Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

A Liberdade, tradução de Basílio da Gama


Edição de referência:

Obras Poéticas de Basílio da Gama, São Paulo: Edusp, 1996.

A LIBERDADE

CANÇONETA DE METASTÁSIO

(TRADUÇÃO)

Bem hajam teus enganos,

Ó Nise, enfim respiro,

No doce meu retiro,

Favor que o céu me fez.

Tenho de todo livre

O império da vontade:

Não sonho liberdade,

Não sonho desta vez.

Cessou o ardor primeiro;

E agora sossegado

Para fingir-me irado

Nem acho em mim paixão.

Não mudo mais de cores,

Se ouço o teu nome ausente:

Nem mais, se estou presente,

Me bate o coração.

Se acordo, o pensamento

Já hoje em ti não ponho;

Já, cada vez que eu sonho,

Não te costumo ver.

Ausente dos teus olhos

Na idéia não te pinto:

Perto de ti não sinto

Nem pena, nem prazer.

Lembra-me o teu semblante,

Dele não faço conta:

Lembra-me a minha afronta,

E não me posso irar.

Confuso à tua vista

Não fico a cada instante:

Com o teu novo amante

Posso de ti falar.

Mostra-me agrado, ou ira;

Mas vê que é neste estado

Perdido o teu agrado,

Perdido o teu rigor.

Não fazem os teus olhos

Em mim o antigo efeito:

Não achas o meu peito

Disposto em teu favor.

Se vive alegre, ou triste,

O gosto, ou pena sua

Já não é culpa tua,

Já não é teu favor.

Também sem ti me agrada

O prado, a fonte pura:

Contigo a brenha escura

Também me causa horror.

Olha se eu sou sincero,

Ainda te acho bela;

Mas já não te acho aquela,

Que é sem comparação.

E falo-te a verdade,

No lindo rosto, e peito

Já te acho algum defeito,

Que não te achava então.

Quando quebrei teus laços,

Olha a fraqueza minha!

Julguei que me convinha

De penas acabar.

Mas para ter descanso,

Para emendar tais erros,

Para fugir de ferros

Tudo se deve obrar.

O leve passarinho,

Que nas manhãs serenas

Deixa no visgo as penas,

E foge da prisão:

Depois que as penas todas

Renova em breve espaço,

Brinca ao redor do laço

Em outra ocasião.

Não julgas apagado

Em mim o incêndio antigo,

Porque a miúdo o digo?

Porque não sei calar?

É natural instinto;

E nas tormentas duras

Suaviza as desventuras

O gosto de as contar.

Da sorte que o guerreiro,

Se acaso sai com vida,

Mostra a cruel ferida,

E conta o que passou.

Da sorte que o cativo,

Que esteve em grilhões preso,

Mostra contente o peso

Dos ferros, que arrastou.

Suposto que em ti fale,

Não sei se és viva, ou morta.

Falo; mas não me importa,

Se tu me crês, ou não.

Falo; mas não pergunto

Se aprovas o que eu digo,

Nem se ao falar comigo

Terás perturbação.

Perdes por inconstante

O amor mais verdadeiro.

Não sei de nós primeiro

Quem se há de consolar.

Eu sei que um firme amante

Não se acha a toda hora.

Uma alma enganadora

É fácil de encontrar.

Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística