Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Lenitivo da Saudade, de Basílio da Gama


Edição de referência:

Obras Poéticas de Basílio da Gama, São Paulo: Edusp, 1996.

LENITIVO DA SAUDADE

NA MORTE DO PRÍNCIPE

DO BRASIL D. JOSÉ

Entre Ciprestes fúnebres sentado,

Em triste noite, ah quanta dor me oprime!

Vós, lúcidas Estrelas, testemunhas

Sois de meu pranto: ó Sol, tu mesmo envolto

Em nebuloso véu passaste deste

Ao oposto Hemisfério: lá, causando

Mágoa nos corações, água nos olhos,

Terás dito de Lísia o caso infausto.

Sorte fatal dos míseros humanos,

O morrer uma vez! Mas que tão cedo

Roubasse a Morte à Lusitana gente

O seu Príncipe Augusto!... Não bastava

Dos longevos Mortais cortar as vidas?

Porém de um Jovem Príncipe, delícias,

E amor da gente Humana, em quem crescendo

Lísia a sua ventura respeitava!...

Bárbara crueldade! Mas que vejo?

Que súbito temor me gela o sangue!

Um medonho semblante me aparece.

Eis a mão, e a terrível arma vejo,

Fim dos Humanos. Báculos, Tiaras,

Cetros, Coroas, tais os seus despojos.

Que terrível voz oiço! "E tu pertendes

Opor-te às Leis de cima? Desejavam

Sim os saudosos Lusos longos anos

A JOSÉ sua Luz, mas o contrário

No Livro do Destino estava escrito.

Não, não creias injusta a Providência."

Assim articulou. Não de outra sorte

Que sanguíneo relâmpago se ausenta

Da minha vista: alheio dos sentidos,

Que horror, que pasmo, e assombro me domina!

Torno a mim; abro os olhos; mas que importa?

Cercam-me sombras mais que a noite escuras.

Astros do Céu Luzentes, emprestai-me

Da vossa luz esplêndida algum raio.

Bem como o cego, a quem, por feliz sorte,

Sucedeu de repente o ver; não de outro

Modo a mim me acontece: os Céus eu vejo,

Vejo os luzidos Céus, e leio neles

O quanto é justa, e sábia a Providência.

Sim, na magnificência, na beleza,

Na perfeição da Máquina Celeste

Eu leio o quanto é Justo, o quanto é Sábio,

O quanto é Grande, o quanto é Poderoso

O Soberano Autor, que tudo rege.

Nada, sem seu querer, nada acontece;

E o que somente quer é o melhor sempre.

Justíssimos são pois os seus juízos,

Bem que juízo humano os não compreenda.

Mas oh que belo objeto o pensamento

A meus olhos presenta!... Quais brilhantes

Exalações, que o vulgo julga Estrelas

Que se movem no Céu; tais do Céu descem

Para mim três Donzelas refulgentes;

E posto que em luz tanta mal eu posso

Discernir qualquer delas, bem me mostra

Ser uma a Piedade, e as outras duas

A Religião, a Liberalidade.

(Tu, cara Musa, agora me socorre.)

Primeiro a Piedade com voz terna

Suavissimamente assim me fala:

“O tu, que do teu Príncipe lamentas

Saudoso a morte, sabe que chamado

Foi ao Reino da Glória merecido.

Eu lhe ensinei o amor que a Deus se deve,

A honra, a devoção: e tão perfeito

Se fez, que, inda seis lustros não completos,

Quis dar-lhe o Rei dos Céus nos Céus a Croa.

"Ó quanto (diz depois, em tom sereno

A Religião), oh quanto este Herói Régio

Me foi sempre dileto! sempre ao lado

Eu lhe assisti: e ele os meus ditames

Não somente observou, amou constante.

Caro Filho da Santa Madre Igreja,

Do teu Deus tu já gozas, cujo Nome

Da minha mão no peito escrito tinhas."

"E o seu (me diz então Lib'ralidade)

Por mim ficou gravado para sempre

Nos gratos corações dos Portugueses.

Tanta benevolência, tanta graça,

Tantos favores, tantos benefícios

Eu lhe inspirei, que enquanto houver no

Mundo Gratidão, há de o seu louvor ouvir-se.

Fazer felices era o grande objeto,

Que lhe ocupava a bela, e amável Alma.

Assim soube elevar-se a tanta dita!

Tu agora anuncia (enfim me disse)

Da justa Saudade o Lenitivo,

Que JOSÉ luz no Céu, qual Sol nascendo."

Nisto desaparecem... Movo os olhos

Pelo Horizonte, e vejo o Sol no Oriente.

Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística