, e perfeita, que

      sina entre as outras da Sé,

      ou que de outro pau, que engenha,

      fará um São Miguel, que tenha

      o demo do Logra ao pé.

8    O Logra ficou zarolho,

      porque o homem na estacada

      lhe deu tão boa pancada,

      que foi pancada do olho:

      correu logo tanto molho

      pela cara, que ao cair,

      quem foi ali acudir,

      disse, que quando chorava

      o Logra, ao olho cantava

      "ojos, que lo vieron ir".

9    Pelo seu olho gritava,

      e quem o não entendia

      outra cousa parecia,

      que no olho lhe passava:

      e demais gente, que estava

      na casa atrás do rumor,

      vendo o Logra em tanta dor

      com o olho fora da cara,

      cria, que era, o que o vazara,

      prateiro, e não escultor.

10    Dizem por esta Cidade,

        que seu Senhor enfadado

        de o ver todo, e desairado

        lhe quer dar a Liberdade:

        bom fora metê-lo frade

        na Arrábida, ou em Buçaco,

        onde vestido de saco

        dê graças ao Criador,

        que em estado o pôs melhor

        para ser maior velhaco.

A HUMA DAMA QUE LHE PEDIO OS CABELLOS.

Este cabelo, que aora

quieres, que el amor te dé,

teme, Nise, que tu fé

con el me seya traydora:

mas como el alma te adora,

obedecer-te es rason,

que aun que seya otro Sanson

mirando a tus ojos bellos

perder no puedo en cabellos

las fuerças del coraçon.

A MEDIDA PARA O MALHO.

MOTE

Não quero mais do que tenho.

A medida para o malho

pela taxa da Cafeira,

que tem do malho a craveira,

são dous palmos de caralho:

não quer nisto dar um talho,

e eu zombo do seu empenho,

pois tendo um palmo de lenho,

com que outras putas desalmo,

inda que tenho um só palmo,

Não quero mais do que tenho.

A HUMA PENDENClA QUE TEVE O MULATO QUIRINGA COM HUM

MOURO NA CADEYA, PELA QUAL FOY CASTIGADO: ESTANDO

O POETA NESSA OCCASIÃO TAMBEM PREZO.

1    Vendo tal desenvoltura,

      como vai nesta cadeia,

      quis também a minha veia

      fazer uma travessura:

      inda a memória me dura

      dos mulatetes maraus,

      quando entre desares maus

      o pobre do nosso Mouro,

      indo jogar prata, e ouro,

      saiu-lhe o trunfo de paus.

2    Entre bem e mal fadado

      foi o Mouro em sua lei

      batizado por um Rei,

      por um Mulato crismado:

      ele ficou estirado,

      vendo tanta matinada

      de uma pendência causada;

      e eu quase fiquei absorto,

      de que vendo um Mouro morto

      ninguém lhe desse a lançada.

 3    Com sair-lhe o ano mau,

       diz ele, que outro tal venha,

       pois será ano de lenha

       um ano de tanto pau:

       o Mouro é mui vaganau,

       e é tal o descoco seu,

       que mal da terra se ergueu,

       tão desaforado está,

       que diz, que se lhe não dá

       do muito, de se lhe deu.

4     O Quiringa valentão

       por unir esta pendência,

       se não ganhou indulgência,

       teve um ano de perdão:

       pôs-se em pé o velhacão

       recebendo as alabanças,

       e eu entre tantas mudanças

       a guitarra Ihe cantei:

       "servio na moxinga a El-Rei

       un Quiringa con dos lanças".

ADMIRAVEL EXPRESSÃO DE AMOR MANDANDO-SE-LHE

PERGUNTAR, COMO PASSAVA.

Aquele não sei quê, que Inês te assiste

No gentil corpo, na graciosa face,

Não sei donde te nasce, ou não te nasce,

Não sei, onde consiste, ou não consiste.

Não sei quando, ou como arder me viste,

Porque Fênix de amor me eternizasse,

Não sei, como renasce, ou não renasce,

Não sei como persiste, ou não persiste.

Não sei como me vai, ou como ando,

Não sei, o que me dói, ou porque parte

Não sei, se vou vivendo, ou acabando.

Como logo meu mal hei de contar-te,

Se de quanto a minha alma está penando,

Eu mesmo, que o padeço, não sei parte.

MULATINHAS DA BAHIA.

MOTE

Vós dizeis, que arromba arromba:

não se arromba desse modo;

quem o tem apertadinho,

não o quer aberto logo.

1    Mulatinhas da Bahia,

      que toda a noite em bolandas

      correis ruas, e quitandas

      sempre em perpétua folia,

      porque andais nesta porfia,

      com quem de vosso amor zomba?

      eu logo vos faço tromba,

      vós não vos dais por achado,

      eu encruzo o meu rapado,

      Vós dizeis arromba arromba.

2    Nenhum propósito tem,

      o que dizeis, e o que eu faço,

      que eu fujo do vosso laço,

      e vós botais fora o trem:

      e se eu o cubro tão bem,

      e o tenho escondido todo,

      de donde tirais o engodo

      para arrombar, a quem zomba?

      Vós cuidais, que assim se arromba?

      Não se arromba desse modo.

3    É necessário, que eu queira,

      e que vos diga, que sim,

      que me ponha assim, e assim

      a jeito, e em boa maneira:

      que descubra a dianteira,

      e entregando o passarinho

      lho metais devagarzinho,

      pois qualquer mulher se sente,

      que entre de golpe, mormente

      Quem o tem apertadinho.

4    A mulher fonte de enganos

      por rnelhor aproveitar-se

      começa hoje a desonrar-se,

      e acaba de hoje a dez anos:

      e já quando os desenganos

      publicam com desafogo

      ser mais quente do que o fogo

      não se deixa revolver,

      e por mais virgos vender,

      Não o quer aberto logo.

AJUIZA AS DIFERENÇAS, E TOTAL DIVORCIO DE PORTUGAL

COM CASTELLA PROFETIZADAS MUYTO ANTES PELOS PRUDENTES.

MOTE

Portugal, e mais Castela

nunca foram bem casados:

agora estão separados,

dizem, que as causas deu ela.

1    Tão por força e sem razão

      não pode haver bem casados,

      nem de ânimos encontrados

      se fez perfeita união:

      quis casar Dona Ambição

      por traças, e com cautela,

      mas ouvindo dele, e dela

      o mundo as cousas, a fama

      diz, que hão de brigar na cama

      Portugal, e mais Castela.

2    Porém já depois de feito

      este inválido contrato

      Portugal pelo mau trato

      conhece as causas do efeito:

      que se uns casam por respeito,

      outros de amos obrigados,

      Castela só por cruzados

      se casou com Portugal,

      mas como a causa foi tal,

      Nunca foram bem casados.

3    Foi por força recebido

      o Noivo de outro jurado,

      e se ficou mal casado,

      justamente é dividido:

      veio a ser restituído

      por caminhos não cuidados,

      porque bens não esperados

      têm diferente valia,

      e estes, que a fortuna unia,

      Agora estão separados.

4    O tempo desordenado

      se ordenou em caso tal,

      ficou livre Portugal

      com clandestino julgado:

      que se por caso há intentado

      desquitar-se com cautela,

      foi o ver-se livre dela

      por inspiração divina,

      porém de Espanha a ruína,

      Dizem, que as causas deu ela.

É MEU DAMO TANTO MEU.

MOTE

Do meu Damo estou contente,

Que diz, que por mim derrama

Muitas lágrimas na cama,

Não sei, se é assim ou se mente.

GLOSA

1    É meu Damo tanto meu,

      e tão namorado está,

      que facilmente me dá,

      tudo quanto Deus Ihe deu:

      também o que tenho, é seu,

      e assim reciprocamente

      convém, que este amor se aumente,

      e nesta igualdade enfim

      se está contente de mim,

      Do meu Damo estou contente.

2    Chora amante, e com verdade

      vendo, e deixando de ver:

      vendo chora com prazer;

      não vendo com saüdade:

      nesta pois conformidade

      cada qual de nós se inflama,

      e eu com quem tão bem me ama,

      quisera no mesmo estilo,

      que em mim derramara aquilo,

      Que diz, que por mim derrama.

3    É tenro, amoroso, e brando,

      sendo no trabalho duro,

      e se com queixas o apuro,

      dá satisfações chorando:

      de sorte que vive amando,

      e diz, que tanto se inflama,

      que ele só sente, e derrama,

      e que ele só pena, e adora,

      que chora na grade, e chora

      Muitas lágrimas na cama.

4    Chora de noite, e de dia

      sempre a agradar-me disposto

      lágrimas, que me dão gosto,

      porque nascem de alegria:

      de sorte que eu chore, ou ria,

      sempre me faz só contente,

      e quando estas ânsias sente,

      diz, que estas lágrimas são

      sangue do seu coração,

      Não sei, se é assim ou se mente.

A HUMA NEGRA CHAMADA EVA RECOLHIDA DE HUM CLERIGO

EM MARÉ, QUE ENGANOU AO POETA FAZENDO-O ESPERAR.

1    Não me maravilha não

      que a matar-me se me atreva

      uma Eva, pois outra Eva

      já fez pecar outro Adão:

      nem é para admiração,

      que quem com lindeza muita

      tanto alvedrio desfruita,

      o meu desfruitar intente,

      nem que com fruita me tente,

      sendo eu amigo da fruita.

2    Eu me vejo embaraçado

      no meio, que hei de tomar,

      tudo há de vir a parar

      em deixar-me ela esquentado:

      darei em desesperado,

      irei um dia enforcar-me

      com ela, por não matar-me,

      e ao faltar soga d'EI-Rei,

      algum pêlo lhe acharei,

      em que possa espernegar-me.

3    Pois me deu palavra, e mão,

      creio, que não mentirá,

      senão novo não será,

      que uma Eva engane a Adão:

      alguma serpe, ou dragão

      anda por esse pomar,

      que veio a Eva enganar,

      para ela enganar-me a mim,

      coma eu da fruita enfim,

      peque embora quem pecar.

 4    E se o Padre chamar,

       que venha estar em juízo,

       direi com todo o meu siso,

       Senhor, são erros de amar:

       esta Eva, ou este azar,

       que me destes por mulher,

       diz, que Deus havia ser,

       quem do seu pomo comesse,

       e eu porque Deus parecesse,

       co Demo me fui meter.

5    Bem sei eu, que era impossível

      ser Deus, e fazer pecado,

      mas a serpe me há enganado,

      ou Eva, que é mais terrível:

      esta carne tão sensível,

      tão fraca, e tão miseranda

      pelo perdão vos demanda:

      indulto, indulto, Senhor,

      que um preso preso de amor

      em artos infernos anda.

6    E pois me diz, que serei

      o Deus da sua vontade,

      ou me fale, ou não verdade

      da fruita lhe provarei:

      inda que então me verei

      dos pés até à carantonha

      despido, e cheio de ronha,

      posto em tamanha lazeira,

      folhas dera-me a figueira

      para cobrir a vergonha.

7    Se fora do Paraíso

      derem comigo em alberca,

      como a tal Eva não perca,

      vai pouco, em que perca o siso:

      basta, que um Anjo Narciso

      se não ponha por meu mal

      na porta do terreal,

      para a entrada defender,

      que eu não mereço Anjos ver

      estando em culpa mortal.

8    E se sobre este desgosto

      tiver por condenação,

      que vá comer o meu pão

      com o suor do meu rosto:

      tudo levarei com gosto

      por uma Eva tão bela,

      tão guardada tão donzela,

      que claro está, hei de andar

      eu, e ela a trabalhar,

      pois hei de trabalhar nela.

9    Em vez de belota má,

      que comeram nossos Pais,

      teremos melões reais,

      que é belota de cá:

      cavando aqui, e acolá,

      nos verão todos os dias

      comer ricas melancias;

      inda que seja o bocado

      tão trabalhado, e suado,

      mais val suor, que sangrias.

10    Eva falta, e Eva mente,

        e tem-me enganado enfim,

        com que a Eva para mim

        é pior, que uma serpente:

        a serpente incontinenti

        deixou-a Deus condenada,

        que andasse sempre arreitada

        co'a barriga para o chão,

        e eu ponho a Eva a pensão,

        que ande de costas virada.

11    Se ela de costas andara,

        à fé, que eu a impingira,

        à fé, que não me mentira,

        nem agora eu me queixara:

        se ela me não enganara,

        não dera as minhas propostas

        respostadas por respostas:

        andara, qual sempre andou,

        mas pois Eva me enganou

        mando, que ande Eva de costas.

SENHOR SOLDADO DONZELO.

1    Senhor soldado donzelo

      a quem custa mais fadiga

      dormir uma rapariga

      do que ganhar um castelo:

      se o pistolete é de ourelo

      e anda sempre desarmado

      crede que sois mau soldado

      porque na venérea classe

      vai pouco que a velha entrasse

      se o moço tivesse entrado.

2    Suponho que o neto entrasse

      e viesse logo a avó

      tereis vós o vosso nó

      e a velha que o desatasse:

      se acaso vos assaltasse

      na vossa cama, ou retiro

      todo um exército em giro

      e armado lhe aparecêreis,

      vós algum risco corrêreis,

      mas daríeis vosso tiro.

3    Assim mesmo conjeturo

      nos rencontros de Cupido

      trazeis vós o perro enguido

      que o tiro eu vo-lo asseguro:

      se vós o tivéreis duro

      e fôreis fazendo ilhós

      nas moças, que estavam sós

      à fé que o não taparia

      Avó, nem menos a Tia,

      dez Tias, nem trinta Avós.

4    Vós conversando, ela rindo

      se perde do logro a era:

      que importa que a Avó viera

      se vós vos tivéreis vindo?

      Como estais sempre cumprindo

      com cerimônias cruéis,

      por isso sois, e sereis

      (perdendo contentamentos)

      um homem de cumprimentos

      porém nunca cumprireis.

5    Dizem, que quem perde o mês,

      contudo não perde o ano,

      mas neste caso magano

      perde o ano quem perde a vez:

      já vós, por seres má rês,

      perdestes noutra hora a sorva:

      sempre achais, quem vos estorva,

      e perdestes, a ocasião,

      sem que houvesse velha então,

      que vos mijasse na escorva.

6    Amigo, a pura verdade

      é que a velha do socrócio

      não desfez este negócio;

      bem o faz a mocidade:

      culpai vossa frialdade

      que a velha não fez o dano,

      e senão, por desengano,

      e contra o mal das Avós

      tomai cantárida em pós

      ou metei-vos franciscano.

DESPEDIDA EM CANTIGAS AMOROSAS QUE FAZ A

HUMA DAMA QUE SE AUSENTAVA.

Já vos ides, ai meu bem!

já de mim vos ausentais?

morrerei de saüdades,

se partis, e me deixais.

É forçoso este argumento,

tem conclusão infalível,

ires vós, e ficar eu,

meu amor, com é possível?

Meu amor, sem vós não sei,

como poderei ficar,

se vós partis, morrerei

ao rigor do meu pesar.

Esperai detende o passo,

que cada arranco, que dais,

sendo a vida da minha alma,

alma, e vida me levais.

Ó que rigoroso transe,

e saudosa despedida!

já sinto efeitos da morte

com os efeitos da vida.

Lágrimas aljofaradas,

como assim vos despenhais,

sem atender tiranias,

nem atender a meus ais.

Adeus de mim muito amada

Prenda, que me dais mil dores,

como mais não hei de ver-vos,

adeus, adeus, meus amores.

A DOMINGOS NUNES DO COUTO VIZINHO DO POETA A QUEM BURLARAM

HUNS AMIGOS FINGINDO-SE OFFICIAIS DE JUSTIÇA, E BATENDO

ESTRONDOSAMENTE NA PORTA, ELLE COMO CRIMINOSO FUGIO PELO QUINTAL

FAZENDO, E PADECENDO TUDO, O QUE O POETA PINTA.

1    Ontem sobre a madrugada

      à porta do meu vizinho

      foi bater certo meirinho

      com toda a justiça armada:

      o vizinho à matinada

      de tão grande rebuliço,

      quis logo erguer o toutiço,

      mas não deu passo o coitado,

      que ficou embasbacado,

      porque era tudo feitiço.

2    A um bater tão porfiado,

      que ele atento porfiou,

      quando se desenganou,

      então foi mais enganado:

      cuidou, que era já tomado

      da Justiça, que madruga:

      ergue-se, dizendo esbruga,

      e tendo por justa causa

      cantar-lhe a turba sem pausa,

      lhe quis responder com fuga.

3    "Cerca, cerca o aposento",

      e apenas ele ouviu tal,

      tinha varado o quintal

      a sua pá como um vento:

      achou por impedimento

      espinhas de um limoeiro,

      um bosque, um tronco, um madeiro,

      e tudo isto quanto achou,

      um só Nunes arrastou,

      como se fora um Ribeiro.

4    Com tanto medo no rabo

      o levou com mil pesares

      a Justiça pelos ares,

      como se fora o diabo:

      achando-se já por cabo

      no mar entre mil cardumes,

      hoje faz muitos queixumes

      aos fratelos, e fratelas,

      de que tem dor de canelas,

      sem ninguém lhe dar ciúmes.

5    Sobre isto teima, e porfia

      da dor entre os desatinos,

      que com tão maus Teatinos

      não quer fazer companhia:

      que de noite, nem de dia

      há de ir aos homiziados,

      e a mais que venham soldados,

      antes ir preso se atreve

      do que por culpa tão leve

      sofrer brincos tão pesados.

6    Não remoqueia às escuras,

      mas diz muito claramente,

      que antes preso a uma corrente,

      que sofrer estas solturas:

      queixa-se em tais desventuras

      ao Surgião, e ao Barbeiro,

      dizendo por derradeiro

      lastimoso, e lastimado,

      que o chasco o tem tão picado,

      que lhe criara um unheiro.

7    Queixa-se de que a Mãe velha

      lhe nascesse nesta festa

      um bom corno sobre a testa

      como vaca, sendo ovelha:

      a Mãe como velha relha

      está sobre a testa inchada

      de praguejar tão cansada,

      que diz, que antes de morrer

      sobre o Lobinho há de ver

      a justiça, justiçada.

8    Curando-se o Filho estava,

      a casa se confundia,

      a crioula lhe carpia,

      e a tal velha praguejava:

      tudo em confusão andava,

      o ferido a se curar,

      a crioula a trabalhar,

      o Surgião a ir, e vir,

      toda a Justiça a se rir,

      quando a Velha a praguejar.

PINTURA GRACIOSA DE HUMA DAMA CORCOVADA.

1    Laura minha, o vosso amante

      não sabe, por mais que faz,

      quando ides para trás,

      nem quando para diante:

      olha-vos para o semblante,

      e vê no peito a cacunda,

      é força, que se confunda,

      pois olha para o espinhaço,

      e vendo segundo inchaço,

      o tem por cara segunda.

2    Com duas corcovas postas,

      que amante não duvidara,

      se tendes costas na cara,

      se trazeis a cara às costas:

      quem fizer sobre isso apostas,

      não é de as ganhar capaz,

      que a vista mais perspicaz

      nunca entre as confusas ramas

      vê, se as pás trazeis nas mamas,

      se as mamas trazeis nas pás.

3    Entre os demais serafins,

      que há ali de belezas raras,

      só vós tendes duas caras,

      e ambas elas mui ruins:

      quem vos for buscar os rins,

      que moram atrás do peito,

      nunca os há de achar a jeito,

      crendo, que adiante estão,

      com que sois mulher, que não

      tem avesso, nem direito.

4    Vindo para mim andando,

      cuido (como é cousa nova

      trazer no peito a corcova)

      que vos ides ausentando:

      cuido (estando-vos olhando

      no peito o corcoz tremendo)

      que às costas vos estou vendo:

      e porque vos vejo assim

      vir co'a giba para mim,

      que as costas me dais, entendo.

5    A vossa corcova rara

      deixe o peito livre, e cru,

      ou crerei, que é vosso cu

      parecido à vossa cara:

      e se acaso vos enfara

      dar-vos por tão verdadeira

      esta semelhante asneira,

      por mais que vos descontente,

      hei de crer, que é vossa frente

      irmã da vossa traseira.

6    Um bem tem vosso aleijão

      mui útil, a quem vos ama,

      e é, que haveis de dar na cama

      mais voltas do que um pião:

      se o pião de um só ferrão

      voltando em giros continos

      dá gostos tam peregrinos,

      vós pião de dois ferrões

      sereis sem comparações

      desenfado dos meninos.

VEM, QUE ESTOU PARA TAS DAR.

MOTE

Dá-mas, Mana, que tas dou,

que tas estou esperando,

mete-me a língua na boca,

enquanto tas estou dando.

1    Vem, que estou para tas dar,

      chega-te, vida, que morro,

      necessito de socorro,

      não me queiras acabar:

      estou já para estalar,

      não me ajudas, por quem sou?

      que para tas dar estou:

      pois que é isto? tanto tardas?

      acaba, vida, que aguardas?

      Dá-mas, Mana, que tas dou.

2    Meu coração, que me abraso,

      morro com tão lindo gosto,

      que em perigo me tem posto

      gosto de tão lindo vaso:

      vê, que se vem passo a passo

      estas lágrimas chegando:

      dize, meu bem, para quando,

      hão de ser? olha, que vem:

      acaba, dá-mas, meu bem,

      Que tas estou esperando.

3    Acrescenta o excessivo,

      para o gosto acrescentar,

      não queiras, vida, matar,

      a quem morre, estando vivo:

      e se em modo tão esquivo

      o gosto sempre se apouca,

      por que seja igual a troca,

      que fazemos neste caso,

      pois tens o membro no vaso,

      Mete-me a língua na boca.

4    Hás, pois, vida, de advertir

      que em modo tão sublimado

      se acha menos desmaiado,

      quem mais se deixa dormir:

      para mais tempo sentir,

      o que estamos trabalhando,

      quisera, vida, que quando

      me canso para tas dar,

      nunca quisera acabar,

      Enquanto tas estou dando.

DESCREVE O QUE LHE ACONTECEO EM S. GONÇALLO DO RIO VERMELHO

COM AVISTA DE HUMA DAMA FORMOSA, E BEM ADORNADA.

Fui à missa a São Gonçalo,

e nunca fora à tal missa,

que uma custa dous tostões,

e esta há de custar-me a vida.

Estava eu fora esperando,

que o Clérigo se revista,

quando pela igreja entrou

o sol numa serpentina.

Uma mulher, uma flor,

um Anjo, uma Paraninfa,

sol disfarçado em mulher,

e flor em Anjo mentida.

Fui ver a metamorfósis,

vi uma moça divina

ocasionada da cara,

quando arriscada de vista.

Onde tal risco se corre,

ou onde tanto se arrisca,

que menos se há de perder,

que a liberdade, e a vida.

Desde então fui seu cativo,

seu morto daquele dia,

e dentre ambos quis Amor,

que só o cativo Ihe sirva.

Serve o cativo talvez,

mortos não têm serventia,

e se tiver de matar-me

vanglória, o terei por dita.

Por entre a nuvem do manto,

que a luz própria então vencia,

às claras estive vendo

aquela estrela divina:

Aquele sol soberano,

que pela elítica via

de seu rosto anda fazendo

um solstício a cada vista.

Acabou-se a missa logo,

e foi a primeira missa,

que por breve me enfadou,

pois toda a vida a ouvira.

Foi-se para sua casa,

e eu a segui a uma vista,

passou o rio, e cobrou-se,

cheguei ao rio, e perdi-a.

Vi-a no monte, e Ihe fiz

co chapéu as despedidas,

e Ihe inculquei meu amor

por meio da cortesia.

Não tornei a São Gonçalo,

nem tornarei em meus dias,

que entre beleza, e adorno

todo o home ali periga.

APPLICA O POETA O CASO SEGUINTE A IGNACIO PISSARRO SENDO

APANHADO COM HUA MOÇA POR SEUS IRMÃOS.

MOTE

Maria mais o Moleiro,

tiveram certas razões,

Maria caiu-lhe a saia,

e ao Moleiro os calções.

Maria todos os dias

levava a moer o trigo:

vem o Moleiro inimigo

rapa-lho todo em maquias.

Tiveram certas porfias

andaram aos empuxões,

Maria caiu-lhe a saia,

e ao Moleiro os calções.

Maria escapou da briga,

mas logo no outro dia,

eis o Moleiro, e Maria

qual de cu, qual de barriga:

qual de baixo, qual de riba

jogaram os repelões,

Maria caiu-lhe a saia,

e ao Moleiro os calções.

Com tão grandes travessuras

Maria tanto esbofou,

que a candeia se apagou,

e ficaram às escuras:

ela cruzou logo as curvas,

e ele deu-lhe uns bofetões;

Maria caiu-lhe a saia

e o Moleiro os calções.

Em aperto tão urgente

tanto o Moleiro suou,

que a fralda em suor molhou,

não sei se é assim, ou se mente:

ela afirma que ele mente,

que era caldo dos culhões:

Maria caiu-lhe a saia,

e ao Moleiro os calções.

Mas por lograr a ocasião

quis o triste do Moleiro

levar a praça a dinheiro,

não à força do canhão:

puxou pelo seu bolsão,

e dando-lhe dous tostões

Maria caiu-lhe a saia

e ao Moleiro os calções.

Maria inda que cansada

gritava com tal pujança,

que acudiu a vizinhança

vendo tanta matinada:

mas vendo a luz apagada

cuidaram, que eram ladrões:

Maria caiu-lhe a saia

e ao Moleiro os calções.

Veio a luz num castiçal,

e sem temer maus agouros,

acham a Maria em couros,

ao Moleiro outro que tal:

ela a contar o seu mal

e ele a dar suas razões,

Maria caiu-lhe a saia

e ao Moleiro os calções.

DESCREVE METHAFORICAMENTE AS PERFEYÇÕES DE HUMA

DAMA PELOS NAYPES DA BARALHA.

Pelos naipes da baralha

vos faço, Nise, um retrato,

levantai, que eu dou as cartas.

Saiu de ouros. Vou trunfando.

Ouro é o vosso cabelo,

e de preço, e valor tanto,

que desse pêlo as manilhas

eu co'a espadilha não ganho.

A testa é de outro metal,

que na baralha não acho,

que muito, que me ganheis,

se jogais com naipes falsos.

Não acho em toda a baralha

o naipe de prata, salvo

copas: são copas de prata,

que à vossa testa comparo.

Os olhos são matadores,

verbi gratia, sota, e basto

com que me dais os capotes,

e com que vaza não faço.

Em vosso rosto o nariz

grande, nem pequeno o acho,

que isso é carta, que não joga,

e diz, se joga, eu me ganho.

Boca, e dentes são espadas

pelo risco, e pelo estrago,

que vão às almas fazendo,

se os ides desembainhando.

Os dous peitos, e a garganta

é um jogo soberano

de sota, cavalo, rei,

e garatusa com ganhos.

As mãos vós todas ganhais,

porque nas cartas pegando

todos os trunfos vos tocam,

e as minhas pintais em branco.

Para ser o vosso pé

não acho em todo o baralho

mais que o ás, que val um ponto,

como tem vosso sapato.

Porém a carta coberta,

que metem assaz picado,

eu vo-la direi depois,

que inda vou bruxuleado.

A D. MARTHA SOBRAL QUE SENDOLHE PEDIDA DO POETA HUMA ARROBA DE

CARNE DE HUMA REZ, QUE MATÁRA, RESPONDEO, QUE LHA FOSSE TIRAR DO

OLHO DO CU.

Ó tu, ó mil vezes tu,

que se uma arroba de vaca

te pedia, és tão velhaca,

que me ofreces do teu cu:

essa carne a Berzabu

a devias dar em pó,

a mim não, porque em meu pró

não me atrevo a escolher

nem teu cu pelo feder,

nem pelo podre o teu có.

A HUM CABRA DA INDIA QUE SE AGARRAVA À ESTA MARTHA VIVENDO

DE ENGANAR POR FEYTICEYRO À SUAS ESCRAVAS, E A OUTRAS.

Veio da infernal masmorra

 um cabra, que tudo cura,

 às Mulatas dá ventura,

 aos homens aumenta a porra:

 acudiu toda a cachorra

 e tratar do seu conchego,

 e o cabra pelo pespego,

 tanto a todos melhorou,

 que aos amigos lhes deixou

 as porras com seu refego.

Tanto cada qual se estira

nos refegos, que trazia,

que nos canos parecia

óculo de longa mira:

porém a mim não me admira,

que esta, e aquela putinha

desse a saia, e a vasquinha

pela cura, e pelo enredo,

senão que rompa o segredo

para perder a mezinha.

O Cura soube da cura,

e ao céu levantando as palmas

disse, que em curar as almas

ele somente era o Cura:

e porque de acusar jura

ao cabra das pataratas,

e em conseqüência às Mulatas,

elas ao Cura temeram,

e como a cura perderam,

ficaram muito malatas.

Sobre isto houve matinadas,

fostes vós, e não fui eu,

o cabra a vida perdeu,

e elas estão mal curadas:

as porras acrescentadas

estão na sua medida,

a meizinha está perdida,

o dinheiro se gastou,

e porque Chica falou,

anda de medo fugida.

Houve grande desafio

do sítio para a Catala,

na Antonica não se fala,

que enfim foi Moça de brio:

viu-se pendente de um fio

quase a Cajaíba toda,

e o que a mim mais me acomoda,

é, que vão durando as rinhas,

e arranhem-se as Mulatinhas

sobre a questão de uma foda.

A Custódia, e Antonica

se matam, porque se invejam,

sobre mais, ou menos pica:

o que a medicina aplica

ao mal da fodengaria

é, que a cada uma o seu dia

se dê para pespegar,

porque saibam conjugar

tu fodias, e eu fodia.

MORTO O CABRA LHE FAZ O POETA O TESTAMENTO

NA MANEYRA SEGUINTE.

Eu Pedro Cabra da Índia,

que me sinto morrer já

de uma doença, que Deus

foi servido de me dar:

Não sabendo a hora certa,

em que Deus me levará,

se é possível, que Deus leve

um feiticeiro infernal:

Posto à gineta na cama

se é cama uma cama tal

feita de tábua, e tabua

uma dura, outra molar:

Em meu perfeito juízo,

que Deus me deu tal, ou qual

faço este meu testamento

solene de se contar.

Primeiramente declaro,

que sou Cabra oriental

filho da Igreja Romana

por cerimônia não mais.

Creio na Trindade Santa,

porém creio muito mais

na trindade das Mulatas

de Dona Marta Sobral:

Nas quais espero salvar-me

principalmente na Irmã

mais velha, que chamam Quita,

que é jangada universal.

Deixo muito encomendado

ao Vigário do lugar,

que não me enterre em sagrado,

que interdito ficará.

Não porque vá excomungado

por bula alguma papal,

pois sempre vivi faminto

de papas, e cardeais.

Não mais quero, que me enterrem

na Igreja paroquial,

porque fico muito perto

da quatrinca cavalar.

E temo, que à meia-noite

me venham desenterrar

este miserável corpo

com unhas, e com queixais.

Este miserável corpo,

que sendo tão natural,

querem, que seja feitiço,

e feitiço há de ficar.

Com que uma, e mil vezes peço

ao Cura, que é tão sagaz,

pois hão de fazê-lo em caldos,

que o mande lançar ao mar.

Lá o comam caranguejos,

que ver será menos mal

um homem nos caranguejos,

que os homens caranguejar.

E se enfeitiçar os peixes,

comendo o meu rosalgar,

com peixes enfeitiçados

que mal às Quitas irá.

Ao primeiro piscar de olho

os mandará Quita entrar,

e o que não deitar consigo

ao menos o escamará.

A casa se verá farta,

e de sorte abundará,

que descanse a Cajaíba,

e as negras de mariscar.

Irá crescendo nas honras

Mandu caraça, que já

se jacta de ter cunhado

tão fidalgo, e tão galã.

Porque me dizem, que diz,

muito devo à minha Irmã,

que se dorme cum fidalgo

só por mais me autorizar.

Não serei vil pescador,

ninguém me verá jamais

sobre a proa em ceroulinhas

desonrando tais Irmãs.

Mil honras devo a Marana,

que se veio amancebar

no segundo ano de puta

cum fidalgo principal.

Outro tanto devo a Quita,

que lhe soube aconselhar,

ensinando-lhe os maneios,

de que é mestra, e capataz.

E a boa da rapariga

(muito pode o natural)

sendo um ranho, uma criança

saiu puta singular.

Tal conta se tem consigo

que sabe as noites contar,

em que Ihe falta a ração,

e um pleito por ela faz.

Mete lhe a mão na barguilha

ao mano, que dorme já,

e quer queira, quer não queira,

a tamina há de pagar.

Sobre isto há muita galhofa,

que (bendito Deus) tem já,

Marana tanta gracinha,

que aos mortos enfadará.

Mas tornando ao testamento,

que me importa já acabar,

porque anda a morte de ronda

com mil demônios atrás:

Quero herdeiro instituir,

pois sei, que não valerá

sem instituição de herdeiro,

conforme o Maranta o traz.

Instituo a Quita enfim

por herdeiro universal

dos móveis e das raízes,

que ganhei com Satanás.

O meu cabaço das ervas

cumbuca de carimá,

a tigela dos angus,

o tacho de aferventar.

O surrão de pele d'Onça,

que tudo cheio achará

de cousas mil importantes

para ventura ganhar.

O braço de um enforcado,

dous dentes, quatro queixais,

buço de Lobo marinho,

sangue de Pomba trocás:

Um olho de galo preto,

cabo de touro negral,

as enxúndias da raposa,

a caquinha de um rapaz,

Mijo de velha roupeira,

ramela do lagrimal

de Negro torto, e cambaio,

Tinharós, e Mangará.

Que tudo isso val um Reino,

se o souber aferventar

nas noites de São João

por adros, e por quintais:

Na forma, que Ihe ensinei,

quando me vinha chupar

a pica todas as noites,

té que vinha arrebentar.

Quando a pica me chupava,

e Antonica por detrás

nos companheiros pegava

para o cano endireitar,

Marana se punha a rir,

mas tratava de ajudar

a Antonica, se cansava

co peso dos dous quintais.

E quando entrava Isabel,

como sentia cheirar

o fervedouro das ervas,

que no fogareiro está:

como é gulosa de tudo,

quanto aos outros vê mascar,

Ihe dava com seu remoque,

que belo, e que lindo está.

Como embruxado acabei,

chupado pelo canal,

sendo um cabra tão mirrado,

que não tinha, que chupar.

Mas eu Ihe perdôo a Quita,

porque me quero salvar,

e porque como aprendia,

chupava, que chuparás.

A minha benção Ihe deixo,

e a encomenda a Barrabás,

que a tenha na sua graça

para seu gozo alcançar.

Com isso tenho acabado

meu testamento, e me apraz,

que mo cumpra inteiramente

minha herdeira universal.

A DUAS IRMÃS TAMBEM PARDAS DE IGUAL FORMOSURA.

Altercaram-se em questão

Teresa com Mariquita

sobre qual é mais bonita,

se Teresa, se Assunção:

eu tomo por conclusão

nesta questão altercada,

que Assunção é mais rasgada,

e Teresa mais sisuda,

e se houver, quem a sacuda,

verá a conclusão provada.

Se Teresa é mui bonita

Mulata guapa, e bizarra,

com mui bom ar se desgarra

a mestiça Mariquita:

ninguém a uma, e outra quita

serem lindíssimas ambas,

e o Cupido, que d'entrambas

quiser escolher a sua,

escolha, vendo-as na rua,

que eu para mim quero ambas.

As Putas desta cidade,

ainda as que são mais belas,

não são nada diante delas,

são bazófia da beldade:

são patarata em verdade,

se já verdade em pataratas,

porque Brancas, e Mulatas,

Mestiças, Cabras, e Angolas

são azeviche em parolas,

e as duas são duas pratas.

Jamais amanhece o dia,

porque sai a Aurora bela,

senão porque na janela

se põem Teresa, e Maria:

uma manhã, em que ardia

o sol em luzes divinas,

pelas horas matutinas

eu vi Teresa assistir,

ensinando-a a luzir

como mestra de meninas.

FRETEI-ME CO'A TINTUREIRA.

MOTE

Duas horas o caralho

Fretei-me cota tintureira,

mas dizem os camaradas,

que peca pelas estradas,

porque é puta caminheira:

fui contudo à capoeira,

porque faminto do alho

quis dar de comer ao malho:

mas vi-lhe o cono tão mau,

que tive como mingau

Duas horas o caralho.

A HUMA PENDENCIA QUE TIVERAM DOUS AMANTES A VISTA DA

DAMA JUNTO AO CONVENTO DE S. FRANCISCO.

Dizem, que muito elevado

um amante se ostentava,

quando se considerava

ver-se de uma Flor amado:

eis que chega um disfarçado

com passo tão desumano,

ferra a gávea, larga o pano,

vem chegando sorrateiro,

vai-se ao patacho veleiro,

emprega nele seu dano.

Pego na escota co'a mão,

e bem fora de notar,

que na mão quis demostrar,

o quanto deve ao Sansão:

correu, é clara questão

este Adônis desdichado

e vendo o Sansão deixado

o posto, se retirou,

quando Sansão golpeou

o dedo do assinalado.

E vendo-se desta sorte

ferido o triste Zagal

não pôde executar mal,

porque teme o triste a morte:

chegando então Pedro forte

deixa o capote sem tento,

corre à popa sem ter vento,

porque no porto, claro é,

que lhe ficava um guiné

carregando mantimento.

Perico então se prepara

com pedras, que já trazia,

e cuidando o estendia,

ao Sansão pedras dispara:

as pedras Sansão repara,

e delas sendo livrado

em ira, e raiva abrasado

vem co'a espada o criolete

rompe-lhe o casco ao casquete,

rompe o frisão ao frisado.

O Adônis, que no seu posto

deixou vigia de espaço

correu com grande trespasso,

e co'a vergonha no rosto:

o guiné com seu desgosto

vendo-se tão assombrado,

das pedras desamparado,

e o companheiro ferido

mostra estar arrependido

por se ver bem castigado.

Já perdido, e envergonhado

corre com tal ligeireza

dizendo, que com presteza

ia buscar o traçado:

porém bem considerado

era medo tudo isto,

porque a morte tinha visto

naquela espada tão feia,

cuidando por não ter ceia,

iria cear com Cristo.

Chega à casa o beberrica,

e com a espada se amaina,

lança mão da tarantaina,

para espeto cousa rica:

estava em casa Joanica,

e vendo-o isto fazer

lhe diz, tu podes morrer,

meu bem, com essa ferida,

e sem ti, que és minha vida,

como poderei viver?

Porém Pedro resoluto

não ouviu rogos de Joana,

porque com raiva inumana

saiu como um forte bruto:

o Sansão como era astuto,

foi-se sem ver o tal Cão,

e Pedro como asneirão

o que quer põe-se a dizer,

que um Sansão era em poder,

Pedro no ralho um Sansão.

O Adônis como temia,

se pôs de largo a escutar,

e se vamos a falar,

do canto fez a vigia:

e sem saber quem seria,

se ocultou, e claro é,

que não chegava, porque

o tal vulto ali estava,

e de muito não fiava

o primor do seu Guiné.

A Vênus, que da janela

tinha tudo bem notado

chorava o seu desgraçado

por largar aos pés a vela:

com pesares se arrepela

chora, geme, e se entristece,

e quanto mais se enfraquece

com dores pelo galante,

então deveras amante

com acidentes fenece.

Mas ao depois conhecendo

o Adônis o seu Guiné

em fé, que Sansão não é,

chega-se a ele, dizendo:

meu amigo, estou tremendo,

de Sansão estou ferido

de forças enfraquecido,

pois escapei-lhe fugindo,

e inda agora estou sentindo

daqui o ficar despido.

Careci de língua, e voz

para o caso referir,

que sendo digno de rir,

foi caso tremendo, e atroz:

porém peço, que entre nós

este sucesso feneça,

pois não quero se entristeça

a Dama com tais abalos

pois fizeram três cavalos

o seu jogo de trapeça.

COM CACHOPINHA DE GOSTO.

MOTE

As excelências do cono

é ser bem grande, e papudo

apertado, bordas grossas,

chupão, enxuto, e carnudo.

Com cachopinha de gosto

em cama de bom colchão,

nos peitinhos posta a mão,

e o pé no fincapé posto:

ajuntar rosto com rosto,

dormir um homem seu sono,

acordar, calcar-lhe o mono

já quase ao gorgolejar,

então é o ponderar

As excelências do cono.

Eu na minha opinião,

segundo o meu parecer,

digo, que não há foder,

senão cono de enchemão:

porque um homem com Sezão,

inda sendo caralhudo,

meterá culhões, e tudo,

e assim mostra a experiência,

que do cono a excelência

É ser bem grande, e papudo.

É também conveniente,

que não tenha o parrameiro

a nota de ser traseiro,

e que seja um tanto quente:

que às vezes mui facilmente

são tais as misérias nossas,

que havemos mister as moças

para regalo da pica

com cono de pouca crica,

Apertado, bordas grossas.

Mas a maior regalia,

que no cono se há de achar,

para que possa levar

dos conos a primazia

(este ponto me esquecia)

para ser perfeito em tudo,

é nunca se achar barbudo,

por dar bom gosto ao foder,

como também deve ser

Chupão, enxuto, e carnudo.

A CERTO HOMEM QUE ESTANDO COM HUMA DAMA À NÃO DORMIO, POR VlR

HUMA LUZ NESSA OCCASIÃO FICANDOSE COM HUM ANEL DA MESMA DAMA.

Amigo, a quem não conheço,

inda que amigo vos chame,

pois no desar, com que amo,

a vós tanto me pareço:

bem alcanço, e reconheço,

qual é a força do destino,

mas se o desar mais mofino

estorva a luz da razão,

como a luz de um lampião

perdeis da ventura o tino.

Não duvido, que sejais

avechucho de Noruega,

se mostrais, que a luz vos cega,

perdendo, o que à luz buscais:

ave noturna cortais

a sombra mais denegrida,

e à luz, que é vossa homicida,

perdeis (estranho rigor)

emprego, dama e favor,

esperança, amor, e vida?

Que Madama, ou que Senhora

tendes tão pouco brilhante,

se vemos, que todo o amante

sua Dama é sua aurora?

eu cuidava, que na hora,

que um amante a Dama via,

nessa hora Ihe amanhecia;

e a vossa Dama chegou,

mas nem tocar-se deixou,

por falta da luz do dia.

É verdade, que a candeia

rompeu da noite o capuz,

mas dai-vos ao demo a luz,

que estorva, e não alumeia:

dai ao demo a luz, que ateia

para o dano vos urdir;

a luz sirva de luzir,

e não sirva de estorvar,

luza para alumiar,

e não para descobrir.

E se a luz o véu noturno

rompeu por vos dar na treta,

de Vênus não foi cometa,

foi influxo de Saturno:

se de um Planeta diurno

raio de luz campeara,

nem gostos vos estorvara,

em, quem éreis, descobrira,

mas a Moça se enxerira,

e algo mais se beliscara.

E seu dono, que aguardava,

qua vigia sempiterna,

não vira à luz da lenterna,

se ela vinha, ou se ficava:

e enquanto se apolegava

essa pêra mal madura,

assim pela noite escura

ficara a Moça sincera

derretida como cera,

batida como costura.

Mas vós sobre tanto anelo

ficastes em tal desdouro

com anel, que se era de ouro,

era anel do seu cabelo:

quis pagar-vos o desvelo

de perder aquela glória

tão breve, e tão transitória,

e porque lembre o sucesso

tão infausto, e tão avesso,

vo-lo deixou na memória.

Vós a prenda recebestes,

e vendo a perda tão clara

da Luz, que vos desgostara,

por ela vos esquecestes:

qual mercador vos houvestes,

e faltastes na verdade

do amor a sinceridade,

pois a Moça não lograstes,

e a memória Ihe tomastes

em desconto da vontade.

ASSUMPTO QUE HUMA DAMA MANDOU AO POETA.

Quisera, Senhor Doutor

uma informação, e é,

que me deram junto ao que

(do cu dissera melhor)

um golpe de tal rigor,

que passo mui maltratada

por me ver ali cortada:

quero me mande dizer

que remédio pode ter

junto do cu cutilada.

Anda aqui um Surgião

Fulano Lopes Monteiro,

que dizem para o traseiro

tem ele mui boa mão:

quisera saber então,

pois vivo tão desviada,

e como serei curada

por uma sua receita,

ficando sempre sujeita

a Dama da cutilada.

RESPOSTA DO POETA

Senhora Dona formosa

li a de vossa mercê

com a cutilada, que

a traz tanto desgostosa.

a ferida é mui danosa,

e não é para cheirada,

traga-a sempre abotoada,

que é, o que mais Ihe convém,

pois nunca curou ninguém

junto do cu cutilada.

Vi sarar dez mil feridas,

e muitas tão desestradas,

que por serem bem rasgadas,

Ihes chamavam desabridas:

sarar cabeças fendidas,

toda uma cara amassada,

rota uma perna, e escalada,

um braço, e outra cousa assi,

porém sarar nunca vi

junto do cu cutilada.

Causa grande admiração,

como em tal parte a cascou,

só se dormindo a apanhou,

ou estirada no chão:

esta é minha presunção,

que para ali ser cortada

devia estar estirada

com as pernas para o ar,

quando Ihe foram cascar

junto do cu cutilada.

Mas se estava conversando

zainamente, e par a par,

deviam de lha cascar

a barriga assovelhando:

que por juntas lhas meter

uma, e outra punhalada

teve a mão tão assentada,

que o contrário resvelando

de muitas veio a fazer

junto do cu cutilada.

Há feridas do diabo,

e de si muito nojentas,

porém as mais fedorentas

são, as que estão junto ao rabo:

eu tal ferida não gabo

por ser em parte arriscada,

que em que seja seringada,

como a parte é tão reimosa,

e sempre mui perigosa

junto do cu cutilada.

Algumas vezes curei

com ovos tão grandalhões,

que pareciam culhões,

mas debalde me cansei:

com mecha lhos encaixei,

que entrava tão ajustada,

que ia algum tanto apertada:

mas era cansar-me em vão,

porque ovos não curam não

junto do cu cutilada.

Toda a ferida se ajunta:

porém esta, que se afasta,

é ferida de má casta,

que mesmo se desconjunta:

o óleo, com que se unta,

tenho por cousa baldada,

que como não é ligada

a cura na parte bem,

não pode sarar também

junto do cu cutilada.

Para se poder curar,

hão de se as pernas abrir:

começando a dividir

como se pode soldar?

também devem reparar,

que vai dentro prefundada,

e se não for seringada,

também pode apodrecer:

pois que remédio há de ter

junto do cu cutilada?

Tenho dito em português,

que se não pode curar,

inda que se esgote amar

porque não falo francês:

a ferida que se fez,

é em tão má parte dada,

que toda a cura é baldada,

e assim digo em conclusão,

que não há, quem cure não

junto do cu cutilada.

Mas eu tenho para mim,

para que dela não morra,

que Ihe unte sebo de porra,

ou sumo de parati:

porque já enferma vi

com semelhante golpada

ficar muito consolada,

que a experiência mostrou,

que curar ninguém tratou

junto do cu cutilada.

RETRATO DO RICO FEYTIO DE HUM CELEBRE GREGORIO DE NEGREYROS,

COM QUEM GRACEJAVA O POETA, E EM QUEM MUYTAS VEZES FALLA.

Eu vos retrato, Gregório,

desde a cabeça à tamanca

cum pincel esfarrapado

numa pobríssima tábua.

Tão pobre é vossa gadelha,

que nem de lêndeas é farta,

e inda que cheia de anéis,

são anéis de piaçaba.

Vossa cara é tão estreita,

tão faminta, e apertada,

que dá inveja aos Buçacos,

e que entender às Tebaidas.

Tendes dous dedos de testa,

porque da testa a fachada

quis Deus, e a vossa miséria,

que não chegue à polegada.

Os olhos dous ermitães,

que numa lôbrega estância

sempre fazem penitância

nas grutas da vossa cara.

Dous arcos quiseram ser

as sobrancelhas, mas para

os dous arcos se acabarem

até de pêlo houve faltas.

Vosso pai vos amassou,

porém com miséria tanta,

que temeu a natureza,

que algum membro vos faltara.

Deu-vos tão curto o nariz,

que parece uma migalha,

e no tempo dos catarros

para assoar-vos não basta.

Vós devíeis de ser feito

no tempo, em que a lua anda

pobríssima já de luz,

correndo a minguante quarta.

Pareceis homem meminho,

como o meminho da palma,

o mais pequeno na rua,

e o mais pobrezinho em casa.

Vamos aos vossos vestidos,

e pequenos na cassaca

com tento, porque sem tento

a leva qualquer palavra.

Anda tão rota, Senhor,

que tenho por cousa clara,

que no tribunal da Rota

de Roma está sentenciada.

A vossa grande pobreza

para perpétua lembrança

dedico a de Manuel Trapo,

que foi no mundo afamada.

AO NASCIMENTO DE HUMA MENINA QUE SE DIZIA SER FILHA DE JOAN DE

MORALEZ CASTELHANO AMIGO DO POETA FEZ SILVESTRE CARDOZO UNS DESCONCERTADOS VERSOS, AO QUE O POETA FEZ ESTAS DÉCIMAS

Compôs Silvestre Cardoso

um poema esta manhã,

e era assunto a Moná

nascida ao Morais Famoso:

por ser o verso jocoso,

foi festejado em verdade

com toda a celebridade

e não deixei de notar,

que sendo o Pai secular

folgou co'a paternidade.

A um Pai qualquer filho enguiça

se a Mãe puta Ihe imputou

e o Morais esta aceitou

só por crédito da piça:

que como o mal se Ihe atiça

e é de tão mau navegar,

que sempre anda a bordejar:

aceitou a filha parda

por mostrar, que da mãe sarda

soube o golfo penetrar.

Pela conta da cartilha

ficou verdadeira a Mãe;

Pasquinha ficou com Pai,

e o Morais ficou com filha:

todos nós os da quadrilha

ficamos de par em par,

Pissaro a zombetear,

e eu a pasmar, e aplaudir

Morais a rir, e mais rir,

Silvestre a nos suportar.

NÃO PODIA O POETA LEVAR EM CAPELLO O CONTINUADO MENTIR

DESTE SILVESTRE CARDOZO, E POR ISSO O SACODE AGORA.

MOTE

Em qualquer risco de mar

quereis, Silvestre, ser Ema;

se a Ema no mar não rema,

como vos hei de salvar?

Sois Silvestre tão manemo,

tão cagão, e tão coitado,

que antes que branco afogado,

desejais ser negro Emo:

se ao Emo Ihe falta o remo

da pata para nadar,

quem se não há de espantar,

de ver, que um branco indiscreto

se passe de branco a preto

Em qualquer Risco de mar.

As Emas no mar não vogam,

que não são patos modernos,

os pretos não são eternos,

as aves também se afogam:

logo como assim avogam

à divindade suprema

vossos ais com tanto emblema,

e virando o papa-figo

para livrar do perigo

Quereis, Silvestre, ser Ema.

Nesta heresia tão crassa

deu Pitágoras gentil,

crendo, que a alma é tão vil,

que de um corpo a outro passa:

a vossa sim tem mais graça,

porque é asneira da gema:

senão vede o entimema,

como trocais em tal calma

em Ema o corpo, e a alma,

Se a Ema no mar não rema.

Sendo erro o transmigrar-se

(como Pitágoras disse)

a alma é grã parvoíce

alma, e corpo transmutar-se:

e se deve condenar-se

alma, e corpo transmigrar,

e vós vos possais trocar

em Ema, isso nada voga,

porque se a Ema se afoga,

Como vos heis de salvar?

AO MESMO SUGEYTO NÃO SÓ POR MENTIR MUYTO, MAS TAMBEM POR

NEGAR HUMA FORNICAÇÃO, EM QUE FOY VISTO COM HUA NEGRA.

Viu-vos o vosso Parente

numa moita fornicando,

e vós o caso negando

sois Pedro Silvestremente:

vós mentis, ou ele mente

dizendo a verdade pura:

vós estáveis na espessura,

onde a Negra vos espera,

e onde vos viram, ou era

o demo em vossa figura.

Já por vosso menoscabo

depois de injúrias tamanhas

dizem das vossas entranhas,

que é morada do diabo:

porque no cabo, ou no rabo

me dizia o coração,

que se há demo fodinchão,

havendo o tal de foder,

não podia tal fazer,

senão com vosso pismão.

Não sei, que menos torpeza

a vossa torpeza rara

acha na moita mais clara,

que na moita mais espessa:

tudo é foder à montesa,

e não tendes, que dizer,

replicar, nem defender,

que aqui foi, e não ali,

porque seja ali, ou aqui,

Silvestre, tudo é foder.

Se mudais de situação

não mais que por concluir,

em que anda sempre a mentir

vosso parente Fuão:

eu vos digo em conclusão,

que o tirardes a cassaca,

e abaixar-se-vos à taca

(como diz vosso Parente)

tudo é sinal evidente,

de que sois o autor da caca.

A PROPENÇÃO COM QUE ESTE SILVESTRE CARDOZO

SEMPRE QUERIA IMITAR O PEYOR.

Senhor Silvestre Cardoso,

só eu invejar sei bem

a inveja, que aqui vos tem

a esse membro façanhoso:

vosso Primo de invejoso

tanto o abate, e quebranta,

que isso a todos nos espanta,

pois quando a mentira encaixa,

como de falso o abaixa,

ele é, quem vo-lo levanta.

Diz, que Cristina jurou,

que se vos não levantara,

vós dizeis, que alguém tomara,

levar, o que ela levou:

e eu, que tão perplexo estou

entre crer, e duvidar,

quero levar, e apostar,

que tal não levou Cristina,

porque se acabe a contina

de alguém tomara levar.

Se vos põem algum defeito,

costumais logo dizer:

isso vi eu suceder

em tal parte a tal sujeito:

dai ao demo esse conceito,

que a alheia imperfeição

é triste consolação;

porque o amigo, ou parente

é como vós tão doente,

ficais vós acaso são?

Não vos mova a desairado

o mal daquele, e defeito:

tratai vós de andar direito,

e ande o mundo corcovado:

o mau exemplo estampado

no bronze, jaspe, ou história

o seu fim, e a sua glória

não é para se imitar,

senão para o desterrar

pelo escarmento a memória.

Vós toda a falta inquiris.

e em a chegando a saber

em vez de a aborrecer,

correntemente a seguis:

se a vossa má sorte quis,

que fôsseis, do que é pior

um perpétuo imitador,

e tendes habilidade

para imitar a maldade,

não é a virtude melhor?

E se o alheio se não

tomais por vossa desculpa,

quando vo-la dão em culpa,

até isso é imitação:

desculpai-vos co'a razão,

se a tendes para emprendê-lo,

se não calá-lo, e sofrê-lo,

porque geralmente dito,

do pecado, e do delito

a desculpa é não fazê-lo.

Verbi gratia uma senhora

cativa do coadjutor,

que nos trabalhos de amor

hoje é vossa coadjutora:

porque a bateis cada hora

com tanto afã, e canseira

no pasto, praia, e ladeira,

para que heis de publicar,

que vos não deixa parar,

porque é grande bolideira?

Este excesso tão insano

será acaso menos grave,

para que menos agrave,

porque o mesmo fez Fulano?

não: que fora entonces Ihano

poderdes herege arder,

porque Lutero o quis ser:

poderdes ser um Mafoma,

poderdes ser um Sodoma,

tendo, a quem vos parecer.

Ter sucedido o delito,

haver-se feito o pecado,

não faz, que esteja acabado

seu rencor, ou já prescrito:

antes um, e outro aflito

co'a pena, que se lhe pôs

pelo seu delito atroz,

faz a esses, que imitáveis

homens irremediáveis,

e incorrigível a vós.

Este amoroso vexame

vos dá um amigo, e aplica,

que não queirais não, que implica,

que vos censure, e vos ame:

antes, porque o mundo aclame

o zelo, com que me atrevo,

vendo, que nada relevo,

a quem devo obrigações,

vos mostro nestas razões,

que assim pago, o que vos devo.

À NEGRA MARGARIDA, QUE ACARIAVA HUM MULATO CHAMANDOLHE SENHOR

COM DEMAZIADA PERMISSÃO DELLE.

Carina, que acariais

aquele Senhor José

ontem tanga de guiné,

hoje Senhor de Cascais:

vós, e outras catingas mais,

outros cães, e outras cadelas

amais tanto as parentelas,

que imagina o vosso amor,

que em chamando ao cão Senhor

Ihe dourais suas mazelas.

Longe vá o mau agouro;

tirai-vos desse furor,

que o negro não toma cor,

e menos tomará ouro:

quem nasceu de negro couro,

sempre a pintura o respeita

tanto, que nunca o enfeita

de outra cor, pois fora aborto,

é, como quem nasceu torto,

que tarde, ou nunca endireita.

A nenhum cão chamais tal,

Senhor ao cão? isso não:

que o Senhor é perfeição,

e o cão é perro neutral:

do dilúvio universal

a esta parte, que é

desde o tempo de Noé,

gerou Cão filho maldito

negros de Guiné, e Egito,

que os brancos gerou Jafé.

Gerou o maldito Cão

não só negros negregados,

mas como amaldiçoados

sujeitos à escravidão:

ficou todo o canzarrão

sujeito a ser nosso servo

por maldito, e por protervo;

e o forro, que inchar se quer,

não pode deixar de ser

dos nossos cativos nervo.

Os que no direito expertos

penetram termos tão finos,

bem sabem, que os libertinos

distam muito dos libertos:

se há brancos tão inexpertos,

que dão benignos, ou bravos

alforrias por agravos:

os que destes são nascidos,

por libertinos são tidos,

porém são filhos de escravos.

O filho da minha escrava,

e dos meus vizinhos velhos,

que eu vejo pelos artelhos,

que ontem soltaram da trava;

porque tanto se deprava

com tal brio, e pundonor,

que quer Ihe chamem Senhor:

se consta o seu senhorio

de um bananal regadio,

que cavou com seu suor!

E se são justos os brios

daqueles, que escravos têm,

nisso a mor baixeza vêm,

pois têm por servos seu tios:

e se algum com desvarios

diz, que o ter por natural

sangue de branco o faz tal,

nisso a condenar-se vêm,

porque se o branco faz bem,

como o negro não faz mal?

Tomem de leite um cabaço,

lancem-lhe um golpe de tinta,

a brancura fica extinta,

todo o leite sujo, e baço:

assim sucede ao madraço,

que com a negra se tranca;

do branco o leite se arranca,

da negra a tinta se entorna,

o leite negro se torna,

e a tinta não se faz branca.

Mas tornando a vós, Carira,

que ao negro Senhor chamais,

porque é Senhor de Cascais,

quando vos casca, e atira:

crede, amiga, que é mentira

ser branco um negro da Mina,

nem vós sejais tão menina,

que creiais, que ele não crê,

que é negro, pois sempre vê

em casa a mãe Caterina.

Dizei ao Vosso Senhor

entre um, e outro carinho,

que o negro do seu focinho

é cor, que não toma cor:

e que dê graças a Amor

que vos pôs os olhos tortos

para não ver tais abortos,

mas que há de esbrugar mantenha

daqui até que Deus venha

julgar os vivos, e mortos.

O HOMEM MAIS A MULHER.

MOTE

O cono é fortaleza,

o caralho é capitão,

os culhões são bombardeiros

o pentelho é o murrão.

O homem mais a mulher

guerra entre si publicaram,

porque depois que pecaram,

um a outro se malquer:

e como é de fraco ser

a mulher por natureza,

por sair bem desta empresa,

disse, que donde em rigor

o caralho é batedor,

O cono é fortaleza.

Neste Forte recolhidos

há mil soldados armados

à custa de amor soldados,

e à força de amor rendidos:

soldados tão escolhidos,

que o General disse então,

de membros de opinião,

que assistem com tanto abono

na fortaleza do cono,

O caralho é capitão.

Aquartelaram-se então

com seu capitão caralho

todos no quartel do alho,

guarita do cricalhão:

e porque na ocasião

haviam de ir por primeiros,

além dos arcabuzeiros

os bombardeiros, se disse,

do que serve esta parvoíce?

Os culhões são bombardeiros.

Marchando por um atalho

este exército das picas,

toda a campanha das cricas

se descobriu de um carvalho:

quando o capitão caralho

mandou disparar então

ao bombardeiro culhão,

que se achou sem bota-fogo,

porém gritou-se-lhe logo,

O Pentelho é o murrão.

NAMOROU-SE DO BOM AR DE HUMA CRIOLLINHA CHAMADA CIPRIANA,

OU SUPUPEMA, E LHE FAZ O SEGUINTE ROMANCE.

Crioula da minha vida,

Supupema da minha alma,

bonita como umas flores,

e alegre como umas páscoas.

Não sei que feitiço é este,

que tens nessa linda cara,

a gracinha, com que ris,

a esperteza, com que falas.

O Garbo, com que te moves,

o donaire, com que andas,

o asseio, com que te vestes,

e o pico, com que te amanhas.

Tem-me tão enfeitiçado,

que a bom partido tomara

curar-me por tuas mãos,

sendo tu, a que me matas.

Mas não te espante o remédio,

porque na víbora se acha

o veneno na cabeça,

de que se faz a triaga.

A tua cara é veneno,

que me traz enfeitiçada

esta alma, que por ti morre,

por ti morre, e nunca acaba.

Não acaba, porque é justo,

que passe as amargas ânsias

de te ver zombar de mim,

que a ser mono não zombaras.

Tão infeliz sou contigo,

que a fim de que te agradara,

fora o Bagre, e fora o Negro,

que tinha as pernas inchadas.

Claro está, que não sou negro,

que a sê-lo tu me buscaras;

nunca meu Pai me fizera

branco de cagucho, e cara.

Mas não deixas de querer-me,

porque sou branco de casta,

que se me tens cativado,

sou teu negro, e teu canalha.

DESCREVE AGORA O POETA, COMO OBRIGÀRAM HUM SUGEYTO A CASAR

COM HUMA MOÇA, TENDO DADO HUNS PONTOS NO VAZO PARA SE FINGIR

DONZELLA.

Casou Filipa rapada

com o Guapo do lugar,

e porque quis bem casar,

ficou arto mal casada:

hoje é a mal maridada

do sítio de São Francisco,

porque o Guapo vendo o risco,

que seu crédito corria,

em vez de dar-lhe a maquia

se contentou cum belisco.

Que não consumou, se fala,

porque o Noivo em tanta glória

se pôs fraco de memória,

e esqueceu-lhe a cavalgá-la:

a Noiva fez disto gala,

porque ficou co'a honrinha,

e ele diz, que assim convinha:

porque se um homem de bem

não tira a honra a ninguém,

menos a quem a não tinha.

Ele está mui arriscado

a um sucesso infeliz,

porque o que dele se diz,

é, que o tinha bem provado:

a mim me não dá cuidado

ver, que o Noivo consentiu,

porque se a Noiva dormiu,

e diz, que o há de provar,

se cumpriu, hei de eu mostrar,

que já provou, e cumpriu.

Fez o Noivo às carreirinhas

uma airosa retirada,

vendo estar fortificada

a praça com tantas linhas:

mas eu já por contas minhas

tenho a maranha entendida,

e é, que o Noivo em sua vida

não quis, que o Povo malvado

dissesse, que andava assado

por uma mulher cozida.

Se coseu o berbigão,

como diz a gente toda,

muito a Moça me acomoda

para arrais de um galeão:

porque se a sua intenção

foi acaso em tanta bulha

meter (fora vá de pulha)

uma fragata alterosa

por barra tão perigosa

é, que se fiou na agulha.

O Noivo se veio embora,

e ela chora, ao que eu creio,

porque o Noivo se não veio,

não entendo esta Senhora:

mas o que se teme agora,

é, que um dos Cunhados mande,

que o pleito vá a Roma, e ande;

eu não sei, que demo o toma,

pois quer, que passe por Roma

mulher de nariz tão grande.

DUAS MULATAS QUE INDO A FESTA DE SAM CAETANO SE LHE

QUEBRÀRAM AS CORDAS DA REDE COM

PUBLICO DESAYRE.

Foi com fausto soberano

Macotinha, e a Pelica

assistir à festa rica

dia de São Caetano:

o povo bárbaro, e insano

vendo aqueles dous putões,

calçado de admirações

disse, que o caso era adrede,

pois nunca em malhas de rede

vira tomar dous cações.

Um cação duro, e grosseiro,

má pele, e péssimo dente

ou à força de um tridente

se toma, ou de um bicheiro:

este é o dia primeiro,

que em rede os vimos tomar;

as redes a caminhar,

e a murmurar os meus Chitas,

palavras não eram ditas,

quando as cordas vi quebrar.

Caiu Pelica no entanto,

e fincando o cu no cisco

buscou logo o basalisco,

que Ihe dera o tal quebranto:

pareceu-lhe, que era encanto

quebrar-se-lhe o barbicacho,

e assim disse em tono baixo:

o basalisco anda em cima,

mas eu tenho noutro clima

um basalisco por baixo.

De um e outro basalisco

veremos, qual obra mais,

vós as cordas me cortais,

e eu os ossos vos confisco:

eu sempre vos ponho em risco,

se me tomais, eu vos tomo,

pois vos tomo, e vos corcomo;

e do basalisco a ingrata

vista não co me, só mata,

mas eu vos mato, e vos como.

A rede se consertou,

e ela metendo-se dentro,

como se viu no seu centro,

como peixe n'água andou:

dizem, que as cordas pagou,

com que a rede se Ihe atara,

e bom fora, que pagara

em vez de cordas então

de um dos negros o bordão,

se nas costas Iho quebrara.

A gente ficou mui leda

vendo a Pelica no chão,

e dizia o Povo então

quem mais sobe, dá mor queda:

porém ela não se arreda

de andar sem rede, porque

quer antes, como se vê,

haver da rede caído

para ter um pé torcido,

que ser sã, e andar a pé.

A OUTRA DAMA QUE GOSTAVA DE O VER MIJAR.

Inda que de eu mijar tanto gosteis,

que vos mijeis com riso, e alegria,

haveis de ver de siso inda algum dia,

porque de puro gosto vos mijeis.

Então destes dois gostos sabereis,

qual é melhor, e qual de mais valia:

se mijares-vos vós na pedra fria,

se mijando eu tapar, que não mijeis.

À fé, que aí fiqueis desenganada,

e então conhecereis de entre ambos nós,

qual é melhor, mijar, ou ser mijada.

Pois se nós nos mijamos sós por sós,

haveis de festejar uma mijada,

porque eu a mijar entro dentro em vós.

DEFINIÇÃO DE POTENCIAS.

Trique trique, zapete zapete.

O casado de enfadado

por não ter, a quem Ihe aplique

anda já tão desleixado,

que inda depois de deitado

não faz senão trique trique.

O soldado de lampeiro,

quando chega ao batedouro,

vai Ihe sacudindo o couro,

e com a força, que bate

faz trique zapete zapete.

O Frade, que tudo sabe,

e corre os caminhos todos,

vai dando por vários modos,

e olhando por toda a parte,

e faz trique zapete zapete.

ERGUIAM-SE TREZ MULHERES A HUM MESMO TEMPO PARA CHEGAR AO

CONFFISSIONARIO EM NOYTE DE NATAL E A MAIS CORPULENTA DELLAS

SOLTOU HUM TRAQUE COM A FADIGA DE CHEGAR PRIMEYRO.

Quem viu cousa como aquela,

que aconteceu na Igreja

o dia, que ela festeja

a Deus nascido por ela?

quem inda não sabe dela,

aplique o sentido ao canto

da minha Musa, e enquanto

ela cantando Iho diz,

vá perfumando o nariz

por se livrar do quebranto.

Estavam três naus em carga,

e entre si com grã porfia

de qual primeiro entraria

a fazer sua descarga:

então a da popa larga,

vendo que há, quem se Ihe atreva,

nada sofre, nom releva,

sendo a principal da tropa

com meio conhão de popa

atirou peça de leva.

Peça de leva atirou

com tal ronco, e tais ruídos,

que atordoou os ouvidos

da gente, que ali se achou:

e posto que disparou

lá por baixo de socapa,

de excomunhão não escapa

por disparar em sagrado,

que é pecado reservado

na bula da ceia ao Papa.

Tal estrago a peça fez

pelos narizes vizinhos,

que mais de trinta focinhos

se torceram esta vez:

sentindo a maldita rês

que tão fedorenta está,

disse uma negra "cá cá;

p'o diabo: e que má casta

de pólvora ali se gasta"

respondeu outra "má má."

Quando ouviram o sinal

as outras duas naus ambas,

foram chorar suas lambas,

dando fundo cada qual:

certo não fizeram mal

em não querer provocá-la

porque assim Ihes escala

o nariz a artilharia

com pólvora, que seria

se lhe atirasse com bala?

Alguns, creio, admiraram

da pólvora a fortaleza,

por rebentar nesta empresa

pela culatra o canhão

mas a minha admiração

está, no que o povo diz

por áí, que essa infeliz,

e traidora artilharia

fazendo aos pés pontaria,

fez o emprego no nariz.

Mas que muito que assim seja,

se este canhão português

faz andar tudo ao revés,

quando sem pejo despeja:

já se sabe ser a igreja

asilo a todo o culpado;

mas quando foi disparado

o canhão aos combatentes,

nem ainda aos inocentes

narizes valeu sagrado.

Mas se perguntasse alguém

com desdém, e desafogo

como a peça tomou fogo,

sendo, que ouvido não tem:

eu respondendo mui bem

dissera que por estar

a peça tão par a par

do crisol generativo

se comunicou ativo

o fogo no abalroar.

Mas não o quero dizer,

porque não mande, que o prove

algum, que isto me reprove,

querendo-o melhor saber:

e assim já boto a correr

seguindo a ruína da nau,

que aberta vai pelo vau,

e vou procurar-lhe estopa

por calefetar-lhe a popa,

antes que saia o mingau.

Logo pois que o seu canhão

deu fogo, o baixel violento,

largando velas ao vento

foi pedir absolvição:

porém eu digo, que não

pecou ela desta vez,

pois com soltar de cortês

o preso, que se valeu

do Sagrado, mereceu

a festa que se Ihe fez.

As Fragatas da companha

botando as barbas de molho,

porque esta Ihe dera de olho,

Ihe fizeram festa estranha:

deram-lhe trela tamanha,

que cuido, porque o não vi,

que a pobre partiu dali

tão corrida, e envergonhada,

que foi de voga arrancada

a dar fundo em Parati.

E se passou mais avante,

já pôde chegar à Europa,

porque foi com vento em popa,

e escoou-se co'a vazante:

mas se algum bom estudante

na arte da disentéria

por desgraça, ou por miséria

reprovou desta poesia

a forma, por cortesia

prove ao menos a matéria.

A HUMA MOÇA QUE PERDEO DOUS CASAMENTOS AJUSTADOS, O PRIMEYRO

COM HUM FLAMENGO, QUE SE DESCULPOU AO DEPOIS QUE TINHA FEYTO

VOTO DE CASTIDADE, E O SEGUNDO COM HUM SOLDADO, QUE SE

EMBEBEDAVA, E FUGIO DEPOIS DE A ROUBAR.

Senhora Donzela: à míngua

de um casamento jucundo

cousas sucedem no mundo,

que me puxam pela língua:

o que se conta, vos míngua

na fortuna do himeneu,

pois a sorte vos perdeu

dous, que o céu vos deparou,

um, que inda nada provou,

e outro que tudo bebeu.

O vosso Noivo Flamengo

não sintais vê-lo fugir,

que não é para sentir

a fugida de um podengo:

eu com riso me derrengo,

vendo, que de mui previsto,

vos dissesse um Anticristo,

que castidade jurou,

quando eu sei, que não votou,

salvo foi um "voto a Cristo".

O que ele prometeria,

não seria castidade,

mas não falar-vos verdade,

e usar de velhacaria:

grande peça, vos faria,

se vos tivera a mão dado,

que um homem mal encarado,

e de pouco cabedal

mentir-vos antes mais val,

do que depois de casado.

Dai vós ao demo o brichote,

que com coração traidor,

qual boticário de amor

vo-la pregou com serrote:

e vamos ao matalote

do segundo matrimônio,

a quem o mesmo demônio

tão destro vo-lo mandou,

que o matrimônio deixou,

e levou o patrimônio.

Levou com destreza, e manha

de calçar, e de vestir,

porque nisto do mentir

ninguém descalço o apanha:

ser ladrão já não se estranha

nesta idade um soldadinho;

mas vós tendes este gostinho,

(quando a paixão vos corcoma)

e é, que ele o vestido toma,

mas a ele o toma o vinho.

Se por bêbado livrou,

valha-lhe o mesmo direito,

porque ao mais atroz efeito

todo o bêbado escapou:

o Céu vos apadrinhou

em vos livrar de um pirata

e se conforme a vulgata,

porque o inimigo se vá,

ponte de prata se dá,

vós destes ponta de prata.

A HUMA MULHER QUE SE BORROU, ESTANDO NA IGREJA EM

QUINTA FEIRA DE ENDOENÇAS.

Diz, que a mulher da buzeira

na Cachoeira nasceu,

e assim quando a dor Ihe deu,

vazou como cachoeira:

mas a gente, a quem mal cheira

a cebolinha cecém,

disse, que era de Siquém,

e outra ali se confrangia

ou judia ou não judia

não me cheira a mulher bem.

Como havia de cheirar

a fêmea em pressa tão alta,

se a cachoeira Ihe falta,

para haver de se lavar;

mas logo mandou levar

por uma negra Xarifa

a alcatifa tão patifa,

que eu ouvi pelos carrilhos,

que a mulher cagou cadilhos,

que lá iam na alcatifa.

Estavam ao redor dela

umas Mocinhas garridas

de nós todos conhecidas

por vista, e por parentela:

deram-lhe tão grande trela

à pobrete da coitada,

que disse uma camarada,

era bem mais evidente

ser limpa, e viver doente,

que suja, e ficar purgada.

Ergueu-se a triste Senhora,

e outra amiga Ihe gritou,

inda agora se purgou,

já sai pela porta fora?

sim Senhora: morra embora,

e seja do vento grimpa

u'a mulher, que se alimpa,

e entre gente tão honrada

não Ihe basta estar purgada,

para se crer, que está limpa.

Que fora, se hoje jantara!

ontem ceei parcamente;

não vi coisa mais corrente,

que feijões da Pericoara:

se meu amigo cheirara

este desar da buzeira,

corre risco, não me queira,

como é todo um arminho,

há de fazer-me focinho,

como à coisa, que mal cheira.

Pô diabo, há de dizer,

sem ser diabo, nem pó:

bebi o caldinho só,

e o feijão não quis comer:

que Ihe havia eu de fazer,

se o caldo era solutivo,

e no corpo semivivo

sem ter puxo, nem repuxo,

antes de eu tomar o puxo,

se saiu de seu motivo.

Eu nunca o caldo sentira

sair-me pelo franjido,

a não ter outro sentido

no nariz, que mo advertira:

então vi, que se saíra,

e temendo outra jornada

(semelhante cavalgada

não houve daqui ao Cairu)

não pude enfrear o cu,

e a fralda ficou selada.

Algum meu apaixonado

a gritos de aqui-d'EI-Rei

afirma que eu não caguei,

e cuida, que o tem provado:

meu amigo está empenhado

em fazer esta pesquisa,

e como é coisa precisa

por sua honra defendê-lo,

porá na matéria o selo,

e eu Ihe darei na camisa.

A ocasião foi temerária,

e na Igreja, onde assistia,

não faria valentia,

mas fiz coisa necessária:

a dor foi extraordinária,

é, que neste desconcerto,

é, que neste desacerto,

e em tão grande desalinho

um humor tão delgadinho

me pusesse em tal aperto.

Era água simples de cubos

a caca dos meus calções,

com que entendam, que os feijões

não tinham dez réis de adubos:

não fedem pubas, nem pubos,

o que fedia o meu rabo:

foi caçoula do diabo,

quanto me cheirava a caca,

depois fui Jaratacaca,

tresandava pelo rabo.

Fui-me logo para o mangue

co'a fralda disciplinante

molhada atrás, e adiante,

muita caca, e pouco sangue:

com medo, que se remangue

meu amigo contra mim,

borrada fiquei assim,

porque quando ele se segue,

e algum bofetão me pregue,

eu Ihe apregue o fraldelim.

Se do dia de Endoenças

a própria Etimologia

são andanças do tal dia,

para mim foram correnças:

por evitar desavenças

não irei mais aos sermões,

onde há tantos empuxões,

onde me agoniam Evas,

onde os Frades dão as trevas,

e me fazem dar trovões.

A HUMAS DAMAS DE LA VIDA AYRADA, QUE INDO E VINDO

AO DIVERTIMENTO DE HUMA ROÇA ZOMBAVAM DA HONESTIDADE

DE HUMA IRMÃA CASADA.

Vamos cada dia à roça,

se é, que vai o camarada,

que ri, e folga à francesa,

e pinta à italiana.

Vamos, e fiquemos lá

um dia, ou uma semana,

que enquanto as gaitas se tocam,

sabe a roça, como gaitas.

Vamos à roça, inda que

nos fique em cada jornada

cada meia sem palmilha,

e sem sola cada alparca.

Vá Mané, e vá Marcela,

vá toda a nossa prosápia,

exceto a que por casada

não põe pé fora de casa.

Case, e tão casada fique,

que nem para fazer caca

jamais o marido a deixe,

nem se Ihe tire da ilharga.

Case, e depois de casar

tanto gema, e tanto paira,

que caia em meio das dores

na razão das minhas pragas.

Case, e tanto se arrependa,

como faz toda, a que casa,

que nem para descasar-se

a via da Igreja saiba.

