Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

Resplenduit facies ejus sicut sol: vestimenta autem ejus facta sunt alba sicut nix (1).
 
 

I

O quinto Domingo da Quaresma chama-se vulgarmente, na nossa terra, o Domingo das Verdades; e este segundo Domingo em que estamos, se é lícito falar assim, chamara-lhe eu o Domingo das Mentiras. Mas que fundamento posso eu ter — me dirão todos, e com razão — que fundamento ou motivo posso eu ter para dar um nome tão novo, e ainda tão mal soante e indecente a um dia tão sagrado, como são entre todos os do ano os domingos, e a um domingo tão singular, como é entre todos os desta santa quarentena aquele a que a Igreja dedicou o mistério altíssimo da Transfiguração do Senhor. As causas por que Cristo, Senhor nosso, se transfigurou com tantas circunstâncias de resplendor, grandeza e majestade, descendo do céu o Padre, subindo do seio de Abraão Moisés, e vindo do Paraíso Terreal Elias, e assistindo a tudo os três maiores apóstolos — como notam com Santo Agostinho os Padres, e com Santo Tomás os teólogos — foram duas: a primeira, para nos dar algumas mostras na terra da glória que havemos de gozar no céu; a segunda, para que a verdade da mesma glória ficasse provada e estabelecida com o testemunho universal de todas as três leis: a da natureza em Moisés, a da escrita em Elias, e a da graça nos apóstolos, e, sobretudo, com a voz infalível do mesmo Deus, que de todos foi ouvida. Pois, se no mistério e testemunho da Transfiguração de Cristo não só se contém a glória da bem-aventurança em si mesma, senão também a verdade da mesma glória para conosco, e esta glória e esta verdade é o que hoje celebra e manda pregar a todos os fiéis a Igreja Católica, como me atrevo eu a dizer que um dia tão solene e glorioso, e mais do céu que da terra, se pode ou podia chamar o Domingo das Mentiras? Respondo que por isso mesmo, e que em sentido bem entendido e decente se pode chamar assim. E por quê? Porque o que hoje se prega são as excelências da glória do céu, e tudo o que se apregoa e encarece da glória do céu, posto que no que se quer dizer seja verdade, no que se diz é mentira.

Agora vereis se é arrojamento o que digo. Entre os extraordinários favores que Deus fez a Davi, como homem tanto do seu coração, um deles foi, e porventura o maior, arrebatá-lo um dia, e levá-lo em espírito ao céu, onde, correndo as cortinas ao trono da majestade divina e a todo o teatro da glória, lhe mostrou a que ele havia de gozar depois, quando o Filho de Deus, e Filho do mesmo Davi, a comprasse com seu sangue. Vendo, pois, Davi a glória dos bem-aventurados, que havia de ser também sua, que conceito vos parece que faria da glória? Ele mesmo o disse, e foi admirável: Ego dixi in excessu meo: Omnis homo mendax (2). Naquele êxtase em que fui arrebatado e levado ao céu, que fiz depois de ver o que vi, foi dizer e exclamar que todo o homem mente. — Notável conseqüência! Pedro vendo a glória do Tabor, diz: Bonum est nos hic esse (3), e Davi, vendo a glória do céu, diz: Omnis homo mendax? Sim, e com admirável discurso. Como se dissera: é possível que esta é a bem-aventurança do céu, é possível que isto é o que lá no mundo chamamos glória? Ora, o certo é que nenhum homem há que falando da glória não diga uma coisa por outra; nenhum homem há que falando da glória diga o que ela é, senão o que não é; enfim que, falando da glória, todo o homem mente: Omnis homo mendax. Este foi o conceito que fez Davi quando foi arrebatado ao céu, e nem eu tinha habilidade para dar em tão alto pensamento, nem tivera confiança para sair com ele a público, se o não dissera primeiro, comentando as mesmas palavras, Teodoro Heracleota, insigne entre os Padres gregos, que floresceu a mil e trezentos anos, bispo, de Heracléia, na Trácia, e doutíssimo intérprete das Escrituras Sagradas, como dele escreve S. Jerônimo no catálogo dos escritores eclesiásticos (4). As suas palavras são estas: Exclamavit David in excessu suo: Omnis homo mendax: qui enim voce ineffabilia hortatur; mendax est, non quod oderit veritatem, sed quia deficit in rei intellectae expositione: Exclamou Davi no seu êxtase — diz o grande Heracleota — e não duvidou dizer que todo o homem mente, porque todo o homem que quis explicar com palavras as coisas que são inefáveis, e não tem termos com que se declarar, necessariamente há de mentir, não porque seja inimigo da verdade, mas porque a não pode dizer como ela é. — E esta é a razão e o sentido verdadeiro com que eu digo que o dia em que os pregadores falamos das excelências da glória é o dia das mentiras.
 
 

II

Mas, antes que passemos adiante, deixai-me provar que o sentido que acabo de referir é o próprio e genuíno do texto de Davi. A regra certa de conhecer o verdadeiro sentido de qualquer texto, como ensinam, com Santo Agostinho, todos os teólogos e intérpretes das Escrituras, é a coerência que tem o texto com os antecedentes e conseqüentes dele. Se o que fica atrás e o que se segue adiante correm naturalmente e concordam com o que diz o texto, é sinal certo e evidente de que aquele é o seu próprio, literal e verdadeiro sentido. Vejamos agora que diz Davi antes e depois de referir o seu êxtase e a exclamação que nele fez.

As palavras antecedentes são estas, e nenhuma outra mais, porque assim começa o Salmo: Credidi propter quod locutus sum: ego autem humiliatus sum nimis (Sl. 115,10): Eu — diz Davi — falei conforme o que cri, e fiquei muito humilhado. — Pois, de falar conforme o que cria podia ficar humilhado um tão grande profeta? Só no caso presente, sim. O que cria Davi era o que lhe ensinava a fé, e nenhuma coisa pode humilhar a fé, senão a vista. Foi arrebatado ao céu, viu lá o que é a glória, e como as evidências claras da glória excedem infinitamente todas as apreensões escuras da fé, ficou humilhado, e como envergonhado Davi do pouco que tinha dito da mesma glória, quando falou dela guiado somente pelo que cria: Credidi propter quod locutus sum, ego autem humiliatus sum nimis. Aquele cego de seu nascimento, a quem Cristo deu vista, muitas vezes tinha ouvido falar no sol; mas quando, com os olhos abertos, viu verdadeiramente o que é o sol, então conheceu quão diferente e quão baixo conceito era o que tinha feito da sua luz e da sua formosura, que só conhecia de ouvidas. O mesmo lhe sucedeu a Davi. Tinha falado da glória só pelo que tinha ouvido à fé, e por isso, quando a viu com seus olhos, ficou tão humilhado, tão confuso e tão corrido do pouco que tinha dito, que não duvidou de se desdizer e se desmentir a si mesmo e a todos os homens que dela falaram: Ego dixi in excessu meo: Omnis homo mendax.

As palavras que logo acrescenta e se seguem imediatamente ao mesmo texto são estas: Quid retribuam Domino pro omnibus quae retribuir mihi(5)? Não pode haver maior coerência nem maior propriedade. Com que pagarei — diz — a Deus o muito com que Deus me pagou? — Pois, Davi, já Deus vos pagou, estando vós ainda nesta vida? Sim, porque já me mostrou no meu êxtase a glória que me tem aparelhado, e com que me há de pagar no céu. Por isso lhe chama propriamente, não dádiva nem mercê, senão retribuição: Pro omnibus quae retribuit mihi. A glória é a retribuição, o prêmio e a paga com que Deus paga no céu os serviços que lhe fazemos na terra; e como Deus naquele êxtase mostrou a Davi a glória com que lhe havia de pagar seus serviços, por isso ele, com afeto de agradecimento e com desejo de fazer algum novo serviço a Deus, que fosse digna correspondência de tamanho prêmio, querendo pagar uma retribuição com outra retribuição, rompeu naquelas palavras: Quid retribuam Domino pro omnibus quae retribuit mihi? Mas, como desejava Davi pagar a Deus esta mesma paga, se os bem-aventurados, quando a recebem, nem a pagam nem a podem pagar? A razão e diferença é porque os bem-aventurados do céu já não estão em estado de merecer nem servir. Porém Davi, depois de arrebatado e levado ao céu, tornou a este mundo, e por isso era capaz de pagar a Deus a mesma paga que lhe tinha mostrado, e uma retribuição com outra.

Duvidoso pois Davi, e excogitando o modo que podia ter nesta vida para pagar a Deus com paga equivalente à mesma glória que lhe tinha aparelhado no céu, alumiado pelo mesmo Deus, deu em um pensamento altíssimo, com que milagrosamente se confirma tudo o que dizemos: Calicem salutaris accipiam, et nomem Dommi invocabo (Sl. 115,13): Oferecerei a Deus em sacrifício o cálix do Salvador, invocando seu santo nome. E deste modo lhe agradecerei e pagarei a mesma glória que me tem aparelhado no céu. Pois, o cálix do Salvador é o agradecimento e a paga com que Davi há de pagar a Deus a glória com que o mesmo Deus há de pagar e remunerar a Davi os seus serviços? Sim. Nem pode haver outra igual. E por quê? Porque o preço com que o Salvador nos comprou a glória foi o cálix do sangue da sua Paixão, que é o mesmo cálix e o mesmo sangue que se consagra no Sacramento; e só oferecendo-se a Deus em sacrifício este cálix e este sangue, se pode pagar a Deus a glória que nos dá na bem-aventurança, porque é pagar a glória, não só com preço igual, senão com o mesmo preço com que foi comprada. Comprou-se a glória com o cálix do sangue do Salvador? Pois com o cálix do mesmo sangue a pagarei eu a Deus, porque só por este modo pode ser a retribuição do agradecimento igual à retribuição do prêmio: Quid retribuam Domino pro omnibus quae retribuit mihi? Calicem salutaris accipiam, et nomem Domini invocabo.

De maneira — tornando ao nosso texto — que, sendo Davi arrebatado em espírito e levado ao céu, viu lá a glória dos bem-aventurados, e, comparando o conhecimento claro e verdadeiro da glória que viu com o conceito que fazem da mesma glória e que dizem dela os que a não viram, o que inferiu desta vista, e a conseqüência que tirou, foi dizer que todo o homem mente: Ego dixi in excessu meo: Omnis homo mendax — não absolutamente, e em qualquer outra matéria, senão particularmente nesta, e quando falam da glória. Digo quando falam da glória, porque só neste sentido se verifica com propriedade o texto de Davi, o qual absolutamente tomado, e como vulgarmente se entende, tem grande contrariedade na mesma Escritura. No capítulo catorze do Apocalipse diz S. João que viu muitos milhares de homens, em cuja boca nunca se achou mentira: In ore eorum non est inventum mendacium (Apc. 14,5). Tal foi Natanael, de quem disse Cristo: Ecce vere Israelita in quo dolus non est (6). Tal foi o Batista, de quem canta a Igreja: Ne levi posses maculare vitam crimine linguae (7). E, verdadeiramente, para não mentir, não é necessário ser santo, basta ser honrado, porque não há coisa mais afrontosa, nem que maior horror faça a quem tem honra, que o mentir. Pois, se é de fé que há tantos que nunca mentiram, como diz Davi que todo o homem mente: Omnis homo mendax? Os que querern defender a proposição de Davi no sentido vulgar, dizem que não fala do ato nem do hábito da mentira, senão da corrupção da natureza. Mas, se basta a corrupção da natureza para dizer que todo o homem é mentiroso, também bastará para dizer que todo o homem é homicida, ladrão e adúltero, o que ninguém jamais disse, nem pode dizer. Aqui vereis quão próprio e verdadeiro é o sentido em que temos declarado, com Teodoro, o texto de Davi. Quando diz que todo o homem mente, não fala em geral de toda a matéria, senão daquela que atualmente estava vendo no seu êxtase, que era a glória; e desta só, e em particular, é que diz que ninguém houve que falasse dela que não mentisse.

Mas, suposto que Davi inferiu e tirou esta conseqüência da glória que viu, eu também quero inferir e tirar conseqüências da sua proposição. — Dizeis, Davi, que todo o homem, quando fala da glória, mente porque diz menos do que é? Logo, também vós, que sois homem, quando falastes da glória, mentistes? — Concedo, diz Davi, que esse mentir não é culpa. — E se vós, que fostes o mais alumiado de todos os profetas, nesse sentido mentistes, diremos também que os outros profetas, quando nela falaram, mentiram? — Também, diz Davi — no sentido em que eu o disse, que tanto o disse por mim, como por eles. — E se os profetas, quando falaram da glória, mentiram, que diremos dos evangelistas? — No mesmo sentido em que falou Davi, ele diz que sim, e eu também com ele. E não temais que seja descrédito da verdade dos evangelistas, senão crédito da excelência da glória. Estai comigo, e assentemos o admirável desta proposição sobre as bases mais sólidas da Teologia.

Santo Tomás, dividindo a mentira em suas espécies, na questão cento e dez, artículo segundo, diz assim com Aristóteles, a quem cita no quarto das Éticas. Vede se são os dois corifeus da Filosofia e da Teologia. Mendacium in duo dividitur, scilicet, in mendacium quod transcendit verita tem in majus, et mendacium quod deficit a veritate in minus: A mentira, diz Santo Tomás, divide-se em duas espécies: uma por excesso e outra por defeito; a mentira por excesso é a que excede a verdade, porque diz mais; a mentira por defeito é a que falta à verdade, porque diz menos. — Funda-se esta divisão — a qual é adequada — na oposição que a mentira tem com a verdade, porque a inteireza da verdade consiste em dizer o que é, assim como é; e assim como dizer mais do que é, é mentira por excesso, assim dizer menos do que é, é mentira por defeito. E desta segunda espécie de mentira — que é natural, e não moral — nem os profetas, nem os evangelistas se podem livrar quando falam da glória, não porque não queiram dizer a verdade, e a digam do modo que podem, mas porque as verdades da glória são tão altas, tão sublimes e tão superiores a toda a capacidade e linguagem humana, que, por mais que digam o que é, sempre dizem muito menos.
 
 

III

Comecemos pelos evangelistas, e seja São Mateus o primeiro no mesmo Evangelho de hoje. Conta São Mateus a famosíssima história da Transfiguração de Cristo, Senhor nosso, no Monte Tabor, aonde levou consigo os três mais avantajados e mais familiares discípulos, e se lhes manifestou glorioso. E que é o que refere desta glória o evangelista? Diz que o rosto do Senhor ficara resplandecente como o sol, e as suas vestiduras alvas como a neve: Resplenduit facies ejus sicut sol: vestimenta autem ejus facta sunt alba sicut nix (Mt. 17,2). Por certo que se a glória que Cristo mostrou aos discípulos não foi mais que esta, nem é necessária para a ver ir ao céu, nem ainda subir ao monte: resplendor como o do sol e brancura como a da neve, em qualquer vale se acha e de qualquer vale se vê. S. João Crisóstomo, descrevendo o resplendor que terão no céu os corpos gloriosos dos bem-aventurados, diz que farão tanta vantagem à luz do sol, quanta faz a luz do sol a uma candeia: Erit lux non quae nunc est, sed plane alia, quae hanc tantum superabit fulgore, quantum ista lumen lychni. E se a luz de qualquer corpo glorioso não só é tão superior à do sol, senão totalmente diversa e doutra espécie: Non quae nunc est, sed plane alia, sendo o resplendor do corpo de Cristo glorioso quase infinitamente maior que o de todos os bem-aventurados, como diz o evangelista que era como o sol? Santa Teresa, a quem Cristo repetidamente mostrou as mesmas galas do Tabor, diz que aquele resplendor e brancura são tão diferentes de tudo o que cá se vê e a que se sabe o nome, que a neve lhe parecia preta, e o sol escuro e indigno de se porem nele os olhos. Os mesmos três apóstolos experimentaram bem no mesmo caso esta grande diferença, porque com a vista do Senhor transfigurado ficaram tão assombrados e atônitos que estavam fora de si, como notou São Marcos: Non enim sciebat quid diceret: erant enim timore exteriti (8). Logo, se em homens costumados a ver o sol e a neve causou aquela vista tão estupendos efeitos, muito diferentes eram do sol e da neve o resplendor e brancura que viam. Finalmente, S. João Damasceno, Santo Epifânio, S. Gregório Nazianzeno, Santo Agostinho e outros Padres dizem que aquele resplendor e aquela brancura não só emanou do corpo glorioso, nem só da alma sempre bem-aventurada de Cristo, senão da mesma divindade do Verbo unida hipostaticamente a uma e outra parte da humanidade sagrada, da qual divindade, como de fonte e princípio principal, se difundiam no rosto e nas vestiduras do Senhor aqueles admiráveis efeitos, em prova manifesta e quase sensível de que o homem que viam era juntamente Deus, como logo apregoou a voz do Padre: Hic est Filius meus dilectus (9). O Verbo Divino chama-se nas Escrituras resplendor da glória e figura da substância do Padre: Splendor gloriae et figura substantiae ejus (Hebr. 1,3); e também se chama candor e brancura da luz eterna: Candor est enim lucis aeternae (Sab. 7,26). E deste resplendor divino é que manou o resplendor do rosto, e deste candor, também divino, a brancura das vestiduras na Transfiguração de Cristo.

Pois, se a comparação do sol e da neve, aplicada a qualquer corpo bem-aventurado e glorioso, mais é injúria que semelhança; se o resplendor e brancura do rosto e vestiduras de Cristo excediam com infinitas vantagens a formosura e galas de toda a corte do Empíreo, e se estes dois reflexos da majestade, ou estas duas amostras da glória no Senhor dela mais tinham de divinas que de sobrenaturais, e no candor e na luz eram raios expressos da divindade, como diz o evangelista que o resplendor do rosto era como o sol: Resplenduit facies ejus sicut sol — e a brancura das roupas como a da neve: Vestimenta autem ejus facta sunt alba sicut nix? Aqui vereis com quanta verdade disse Davi que nas matérias da glória omnis homo mendax, não excetuando nenhum homem, ainda que seja evangelista. A verdade dos evangelistas em todas as outras matérias é tão adequada como infalível; mas quando chegam a falar da glória, não por defeito do historiador, mas por excesso da mesma glória, são tão imperfeitas as cores com que a pintam, e tão desiguais as semelhanças com que a descrevem, que não dizem o que é como é, senão como não é. Declaram o muito pelo pouco, encarecem o mais pelo menos, explicam o que chamam semelhante pelo que não tem semelhança, enfim, de tal maneira narram as verdades da glória, que sempre ficam dentro dos termos e divisão da mentira. Não diz Santo Tomás que a mentira por defeito é dizer menos do que é: Mendacium, quod deficit a veritate in minus? Pois isto é o que sucede até aos evangelistas quando falam da glória.
 
 

IV

No carro de Ezequiel, chamado o carro da glória de Deus, o rosto de homem significava a S. Mateus, e o de águia a São João. Ora, vejamos se o evangelista S. João, como águia de mais aguda vista, alcança a dizer mais que S. Mateus. No capítulo vinte um e vinte dois do seu Apocalipse diz São João que viu descer do céu a cidade triunfante da glória, ornada como a esposa no dia das bodas: Vidi civitatem Jerusalem novam descendentem de caelo a Deo, paratam, sicut sponsam ornatam viro suo (10). E, começando a descrição da cidade, assim como Deus a fábrica do mundo, pela luz, diz que a alumiava a claridade de Deus, e que esta claridade era semelhante a uma pedra preciosa, e esta pedra preciosa semelhante a jaspe, e este jaspe semelhante a cristal: Habentem claritatem Dei, et lumen ejus simile lapidi pretioso, tanquam lapidi jaspidis, sicut crystallum (11). O jaspe, de que aqui fala São João, não é aquela pedra vulgar e grosseira a que nós damos o mesmo nome, mas outra, só parecida com ela no arremedado ou remendado das cores, a que os gregos chamaram esfingites. Desta pedra refere Suetônio que lavrou para si uma galeria o mesmo imperador Domiciano, que desterrou para a Ilha de Patmos a São João. E acrescenta Plínio que pouco antes tinha sido descoberta em Capadócia, no tempo de Nero, o qual com lâminas da mesma pedra vestira o interior do Templo da Fortuna, e era tal o seu natural resplendor que, com as portas e janelas fechadas ao sol, conservavam a luz do dia.

Vai por diante o evangelista na sua descrição da Cidade da Glória, cujos muros altíssimos e fortíssimos diz que eram edificados em quadro, e todos deste mesmo jaspe. Mediu-os um anjo com uma cana de ouro, e achou que tinham por cada lado doze mil estádios de comprimento, que fazem das nossas léguas quatrocentas e quarenta e quatro, para que até o número seja quadrado, em tudo significador de firmeza. Nos quatro lanços do muro havia doze portas, as quais nunca se fechavam, porque naquela região não há noite. E destas doze portas, três olhavam para o Oriente, três para o Ocidente, três para o Setentrião, três para o Meio-Dia, em sinal de que para todas as partes do mundo, e para todas as nações e estados dele, sem excluir a ninguém, está o céu patente. As portas todas eram da mesma arquitetura, e todas da mesma grandeza, proporcionada à altura e à magnificência dos muros, e cada uma delas aberta em uma pérola: Et singulae portae erant ex singulis margaritis (Apc. 21,21). Se no antigo Panteão, que era o templo de todos os deuses, e, por isso, figura do céu, se mostra ainda hoje, por maravilha, a porta dele aberta em uma só peça de mármore, quão admiráveis seriam aquelas portas, muito maiores que o mesmo templo, abertas em uma só pérola? A estas doze portas respondiam outros tantos fundamentos, sobre os quais assentava toda a cidade, e cada um era lavrado não da mesma, senão de várias pedras, e tão preciosas como várias. O primeiro fundamento, diz São João, era de diamante, o segundo de safira, o terceiro de carbúnculo, o quarto de esmeralda, o quinto de rubi, o sexto de sárdio, o sétimo de crisolito, o oitavo de berilo, o nono de topázio, o décimo de crisópraso, o undécimo de jacinto, o duodécimo de ametista. E, segundo o número e ordem destes doze fundamentos, estavam esculpidos e gravados neles os mesmos doze apóstolos, porque só fundada na fé e doutrina dos apóstolos pode estar segura a esperança de entrar na glória.

Mas, se tão suntuoso e magnífico era o exterior da Cidade, qual vos parece que seria ou será o interior. Toda a cidade, em toda a sua grandeza, todos seus edifícios e palácios — que todos são palácios reais — todas suas ruas e praças, diz o evangelista que eram de ouro puro e sólido, mas não ouro espesso, como o nosso, senão diáfano e transparente como vidro: Ipsa vero civitas aurum mundum simile vitro mundo, et platea civitatis aurum mundum tanquam vitrum perlucidum (12). De sorte que a Cidade da Glória no pavimento, nas paredes e no interior dos aposentos, toda é um espelho de ouro, porque todos perpetuamente se vêem a si mesmos, todos vêem a todos, e todos vêem tudo. Nada se esconde ali, porque lá não há vício; nada se encobre, porque tudo é para ver; nada se recata ou dissimula, porque tudo agrada; e por que tudo é amor, tudo se comunica. Ainda tem outra excelência aquela bem-aventurada cidade, a qual, se lhe faltara, não fora da glória. Vindo a Roma, nos tempos de sua maior opulência e grandeza, um embaixador de Pirro, rei dos epirotas, não fazia fim de admirar o que o poder e a arte tinha junta naquele empório de riquezas e delícias. — E perguntado pelos romanos se achava algum defeito na sua cidade. — Sim, acho — respondeu o embaixador. — E qual é? — Que também em Roma se morre. — Não assim, diz São João, nesta riquíssima cidade que vos tenho descrito: Mors ultra non erit, ne que luctus, neque clamor; neque dolor erit ultra (Apc. 21, 4): Não há lá morte, nem lutos, nem dor, nem queixa — porque do trono do supremo Rei sai um rio de cristal que rega toda a cidade, cujas margens estão cobertas de árvores, e as árvores carregadas de frutos, e os frutos melhores que os da Árvore da Vida, que não só fazem os homens imortais, senão eternos: Fluvium aquae vivae, splendidum tanquam crystallum, procedentem de sede Dei et Agni. In medio plateae ejus, et ex utraque parte fluminis lignum vitae (13).

V

Esta é, senhores, a Cidade da Glória, descrita pelo evangelista São João; e basta que fosse assim como se descreve para ser merecedora das nossas saudades, e que fizéssemos mais do que fazemos por ir viver nela. Mas é necessário entender com distinção isto mesmo que está dito. Em dizer o evangelista que naquela bem-aventurada pátria não há morte, nem dor, nem tristeza, nem queixa, nem algum dos outros acidentes que tão molesta fazem a vida deste vale de lágrimas, é verdade entendida assim como soa, em que não pode haver dúvida. Porém isto não é dizer o que há no céu, senão o que não há. Não há mortes, não há dores, não há trabalhos. O demais, que pertence à magnificência e riqueza da mesma cidade, o ouro, as pérolas, os diamantes, e todo o outro aparato e preço da pedraria de que são edificados os muros, e quanto eles abraçam e cercam é o de que só se duvida. E com razão. Alguns doutores têm por provável que tudo isto haja no céu; os demais o negam absolutamente, e, para mim, com evidência. Os vossos mesmos olhos e os vossos mesmos pensamentos me hão de fazer a prova. Pergunto: Vistes já ouro, vistes já pérola, vestes já diamantes, e todas as outras pedras de preço, de que São João fabrica a Cidade da Glória? Sim. Logo é certo e evidente que a Cidade da Glória não é edificada desse ouro nem dessas pedras. Por quê? Porque São Paulo, que foi ao céu e viu o que lá há — diz que o que Deus tem aparelhado na bem-aventurança para os seus escolhidos são tudo coisas que nunca os olhos viram. Oculus non vidit quae praeparavit Deus iis qui diligunt illum (14). Logo, pelo mesmo caso que nós vemos esse ouro e essas pedras, segue-se com evidência que não são esses os materiais de que é fabricada a Cidade ou Corte da Glória. Dirá alguém que, ainda que vemos ouro e pedras preciosas, não vimos nunca cidade alguma, nem ainda uma só casa fabricada desse ouro e dessas pedras, e a cidade que descreve São João não só é cidade de qualquer modo, senão uma cidade de mais de quatrocentas léguas em quadra. Boa solução ou instância. Mas eu torno a perguntar: e imaginando vós com o pensamento, podeis conceber e fabricar nele uma cidade tão grande como esta, edificada toda de ouro, de diamantes e pérolas? Não há dúvida que, sem sermos tão grandes arquitetos, como Vitrúvio, a podemos imaginar e idear assim, e ainda mais a gosto de cada um. Logo a Cidade da Glória não é como a descreve S. João, porque o mesmo São Paulo diz que o que Deus lá nos tem aparelhado não só não o viram jamais olhos, mas que nem o pode conceber o pensamento, nem entrar na imaginação humana: Oculus non vidit; nec in cor hominis ascendit (15). Pois, se isto é assim com verdade infalível e irrefragável, como nos pinta o evangelista São João e nos descreve a Cidade de Deus feita toda de ouro e pedras preciosas?

Explicarei este desenho do discípulo amado de Cristo com o que aconteceu a um discípulo de Zêuxis, famosíssimo pintor da antigüidade. Disse-lhe o mestre que, por obra de examinação lhe pintasse uma imagem da deusa Vênus com todos os primores da formosura a que pudesse chegar a sua arte. Fê-lo assim o discípulo, e, com estudo e aplicação de muitos dias e desvelo de muitas noites, presentou o quadro ao mestre. Via-se nele a deusa, toda ornada e enriquecida de jóias, que mais pareciam roubadas à natureza que imitadas da arte: nos dedos anéis de diamantes, nos braços braceletes de rubis, na garganta afogador de grandes pérolas, no toucado grinalda de esmeraldas, nas orelhas chuveiros de aljôfar, no peito um camafeu em figura de cupido, cercado de uma rosa de jacintos, com os ais da mesma flor por raios; as alpargatas semeadas de todo o gênero de pedraria, as roupas recamadas de ouro e tomadas airosamente em um cintilho de safiras. Esta era a forma do quadro, e nele todo o engenho e arte do discípulo. Estava esperando a aprovação do mestre. Mas que vos parece que lhe diria Zêuxis? Fecisti divitem, quia non potuisti facere pulchram: Fizeste-a rica, porque a não pudeste fazer formosa. — O mesmo digo eu ao ouro, às pérolas e às pedras preciosas com que São João nos descreve a Cidade da Glória. — Evangelista sagrado, riquíssima está a cidade que nos pintastes; mas fizeste-la tão rica porque a não pudeste fazer formosa. A formosura que espera ver a nossa fé no céu não é como esta, em que só se pode enlevar a cobiça da terra. Bem o advertistes vós, águia divina, quando tomastes por salva que a cidade que descrevíeis era descida do céu à terra: Civitatem Jerusalem descendentem de caelo(16). O ouro, os diamantes, as pérolas, tudo é terra e da terra. E como pode o lustroso e precioso da terra informar-nos com verdade da beleza sobrenatural e formosura inestimável da glória? É verdade que São João, na idéia que formou, imaginou quanto se podia imaginar, e na descrição que fez, disse quanto se podia dizer; mas como as coisas da glória são tão diversas de tudo o que se vê, e tão levantadas sobre tudo o que se imagina, por mais e mais que se diga delas, sempre se diz menos. E como o dizer menos na Filosofia de Aristóteles e na Teologia de Santo Tomás é uma das espécies da mentira, ninguém se deve admirar que, no sentido em que falo, pareça que o maior dos evangelistas incorresse na sua visão aquela gloriosa censura que Davi, também arrebatado no seu êxtase, deu a todos os que falam na glória: Ego dixi in excessu meo: Omnis homo mendax(17).
 
 

VI

Dos evangelistas passemos aos profetas. Isaías, que é o maior de todos, e neste ponto é singular entre os demais, porque viu a Deus no trono da glória, diz assim: A saeculo non audierunt, neque auribus perceperunt, quae praeparasti expectantibus te (18). Quer dizer que as coisas que nos esperam, e Deus nos tem preparado na glória são tão altas, tão sublimes e tão superiores a tudo o de que neste mundo se tem notícia, que nunca jamais chegaram aos ouvidos dos homens. Que sejam as coisas da glória maiores que tudo o que viram os olhos e tudo o que pode inventar a imaginação, já o mostramos; mas que sejam também maiores que tudo o que ouviram os ouvidos, é coisa para mim muito dificultosa. Que há, ou que pode haver que não tenham ouvido os ouvidos? Ouviram tudo o que escreveram os historiadores; ouviram tudo o que fingiram os poetas; ouviram tudo o que especularam os filósofos; ouviram tudo o que publicou, acrescentou e exagerou a fama; ouviram tudo o que, debaixo do mais sagrado secreto, descobriu e não calou o silêncio. Mas não está aqui a dificuldade. Pois, em que está? Está em que os ouvidos têm ouvido tudo o que disseram os profetas, e tudo o que está escrito e dito nas Escrituras Sagradas. Argumento agora assim. É certo que os profetas e os outros escritores sagrados falam muitas vezes na glória, e no que Deus tem prometido e aparelhado no céu para bem-aventurança e prêmio dos que o servem nesta vida. Também é certo que tudo o que nos profetas e nos outros livros sagrados se diz e neles está escrito, nós o lemos e ouvimos. Logo, se as Escrituras Sagradas dizem o que Deus nos tem aparelhado na glória, e nós ouvimos tudo o que dizem essas mesmas escrituras, como diz Isaías que ninguém ouviu o que Deus nos tem aparelhado na glória: A saeculo non audierunt quae praeparasti expectantibus te?

A solução deste fortíssimo argumento é a mais evidente prova de tudo o que imos dizendo. Os profetas e as outras Escrituras falam da glória, nós ouvimos tudo o que dizem os profetas e as Escrituras, e, contudo, não ouvimos nada da glória, porque, por mais que os profetas e as Escrituras digam da glória, nunca chegam a dizer o que ela é. E porque eles, dizendo, não dizem, por isso nós, ouvindo, não ouvimos: A saeculo non audierunt. Mais ainda. Se ninguém ouviu o que é a glória, segue-se que nem os profetas, que falaram dela, o ouviram. Maravilhosa conseqüência, mas verdadeira! E assim é. Ouviram uns profetas aos outros profetas, e ouvia-se cada um a si mesmo; mas nem ouvindo todos a todos, nem ouvindo-se cada um a si, ouviam o que é a glória, porque, por mais levantado que seja o espírito dos profetas, por mais sublime que seja o seu estilo, e por mais que sobre-humana a sua eloqüência, em chegando a falar da glória, ou não dizem o que é, ou dizem o que não é. Dizem figuras, dizem comparações, dizem semelhanças, mas todas essas comparações são tão desiguais, todas essas semelhanças tão diferentes, e todas essas figuras tão pouco parecidas, que nas comparações fica a glória totalmente abatida, nas semelhanças desluzida, e nas figuras desfigurada. E se não, vejamos ou ouçamos o que os mesmos profetas têm dito.

Quer Isaías que comecemos desde o princípio do mundo: A saeculo non audierunt. Seja assim. E quais foram desde o princípio do mundo as figuras com que Moisés e os outros profetas nos representaram a glória? A primeira foi o Paraíso Terreal, depois o Tabernáculo e a Arca do Testamento, o Maná, a Terra de Promissão, a cidade de Jerusalém, o Templo de Salomão. Mas que semelhança têm estas coisas, por mais que fossem os milagres da natureza e da arte, com a glória do céu? No Paraíso Terreal entrou a serpente e o pecado; e a primeira prerrogativa da glória é a segurança da graça, em que todos os que lá vivem são confirmados. No Tabernáculo de Moisés andou a Arca do Testamento com os filhos de Israel peregrinando pelo deserto: no céu está Deus e os bem-aventurados de assento, como na própria pátria. O Maná, posto que tinha todos os sabores, não durava de um dia para o outro, porque se corrompia; e a glória não só é perpétua e incorruptível em si, mas aos mesmos nossos corpos de carne faz incorruptíveis e imortais. Da Terra de Promissão se dizia, por encarecimento, que manava leite e mel: mas que comparação tem o leite com os deleites do céu, e o mel com as doçuras da glória? A cidade de Jerusalém quer dizer Visão de Paz: e quantas vezes se viu a mesma Jerusalém combatida, sitiada e destruída com guerras? Só no céu é a paz segura e sem temor, porque dentro não pode haver desunião, e de fora não chegam lá inimigos. No Templo de Salomão estava coberto com um véu o Sancta Sanctorum, donde Deus, oculto e invisível, falava por oráculos, e onde só podia entrar o Sumo Sacerdote uma vez no ano: mas na glória, sem véu nem cortina, se deixa Deus ver e gozar manifesto a todos, e não em um só dia ou ano — que fora assaz — senão por toda aquela eternidade, inteira sem divisão e continuada sem limite, em que não há anos nem dias.

Que mais dizem os profetas? Dizem que o céu é um rio de delícias que sempre corre: Torrente voluptatis tuae potabis eos(19). Mas, se todo o mar oceano, comparado com a imensidade das delícias celestiais, é estreito, que será um rio? E se as mesmas delícias são permanentes e eternas, e não diversas, senão sempre as mesmas, como podem ser correntes? Dizem que o céu é um perpétuo convite de esquisitos e soberanos manjares: Faciet Dominus in monte hoc convivium pinguium, pinguium medulatorum(20). Mas os convites começam com fome, continuam com gosto, e acabam com fastio. A glória, pelo contrário, é uma perpétua satisfação do desejo e um perpétuo desejo da mesma satisfação, em que não há fome, porque a fome molesta, nem fastio, porque o fastio cansa, nem o gosto acaba jamais, porque não tem fim. Dizem que é um reino em que todos os que nele entram recebem a coroa da mão de Deus: Accipient regnum decoris, et diadema speciei de manu Domini (21). Mas o reino compõe-se de rei e vassalos, e na glória, não há súditos: só são sujeitos a Deus, por vontade, os que reinam com ele, e essa mesma sujeição amorosa é o cetro da liberdade e a coroa do alvedrio. Dizem que é um dia de bodas com vínculo indissolúvel: Sponsabo te mihi in sempiternum(22). Mas que amor ou que gosto há nas bodas que em poucos dias não enfraqueça ou se mude? Cresce com a esperança, satisfaz-se com a novidade e diminui com a posse. Na glória não é assim, porque o bem infinito sempre é novo, e onde a novidade não envelhece, o amor e o gosto não diminui. Dizem, finalmente, que a alegria da glória será como a dos lavradores no dia da messe, quando colhem o fruto dos seus trabalhos, e como a dos soldados vitoriosos, quando repartem os despojos dos inimigos vencidos: Laetabuntur coram te, sicut qui laetantur in messe, sicut exultant victores capta praeda, quando dividunt spolia (23). Mas, que semelhança tem a baixeza destas comparações e a desproporção de todas as outras, para medirmos ou estimarmos por elas as felicidades do céu? Mais parecem inventados para abater a grandeza da glória, para escurecer seu resplendor e para afear sua formosura que para nos representar nem as sombras do que ela é.

Quase lhes aconteceu aos profetas com o céu lá de cima, que não vemos, o mesmo que aos matemáticos e astrólogos com este céu cá de baixo, onde chega a nossa vista. Viram os matemáticos esse labirinto de luzes, de que está semeada sem ordem toda a esfera celeste, tão diversas na grandeza, como várias no movimento e infinitas no número; e para assentar alguma coisa certa em uma confusão tão imensa, que fizeram? Repartiram o mesmo céu, e fingiram em todo ele grande multidão de figuras, umas naturais, outras fabulosas. Aqui puseram um touro, ali um leão, acolá uma serpente; aqui um cervo, ali um cisne, acolá uma águia; em uma parte a Hércules, em outra a Orion, em outras a Medusa, a Berenice, a Andrômeda; o cavalo Pégaso voando com asas, o rio Erídano volteando a corrente, a nau Argos navegando; um golfinho, um caranguejo, uma balança, um carro, o escorpião, o centauro, a hidra, o capricórnio, e outras quimeras como estas, tão feias nos aspectos como nos nomes. Pois, no céu há estes animais, estas fábulas, estes monstros? Não, que tudo são estrelas resplandecentes e formosas. Mas foi necessário aos matemáticos fingir no céu estas mentiras e pôr lá estas fábulas, para, por meio delas, se entenderem entre si e ensinarem de algum modo ao mundo a verdade do que passa no céu.

Perdoai-me a comparação, profetas sagrados, e agradecei à reverência dos vossos oráculos não usar eu do nome e da licença que já me deu um de vós, e o mais alumiado de todos. No céu não há segadores, messes, nem soldados, nem despojos; no céu não há convites, nem bodas, nem inundação de torrentes; no céu não há Jerusaléns, nem Tabernáculos, nem Paraísos Terreais, nem Terras de Promissão, que tudo isso é terra e coisas da terra. Mas vós, como matemáticos do céu empíreo, pusestes lá todas essas figuras, com tão pouca semelhança e proporção, como com necessária impropriedade, para por meio delas ensinar a nossa rudeza, e, pela consideração dos gostos grosseiros que percebemos, nos levantar a fé e o pensamento à conjectura dos que não alcançamos. Nem podia haver outro argumento ou experiência que melhor nos demonstrasse o eminentíssimo conceito que devemos fazer das coisas da glória, pois os vossos mesmos entendimentos, ainda sobrenaturalmente elevados, não têm conceitos nem palavras bastantes com que nos declarar suas grandezas.
 
 

VII

E se os mesmos profetas, quando chegam a falar da glória, dizem tanto menos do que ela é, ou verdadeiramente o que não é, que podemos nós, os pregadores, dizer em matéria que tanto excede toda a capacidade mortal? Por isso, ainda quando mais encarecemos, sempre mentimos. Só São Paulo pudera pregar da glória, porque era pregador que a viu com seus olhos; mas, ouçamos o que ele disse depois de a ver: Raptus est in Paradisum, et audivit arcana verba, quae non licet homini loqui (2 Cor. 12, 4): Eu — diz São Paulo, falando de si em terceira pessoa — fui arrebatado ao céu, e lá vi o que Deus tem aparelhado para os seus escolhidos; mas são coisas tais que me não é lícito dizê-las. — Neste não me é lícito reparo. Que coisa mais lícita, que coisa mais justa, que coisa mais santa, mais útil e mais necessária que falar da glória do céu, e mais quem a tinha visto? O rico avarento teve para si que faria maior impressão de temor em seus irmãos a pregação de Lázaro, porque tinha visto as penas do inferno; e não há dúvida que também em nós excitaria muito mais o desejo a pregação de São Paulo, porque tinha visto a glória do céu. Pois, se esta pregação era tão eficaz e tão útil para a salvação de muitas almas que tão esquecidas vivem do céu, por que se escusa São Paulo de pregar e apregoar os bens da glória, e se escusa com lhe não ser lícito: Non licet?

Há casos em que muitas coisas vedadas se dispensam e se podem fazer licitamente, mas a mentira, ainda em matéria leve, é de sua natureza tão intrinsecamente má, que em nenhum caso é lícito mentir. E porque o mentir nem por salvar almas é lícito, e as coisas da glória se não podem dizer sem mentir, por isso São Paulo, em todo o rigor da palavra, se escusou com lhe não ser lícito: Non licet homini loqui. De sorte que, reduzido nas matérias da glória a termos ou de mentir ou de calar, tomou por expediente o calar, porque lhe não era lícito o mentir. Mas, se a São Paulo não era lícito falar na glória com este defeito, logo também aos profetas e aos evangelistas não foi lícito? Sim, foi, porque eles não tinham visto a glória; S. Paulo sim. S. Paulo, como testemunha de vista, tinha obrigação de dizer tudo o que vira, sob pena de desacreditar e infamar a glória; os demais, que a não tinham visto, não eram obrigados a dizer de suas grandezas senão o que podiam, e do modo que podiam, como fizeram. E, posto que disseram da glória muito menos do que ela é e merece, nem por isso incorreram em culpa, porque quando Davi disse que todos mentiam, falou da mentira material, a qual não é ilícita nem culpável, antes, neste caso, louvável e de grande glória da mesma glória. A razão da diferença é porque, como define Santo Agostinho: Mentiri est contra mentem ire. O mentir, com mentira formal e ilícita, é dizer um homem o contrário do que entende. Os outros escritores sagrados no que disseram da glória disseram o que entendiam e o que podiam; porém, São Paulo, ainda que dissesse o que podia, sempre havia de dizer contra o que entendia, como homem que tinha visto a glória, e por isso não lhe era lícito: Non licet homini loqui.

Assim calou o maior pregador do mundo, e assim pudera também a Igreja mandar os pregadores que calássemos neste dia, pois o calar sempre é lícito. Mas quis antes que disséssemos — ou mentíssemos esse pouco que podemos dizer, do que passarmos totalmente em silêncio as grandezas da glória, porque a maior grandeza das suas grandezas é não se poder falar nelas sem mentir.

E se algum crítico acaso tiver estranhado a palavra e o assunto, saiba que usar talvez da mentira para persuadir a verdade, não só não encontra as leis da boa e verdadeira retórica, mas é um dos maiores primores da sua energia. Fala Sêneca da hipérbole, tão usada de todos os que falaram em coisas grandes, e diz assim: In hoc omnis hyperbole extenditur, ut ad verum mendacio venia (24): O fim por que a hipérbole se estende tanto fora dos mesmos limites do que pretende persuadir, é porque quer chegar à verdade por meio da mentira: mente e diz mais do que a coisa é, para que se lhe venha a crer o que é: Nunquam tantum sperat hyperbole, quantum audet: Não é tão mal-entendida a hipérbole, que espere tanto do ouvinte quanto ela se atreve a afirmar. Sed incredibilia affirmat, ut ad credibilia pervenit: Mas afirma o que é incrível, para que se lhe creia tudo o que se pode crer. — Por este exemplo ficará entendido o fim e fundamento do meu discurso. O estilo que segui foi uma hipérbole às avessas. Há hipérbole por excesso e hipérbole por diminuição, e ambas mentem para chegar à verdade: Ut ad verum mendacio veniat. A hipérbole por excesso diz o muito que se não pode crer, para que se creia o que é; e a hipérbole por diminuição diz o pouco que se pode dizer, para que se creia o que será. O que será a glória do céu é o que se colhe eficazmente do meu discurso.

É certo que bastava só a consideração ou a suspensão deste que será, para todos os que temos fé nos levantarmos sobre todas as coisas da terra e as tratarmos com o desprezo que pede o altíssimo fim para que fomos criados. Se tudo o que temos dito, se tudo o que todos disseram, se tudo o que todos escreveram, se tudo o que todos imaginaram, em comparação da glória merece nome de mentira, a verdade que será? Há mentiras que se vêem, como diz o Espírito Santo: Visa mendacia(25), e tais são as aparências deste céu inferior que vemos ou cuidamos que vemos. Cuida o vulgo que vê o céu, e engana-se, porque não chega lá a nossa vista. Isto que chamamos céu é uma mentira azul, e o que chamamos íris ou arco celeste é outra mentira de três cores; e, se as mentiras do céu da terra são tão formosas, quais serão as verdades do céu do céu: Caelum caeli Domino (Sl.113, 16)? S. Bernardo, sem subir tanto acima, tomou por empresa uma harpa com a letra que dizia: Quid erit in patria? Se no desterro há tal harmonia e tal suavidade, na pátria, que será? Mas muito melhor o nosso Davi, depois que viu na mesma pátria, não o que será por conjectura, senão o que é por realidade, trocou a empresa e desencordoou a sua harpa. E que disse? Que tudo quanto tinha cantado a ela, e quanto cantam e contam todos os que falam na glória, tudo é mentira: Ego dixi in excessu meo: Omnis homo mendax.
 
 

VIII

Suposto, pois — dai-me agora uma breve atenção — suposto pois que tudo o que se tem dito, tudo o que se diz e tudo o que se pode dizer da glória que nos espera no céu é tanto menos, e tão pouco, e tão nada que sem encarecimento se pode chamar mentira, que havemos, ou que podemos fazer para saber verdadeiramente o que é e como é a glória? Não há nem pode haver mais que um só meio, mas esse muito certo e adequado. E qual é? Ir ao céu, e vê-la. Perguntaram uma vez a Cristo dois que queriam ser seus discípulos onde morava: Rabbi, ubi habitas (26)? E o Senhor, que não tinha casa na terra, senão no céu — donde nunca saiu ainda quando veio ao mundo — que respondeu? Venite, et videte (Jo. 1,39): Vinde, e vê-lo-eis. — E sem irem e verem não o podiam saber? Não. Excelentemente Alcuíno e Beda: Ideo non dixit ubi habitaret, sed illos ut venirent et viderent invitavit, quia habitatio, idest gloria Christi, videri quidem potest, verbis explicare non potest (27): Não disse o Senhor onde morava aos que o queriam saber, e somente lhes respondeu que viessem e vissem: Venit et videte, porque a morada de Cristo é a glória, e o que é, e como é a glória, só se pode ver, mas não se pode dizer: Videri potest, explicari non potest. Isto é o que respondeu Cristo, e isto é o que eu digo e o que só podem dizer os pregadores sobre este assunto. Façamos muito por ir ao céu, e lá veremos o que é a glória: Venite, et videte: Vinde, e vê-lo-eis. — E quando, por mercê de Deus, formos ao céu, e virmos verdadeiramente o que é a glória, então veremos e conheceremos também quão pouca semelhança tem de verdade quanto cá se diz e se ouve.