E nos vamos para a roça

com nosso feixe de gaitas

até ver-me descasada

para me rir, de quem casa.

A HUMA MULATA APELIDADA MONTEYRA QUE

DAVA CASA DE ALCOUCE.

Hoje em dia averiguou-se

(e aqui ninguém vos adula)

que dais, por mostrar-vos mula,

em lugar de couce alcouce:

por verdade isto assentou-se,

e eu também não vou contra ela,

antes sem contradizê-la,

quero sobre isto arguir,

que caça hei de descobrir

por Monteira, e por cadela.

A DAMAZIA QUE DAVA PRESSA À HUMA SAYA QUE SE ESTAVA

FAZENDO, PARA BOTAR NUMA FESTA, DIZENDO SER SUA

SENDO ELLA DE SUA SENHORA.

Muito mentes, Mulatinha:

valha-te deus por Damásia!

não sei, quem sendo tu escura,

te ensina a mentir às claras.

Tal vestido, com tal pressa?

não vi mais ligeira saia;

mas como a seda é ligeira,

foi a mentira apressada.

Tal vestido não é teu,

nem tu tens, Damásia, cara,

para ganhar um vestido,

que custa tantas patacas.

Tu ganhas dous, três tostões

por duas ou três topadas;

não chegam as galaduras

para deitar uma gala.

Nem para os feitios chegam

os troquinhos, que tu ganhas,

pois não vale o teu feitio

mais que até meia-pataca.

De Soldado até Sargento,

ou até Cabo de esquadra

não passa o teu roçagante,

nem te chega a triste alçada.

Estes, que te podem dar,

mais que uma vara de caça,

uma cinta de baeta

e saia de persiana.

Colete de chamalote,

e de vara e meia a fralda,

que fazem oito mil-réis,

que é valor da pobre farda.

Todos sabem, que o vestido,

que em verdes campos se esmalta,

é verdura de algum besta,

que em tua Senhora pasta.

Mas o que é dela, teu é,

que é outra que tal jangada,

e talvez por to emprestar,

que ficaria ela em fraldas.

Apostemos, que não vestes

outra vez a verde saia,

e nem de a vestires mais,

te ficam as esperanças?

Ora toma o meu conselho,

e vive desenganada,

que enquanto fores faceira,

não hás de ganhar pataca.

A HUMA DAMA QUE ESTAVA SANGRADA.

Estava Clóris sangrada,

e Fábio, que a visitava

com ver, que sangrada estava

Ihe deu logo outra picada:

ela tão aliviada

ficou, que se ergueu da cama,

dizendo, bem haja a Dama

de Adônis, cuja virtude,

quando me pica em saúde,

eu me sangro, ele derrama.

Como na vida acertou,

onde habita a saudade,

extinta a má qualidade,

a enfermidade acabou:

nunca Galeno alcançou

nas sangrias, que me aplica,

quanto o ferro prejudica,

e eu curada com dieta

já sei, que pica a lanceta,

e somente sangra a pica.

Fábio me curou do mal,

que na cama Ihe informei,

não com xarope de rei,

mas com régio cordial:

se se curar cada qual

somente com seu galante,

há de sarar num instante,

pois quando eu caio doentinha,

não hei mister mais meizinha,

que a meu Mano se levante.

A HUMA DAMA CHAMADA JOSEPHA, QUE EM NOYTE DE SAM

JOÃO LHE REBENTOU HUM FOGUETE BUSCAPE ENTRE AS PERNAS,

DE QUE FICOU BEM MAL TRATADA.

Só vós, Josefa, só vós

sabeis em todo o sertão

festejar o São João,

na noite de catrapós:

os vossos foguetes sós

de fio, taboca, e pez

são foguetes, pois num mês

tivestes por vosso abono

um foguete busca-cono,

um lugar de busca-pés.

Quem tal foguete botou,

que em boa realidade

vos fodeu contra a vontade

e a foda vos não pagou?

conforme ele se embocou

vinha bem industriado;

mas não foi grande o pecado,

em que o foguete há caído

deixar-vos o cono ardido,

se antes andava arreitado.

O foguete por tramóia

vos queima, e deixa arrasada,

e os que passam pela estrada,

vão dizendo "aqui foi Tróia":

vaso, que sendo uma jóia

não pôde ao menor resquício,

reparar em o artifício,

digam-lhe em forma de pedra

escallo armado de Yedra

yo te conoci Edifício.

Deixou-vos vosso parceiro,

vendo, que entre tantas falhas,

O que eram altas muralhas,

hoje é triste pardieiro:

que faria o pegureiro

vendo, no que vaso foi

lo que va de ayer a oy

e Ihe dizíeis ali,

que ayer maravilla fuí

y oy sombra mia aun no soy.

Deixou-vos tão de carreira

com medo deste fracasso,

pois viu, que o que era vaso,

já agora estava caveira:

como quereis, que vos queira,

nem que torne ao vosso horto,

se de pasmado, e absorto

Ihe pareceu, que seria

pecado de Sodomia

fornicar um vaso morto.

Daquela campanha chã

tão rasa, e tão abrasada

fugiu, porque era estampada

a pedra da Itapoã:

e como cada manhã

a pedra furada atroa,

e o homem era pessoa

tão amigo de um bom trato,

vos disse "fora Lobato,

que esse vaso mal me soa".

Mas como vós sois cachorra;

e sobre isto ardida estais,

de uma em outra porta andais

pedindo esmolas de porra:

não achais, quem vos socorra,

nem quem para vós se emangue,

com que a cada pé de mangue

chorais, que em tão triste caso

ninguém vos aceita o vaso,

temendo Ihe queime o sangue.

Josefa, o que está melhor

ao vosso cono caveira,

é dá-lo uma sexta-feira

de Quaresma a um Pregador:

porque ele com seu fervor,

e co'a caveira na mão

fara tão grande sermão,

que os homens por seu abono

ouvindo o memento cono

todos se arrependerão.

A HUMA DAMA, A QUEM SOLICITANDO-A O POETA,

LHE PEDIO DINHEYRO, DE QUE ELLE SE DESEMPULHA.

Senhora, é o vosso pedir

um impedir as vontades,

que pertendem humildades,

de quem deseja servir:

faz-me vontade de rir

um pedir tão despedido,

que dele tenho entendido,

que o pedir despedir é:

bem podeis viver na fé,

que esse pedir é perdido.

Peça amores, e finezas,

peça beijos, peça abraços,

pois que os abraços são laços,

que prendem grandes firmezas:

não há maiores despesas

que um requebro, e um carinho,

pois no tomar de um beijinho

fica a riqueza ganhada,

e tudo o mais não val nada:

não peças mais, meu Anjinho.

Se vos vira, minha Mana,

recolhida, e não faceira

dissera, que como Freira

pedíeis à franciscana:

porém vós sois muito ufana,

e logo pedis a panca:

eu de vós direi, arranca,

que o vosso pedir cruel

pica mais do que um burel,

e dói mais que uma tranca.

A HUMA DAMA QUE MACHEAVA OUTRAS MULHERES.

MOTE

Namorei-me sem saber

esse vício, a que te vás,

que a homem nenhum te dás,

e tomas toda a mulher.

Foste tão presta em matar-me

Nise, que não sei dizer-te,

se em mim foi primeiro o ver-te,

do que em ti o contentar-me

sendo força o namorar-me

com tal pressa houve de ser,

que importando-me aprender

a querer, e namorar,

por mais me não dilatar

Namorei-me sem saber.

A saber como te amara,

menos mal me acontecera,

pois se mais te comprendera,

tanto menos te adorara:

a vista nunca repara,

no que dentro d'alma jaz,

e pois tão louca te traz

que só por Damas suspiras,

não te amara, que tu viras,

Esse vício, a que te vás.

Se por Damas me aborreces

absorta em suas belezas,

a tua como a desprezas,

se é maior que as que apeteces?

se a ti mesma te quisesses,

querendo, o que a mim me praz,

seria eu contente assaz,

mas como serei contente,

se por mulheres se sente,

Que a homem nenhum te dás?

Que rendidos homens queres,

que por amores te tomem?

se és mulher, não para homem,

e és homem para mulheres?

Qual homem, ó Nise, inferes,

que possa, senão eu, ter

valor para te querer?

se por amor nem por arte

de nenhum deixas tomar-te

E tomas toda a mulher!

A HUM SUGEYTO, QUE LHE MANDOU HUM PIRÚ CEGO, E DOENTE.

Mandou-me o filho da pu-

-um peru cego, e doente,

cuidando, que no presente,

mandava todo o Peru:

alimpei com ele o cu,

e o botei na onda grata,

mas é tal o patarata,

e o seu louco desvario,

que vendo o peru no rio,

diz que é o Rio da Prata.

A HUMA DAMA QUE MANDANDO-SE COSSAR EM HUM BRAÇO PELO

SEU MOLEQUE, E SENTINDO, QUE DAQUELLE CONTACTO SE

LHE ENTEZAVA O MEMBRO, O CASTIGOU.

Corre por aqui uma voz,

e vem a ser o motivo,

Sílvia, que o vosso cativo

se levantou para vós:

o caso é torpe, e atroz,

e quis, que a fama corresse

só para que se estendesse

pelo vosso braço, e mão,

que junto ao fogo o carvão

era força, se acendesse.

Vós mandastes, que o moleque

vos fosse o braço coçar,

e ele quis vos esfregar

mais que o braço, o sarambeque:

procedeu bem o alfaqueque,

se bem nisso se repara,

e eu o mesmo intentara,

se me vira nesses passos,

que isto de chegar a braços,

bem sabeis vós, no que pára.

Vós estendestes a mão,

e chegando-lha a barguilha

entre virilha, e virilha

topastes um camarão:

ia entrando no tesão

o coitado do negrete,

e porque vós em falsete

tal grito Ihe levantastes,

como o fogo lhe afastastes,

apagou-se-lhe o pivete.

Se outra vez vos der a tosse

de coçar a comichão,

não chameis o negro não,

coçai-vos, com que vos coce:

e se estais já sobre posse,

ou vos não podeis mexer,

deixai a sarna a comer,

pois bem sabeis, que há de andar

atrás do comer coçar,

e atrás do coçar foder.

ENCONTRO QUE TIVERAM DOUS NAMORADOS.

MOTE

Pica-me, Pedro, e picar-te-ei.

Jogando Pedro, e Maria

os piques sobre a merenda,

vi pois, que sobre a contenda

Maria picar queria:

ela, que a Pedro entendia

disse então: aqui-d'EI-Rei:

pica-me, Pedro, e picar-te-ei.

Abrasado em vivo fogo

Pedro, que o jogo sabia,

disse, eu te pico, Maria,

porque tu me piques logo:

disse ela, pois o teu fogo

é dos melhores, que achei,

pica-me, Pedro, e picar-te-ei.

Picou Pedro, e de feição,

que a Maria fez saltar:

quis ela também picar,

pois que assim picado a hão:

picados ambos estão:

diz Maria o jogo sei,

pica-me, Pedro, e picar-te-ei.

Pedro, que já se enfadava

de picar, queria erguer-se;

Maria quis mais deter-se,

porquanto picada estava:

disse ela, que então gostava

do jogo, que Ihe ensinei:

pica-me, Pedro, e picar-te-ei.

A QUATRO NEGRAS QUE FORAM BAYLAR GRACIOSAMENTE

A CASA DO POETA MORANDO JUNTO AO DIQUE.

Catona, Ginga, e Babu,

com outra pretinha mais

entraram nestes palhais

não mais que a bolir co cu:

eu vendo-as, disse, Jesu,

que bem jogam as cambetas!

mas se tão lindas violetas

costuma Angola brotar,

eu hoje hei de arrebentar,

se não durmo as quatro Pretas.

HUMA MULATA DAMA UNIVERSAL DE QUEM JA FALLAMOS, SATYRIZA

AGORA O POETA O FAUSTO COM QUE FOY SEPULTADA A MAY.

Ser um vento a nossa idade

é da Igreja documento:

e por ser a vida um vento,

a morte é ventosidade:

viu-se isto na realidade

na morte de uma pobreta,

cuja casa de baeta,

reparando o Irmão da vara,

e descobrindo-lhe a cara,

viu, que a defunta era preta.

Uma Negra desta terra

em uma casa enlutada,

no hábito amortalhada

do santo, que tudo enterra:

quem cuidáreis, que era a perra

tão grave, e tão reverenda?

era uma sogra estupenda

de todo o mundo em geral,

Mãe em pecado mortal

de Dona Brásia Caquenda.

A Negra com seu cordão

no hábito franciscano

era retratada em pano

Santa Clara de alcatrão:

tiveram grande questão

os Irmãos da caridade,

se era maior piedade

lançá-la no mar salgado,

se enterrá-la no sagrado

ofendendo a imunidade.

Acudiu o Tesoureiro,

que era genro da Cachorra,

dizendo, esta Negra é forra,

e eu tenho muito dinheiro:

houve dúvida primeiro,

mas vieram-na a levar,

e começando a cantar

os Padres o sub venite,

tomaram por seu desquite

em vez de cantar chorar.

Dos genros a melhor parte,

e os homens de melhor sorte

choravam a negra morte

da negra sorte, que parte:

a essa fizeram de arte

tão regenda, e tão real,

que não foi piramidal,

para que cresse o distrito,

que era Cigana do Egito,

quem fora negra boçal.

Ficou a gente pasmada

de ver uma Negra bruta,

sendo na vida tão puta,

pela morte tão honrada:

quem é tão aparentada,

sempre na honra se estriba,

e assim a gente cativa

ficou pasmada, e absorta,

de ver com honras em morta,

quem nunca teve honra em vida.

Ficou a casa enlutada

então até o outro dia,

e todo o ano estaria,

a não ter uma encontrada

foi, que a baeta pregada

era de quatro estudantes

quatro capas roçagantes:

e bem que as deram, contudo

para irem ao estudo

foi força mandar-lhas antes.

Os amantes se pintaram

como amantes tão fiéis,

um largou oito mil-réis,

outro em dez o condenaram:

ao Tesoureiro ordenaram,

mandasse a cera comprada;

ele a deu tão esmerada,

e tanta, que se murmura,

que o fez, porque à sepultura

fosse a perra bem pingada.

ERA DESTA MULATA BASTANTEMENTE DESAFORADA E O POETA,

QUE À NÃO PODIA SOFFRER LHE CANTA A MOLIANA.

Caquenda, o vosso Jacó

me deu com risa não pouca

notícias da vossa boca,

e tão bem do vosso có:

diz, que está tornado um Jó

pobre, podre, e lazarento:

porque quando o barlavento

navegava o vosso charco,

sempre enjoou nesse barco

por ser muito fedorento.

Afirma, que a vossa quilha

em chegando a dar a bomba,

se muito vos fede a tromba,

muito vos fede a cavilha:

a mim não me maravilha,

que exaleis esses vapores,

porque se os cheiros melhores

caçoula formam conjuntos,

de muitos fedores juntos

nasce o fedor dos fedores.

Triste da boca enganada,

que sendo vossa cativa,

quando convosco mais priva

então beija uma privada:

vós não sois não desdentada,

com que o fedor vos não toca:

porém isso me provoca

a ver, se o fedor acaso

vai da boca para o vaso,

se do vaso para a boca.

Isto suporto, é o caso,

a querer, e namorar,

que a natureza vos troca

o bacalhau para a boca

o mau bafo para o vaso:

eu me consumo, e me abraso,

por saber, minha Brasica,

com isto se comunica,

ou como vos não faz míngua

fornicar-vos pela língua

e beijar-vos pela crica.

Fedendo em baixo, e em cima,

que sois má casa, receio,

e quem viver nesse meio,

inda assim cresce em mau clima:

de cima o fedor lastima,

de baixo sobem maus fumos,

e entre tão ruins perfumos

dirá o triste gazul,

pois fedeis de Norte a Sul,

que fedeis de ambos os rumos.

Como o sêmen, que entornais,

dá fedores tão ruins,

é de crer, que lá nos rins

algum bacio guardais:

e pois tanto tresandais,

quando remolhando as botas

as dais ao som das cachotas,

tenho por remédio são,

que tomeis, as que vos dão,

mas vós a ninguém dois gotas.

Se a boca vos fede a caca,

e tanto, puta, fedeis,

eu creio, que descendeis

de alguma Jaratacaca:

sobre seres tão velhaca,

que não há pobre despido,

que vos não tenha dormido,

Jaratacaca bufais,

e quando vós fornicais,

deixais o membro aturdido.

Fedeis mais que um bacalhau,

e prezai-vos de atrevida,

como que se a vossa vida

não fora sujeita a um pau:

olhai, não vos dê o quinau

um Mina de cachaporra,

que um cão morde uma cachorra,

e se em ser puta vos fiais,

sois puta, que tresandais,

e enfastiais toda a porra.

SENTIO-SE BRAZIA GRAVEMENTE DESTA SATYRA, E O POETA

AGORA CAVILLOSAMENTE À SATISFAZ COM ESTAS DÉCIMAS.

Brásia: aqui para entre nós

muitos vossos males sinto,

porque me dizem, que minto,

no que falei contra vós:

se a informacão foi atroz,

os versos como seriam?

mas os que vos conheciam,

não me desmentiram não,

senão os da informação,

que esses são, os que mentiam.

Estou mui arrependido,

e muito desenganado,

de que este povo é malvado,

falso, fito, e fementido:

vós sois como o sol luzido,

que inda que eclipses padece,

como em um instante tece

mais gala a seu luzimento,

vencido o assombramento,

muito mais claro aparece.

Assim vós sombras vencendo

de inveja, e de detrações

ides com mais perfeições

a verdade amanhecendo:

eu a vossas luzes rendo

minha dor e contrição

de haver-vos dado ocasião

a tão sentidos pesares,

e pois o sol busca os mares,

não fujais meu pranto não.

Estou mui desenganado,

que os mesmos murmuradores

vão ao campo a buscar flores,

que não vêem no povoado:

por isso no ameno prado,

onde tendes as raízes,

há quatro flores de Lises

Escolástica, Apolônia,

a flor de Brásia, e Antônia

tão belas, como felizes.

Vivei por entre os verdores

de anos pousos, que contais,

com que cada qual sejais

a Matusalém das flores:

vivei tanto, que os amores

ao mesmo Amor ensineis,

e porque temo, falteis

de flores à condição,

na beleza, e duração

flores perpétuas sereis.

Tanto quero, que vivais,

que essoutras papoulas pardas

vendo flores tão galhardas

creiam, que as aventejais:

tanto assim permaneçais

tão mestra da formosura,

que té a flor mais futura,

que está ainda por nascer,

nasça só para aprender

beleza, e mais compostura.

E pois minha contrição

de todo me tem trocado,

eu me dou por perdoado,

sem ter conta de perdão:

mas faço conta, que não

hei de tornar a ofender-vos,

e se basta a merecer-vos,

meu sentimento, e meu pranto,

perdoai-me, Brásia, enquanto

busco algum modo de ver-vos.

A HUMA MULATA DENTUÇA, QUE TAMBEM VIVIA ESCANDALIZADA, VINDO

HUM DIA DA FESTA DE SAM GONÇALLO, ONDE COM OUTRAS DANÇOU A

MANGALAÇA, A GARUPA DE SEU AMASIO PASSANDO PELO POETA LHE PEDIO HUNS VERSOS.

Por estar na vossa graça

mando os versos, que quereis:

mas vós que me pedireis,

Úrsula, que vos não faça?

Veio aqui a Mangalaça

uma com outra mixela

fazer uma refestela,

e entre tanta pecadora

nunca Mangalaça fora,

se não viésseis vós nela.

Estava eu vendo passar

as Pardas tão mal fardadas,

que cri, que vinham roubadas,

e elas vinham nos roubar:

não tive então, que Ihes dar,

que em mim o dar se acabou;

mas como sempre ficou

a vanglória de agradar-lhes

se até agora dei em dar-lhes

já agora em não dar-lhos dou.

Enquanto ao sorvo, e ao trago

não houve falta, antes sobre,

que ainda que a Juíza é pobre,

ganha às vezes, que é um lago:

houve mais vinho que bago,

e mais caldo que pimentas,

e estando todas sedentas

bebendo uma e outra vez

o relógio dava as três,

e o frasco dava as trezentas.

Só vós, Úrsula bizarra,

entre uma e outra borracha

cantáveis como gavacha

sustenidos de guitarra:

deu-vos o sumo da parra

numa fábrica estrangeira,

pois num palafrém lazeira

formastes, com dar um zurro,

para vosso amigo um burro,

para vós uma liteira.

Fostes nas ancas chantada,

e haveis de vos agastar,

se Sodoma vos chamar,

indo de ancas cavalgada:

eu já vos não digo nada,

porque hei medo a vossos dentes:

só digo, que andam as gentes

dizendo, que o vosso amigo

se expôs a tanto perigo,

porque ia co'as costas quentes.

As mais sobre o seu palmilho

como iam com tanto ardil,

cuidei, que eram de Madril,

onde há festa do trapilho:

eu nunca me maravilho

de ver, que Moças honradas

vão a pé grandes jornadas:

porém, maravilha encerra,

que as Mulatas desta terra

andam sempre cavalgadas.

Bem fez o vosso Mandu

dar-vos lugar consoante,

pois levando as mais diante,

vos pôs atrás do seu cu:

da Bahia até o Cairu

não vi justiça fazer

tão razoada a meu ver,

e portanto creio eu,

que quem hoje o cu vos

deu, vos mande amanhã beber.

Vós me destes grande abalo,

quando nas ancas vos vi,

porque cegamente cri,

que éreis rabo do cavalo:

olhei com mais intervalo,

e com vista menos presta:

então pus a mão na testa,

vendo, que se pelo cabo

não éreis da besta o rabo,

íeis por rabo da besta.

Deixai esse amigo imundos

porque vi grandes apostas,

que quem assim vos deu costas,

tem dado as costas ao mundo:

tomai um rapaz jucundo,

mundano, e não abestruz,

que receio, que os Mundus,

que são, os com quem falais,

hão de dizer, que Ihe andais

atrás sempre dos seus cus.

Deixai essas galhofinhas,

e retirai-vos de ambófias,

que isto de andar em bazófias

é mui próprio de putinhas:

cosei em casa as bainhas,

fazei costuras, e rendas,

que mulheres de altas prendas

tratam só do seu remendo:

isto só vos encomendo,

senão: minhas encomendas.

A SAGACIDADE CAVILLOSA COM QUE O RELlGIOSO FR. PASCOAL FEZ

PRENDER A THOMAZ PINTO BRANDÃO: DÀ O POETA CONTA A HUM

AMIGO DA CIDADE DESDE A VILLA DE S. FRANCISCO.

Já que entre as calamidades,

em que a fortuna me encerra,

não colho os fruitos da terra,

vos mando outras novidades:

e como nesta as verdades

têm mais que noutra amargor,

será ardil de mercador

embarcá-las além-mar,

porque a risco vão ganhar

dez por cento em seu valor.

Sucedem nesta conquista

cada dia sobre os vasos

casos, que por serem casos,

se propõem a um Moralista:

cursava um Frei Algebrista

de certa ordem sagrada

na escola de uma casada,

que lia em falsa cadeira

putaria verdadeira

por postila adulterada.

la tomar-lhe a postila

um curioso estudante

secular como um diamante

Moço honrado desta vila:

e como tinha quizila

o Frade no companheiro,

Ihe grunhia o dia inteiro

ao pobre do secular,

porque Ihe havia encaixar

a pena no seu tinteiro.

Não cuide, que temo agouros,

nem creia de mim, que sinta,

que me ande gastando a tinta,

mas não destripe os poedouros:

queria dar-lhe uns estouros

ao pobre do secular,

que como vinha a furtar,

e Ihe convinha o sofrer,

calava só por comer,

comia só por calar.

Mas o Frade impaciente

com tão leiga sociedade

se vestiu de caridade,

e foi queixar-se ao Regente:

disse, que o Moço insolente

difamava uma casada,

e tinha a vida arriscada,

porque em certa ocasião

o Frade Ihe dera ao cão,

e o cão não Ihe dera nada.

O Regente, que encaminha

tudo à boa providência,

suposto que tem prudência,

contudo não adivinha,

entendeu, que a casadinha

era parenta do Frade,

não se enganou em verdade,

porque estando ela co mês,

é parenta, em que Ihe pes,

do Frade em sanguinidade.

Preso enfim o secular,

porque a todos nos espante,

foi o primeiro estudante,

que prendem por estudar:

o que venho a perguntar,

é, quem foi o alcoviteiro,

deste Fradinho embusteiro,

se a prisão, se o Regedor,

ou se acaso o prendedor,

que se diz Manuel Monteiro?

O preso tudo é gritar,

que se ouve por toda a vila,

que dele tomar postila

têm todos, que argumentar:

o Frade tudo é instar,

que a culpa é muito maligna,

que à popa, ou pela bolina

deve ir numa paviola

o secular para Angola,

porque ele fique na mina.

Afirma o Preso em verdade,

que àquela escola ruim

ia aprender mau Latim,

por se querer meter frade:

e sua Paternidade

usava de ingratidão,

pois sem causa, nem razão,

a quem Ihe fez o favor

de o ir desprender de amor,

o tinha posto em prisão.

Item, que sempre fugia

do Fradinho as encontradas,

pois ia em horas minguadas,

quando o Frade às cheias ia:

que sempre se Ihe escondia,

por Ihe ouvir, que é sua Prima

e porque ele o não oprima,

tomava em horas traidoras

as lições das outras horas,

e Ihe deixava as da Prima.

Eu vos proponho os motivos

do sucesso, e seus fracassos,

porque quem ignora os casos,

não sabe os nominativos:

eu perco logo os estrivos

com estas filatarias,

pois vejo todos os dias,

que um Frade (seja quem quer)

pelo meio de as perder

assegura as putarias.

O pobre do secular,

porque o caso vá distinto,

se chama Fulano Pinto,

mas já Pinto de galar:

porém o Frade alveitar,

que eu tenho por macacão,

não entra em publicação,

por que eu perca esse regalo,

pois morro por batizá-lo,

para que morra cristão.

  

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