Quando a Rainha Sabá viu a corte e Casa Real de Salomão, não só admirada do que se via, mas, como diz o texto sagrado, quase desmaiada de pasmo, rompeu nestas palavras: Non credebam narrantibus mihi, donec ipsa veni et vidi oculis meis, et probavi quod media pars mihi nuntiata non fuerit: major est sapientia tua et opera tua, quam rumor quem audivi. Beati viri tui, et beati servi tui, qui stant coram te semper (3Rs. 10,7): Eu, sapientíssimo rei Salomão, quando estava nas minhas terras — diz a rainha — muitas coisas tinha ouvido da vossa sabedoria, da vossa grandeza, da vossa corte e da magnificência da vossa casa, às quais porém não dava crédito, por me parecerem incríveis; mas, depois que vim e as vejo com meus olhos, já tenho conhecido e provado que nem ametade se me tinha dito do que verdadeiramente é. Bem-aventurados os vossos servos, e bem-aventurados os vossos cortesãos, pois têm e gozam a felicidade de estar sempre em vossa presença. -Parece que não pudera dizer mais se falara com Deus na glória. E se as grandezas da corte e casa de Salomão as não pode crer nem perceber uma rainha tão sábia, senão depois de vir e ver: donec ipsa veni et vidi — e se tudo o que tinha ouvido na sua terra não chegava a ser ametade do que agora via com seus olhos, que proporção e que semelhança pode ter o pouco ou nada que cá dizemos e ouvimos, com o muito, com o infinito, com o imenso da glória que lá vêem os que a gozam? Por isso o Senhor e Autor dela nos diz: Venite et videte: Vinde e vede.

Mas o mal e a desgraça é que todos querem ver, e há muito poucos que queiram vir. Todos querem ver e gozar a glória, mas há poucos que queiram vir e seguir a Cristo pelo caminho que ele nos veio ensinar para chegarmos a ela. Se o divino Mestre trocara os termos, e assim como disse: Venite et videte, dissera: Videte et venite, se fora possível e conveniente que primeiro se nos desse vista da glória, e depois se nos prometessem os meios de a conseguir, como é certo que não seria necessário que Deus nos chamasse ou rogasse, senão que nós mesmos, arrebatados daquela imensa formosura e felicidade incompreensível, não só com vontade e desejo, mas com ímpeto e violência romperíamos por todas as dificuldades da vida, e pela mesma vida e mil vidas por alcançar tanto bem. Porém, que merecimento seria então o da fé, que prêmio o da esperança, e que valor o da caridade, sendo necessária, e não livre? Para maior bem do mesmo bem, e para maior aumento da mesma glória nos pede Deus primeiro os passos e depois nos promete a vista: Venite, et videte.

E verdadeiramente, que, ainda que o caminho do céu e a passagem deste Cabo de Boa Esperança tivera maiores dificuldades, bem se puderam empreender todas, sem o testemunho da vista, debaixo da palavra de Cristo. Quando o mesmo Senhor, antes de se fazer homem por nós, disse a Abraão que deixasse a sua pátria, não lhe prometeu o céu, senão outra terra, e não lha mostrou então, mas somente lhe disse que Iha mostraria depois: Veni in terram quam mostravero tibi (28). E que fez Abraão debaixo desta palavra? Apenas se pode dizer sem injúria e afronta da nossa fé. Deixou a pátria, deixou a casa nobre e rica que tinha herdado de seus pais, deixou a companhia dos parentes, o amor dos amigos, a familiaridade dos conhecidos, para ir peregrinar entre gentes estranhas. Enfim, rompeu todas aquelas cadeias com que a criação e a natureza costuma prender o coração humano, que tudo nota e pondera a história sagrada. E que tudo isto executasse com tanta prontidão de ânimo um homem que pouco antes fora gentio e adorava os deuses falsos? Sim — diz Santo Estêvão — e ninguém se espante, porque o Deus, que mandou a Abraão que fizesse este divórcio e renúncia geral de quanto tinha e amava no mundo, era o Deus da glória: Deus gloriae apparuit Patri nostro Abraham, et dixit ad illum: Exi de terra tua et de cognatione tua, et veni in terram quam mostravero tibi (29). Em toda a Sagrada Escritura se não lê ou dá a Deus semelhante título ou epíteto de Deus da glória, senão neste lugar unicamente. E por que usou de tal paráfrase aquele famoso pregador apedrejado a quem, entre as mesmas pedras, se lhe abriu o céu? Não foi só para encarecer a fineza do que Abraão obrara, mas para distinguir os motivos que ele podia ter na mesma obra, e nós podemos ter nas nossas. Se não fazemos grandes coisas por amor de Deus porque é Deus, ao menos por que as não faremos porque é Deus da glória: Deus gloriae? Fazê-las por Deus porque é Deus, é fineza: fazê-las por Deus porque é Deus da glória, é conveniência; fazê-las por Deus porque é Deus, é amor de Deus; fazê-las por Deus porque é Deus da glória, é amor-próprio. E que nem por este amor-próprio, nem porque Deus nos há de premiar com a glória lhe façamos tais serviços que sejam merecedores dela? Grande miséria!

E se é miséria grande o pouco que fazemos por alcançar e ver a glória, muito maior miséria e o muito que fazemos pela perder e não ver. Cada pecado que cometemos é um pecado e duas ofensas: uma ofensa contra Deus, e outra ofensa contra a glória. Assim o entendeu aquele moço pródigo, a quem a experiência das pagas que o mundo dá restituiu o entendimento que o mesmo mundo lhe tinha tirado. Pater, peccavi in coelum et coram te (Lc. 15,18): Pai meu — dizia ele falando com Deus — pequei contra o céu e pequei contra vós: contra o céu, que é a glória para que fui criado, e contra vós, que sois o Deus que me criastes para ele. — Em primeiro lugar pôs a ofensa do céu, e no segundo a de Deus, porque como era homem que se tinha posto à soldada, mais sentia a perda do galardão que o desagrado do amo. Eu já me contentara que nas nossas fidalguias se usaram com o céu e com Deus estes desprimores. Se não deixamos os pecados por contrição, e por serem ofensas de Deus, deixemo-los ao menos por atrição e porque nos privam da glória. Não ofender a Deus porque é Deus é obrigação; não o ofender por não perder a glória é interesse. E sendo nós tão interesseiros ou tão servos e tão escravos dos interesses da terra que, ao menos pelos interesses do céu e da glória, não deixemos de ofender a quem no-la há de dar ou tirar para sempre? Não foi o Pródigo o pródigo; nós o somos, e mais feiamente. Ele disse: Peccavi in caelum, e não foi pródigo do céu, senão da fazenda; nós somos avarentos da fazenda e pródigos do céu e da glória.

Oh! como podem temer que não são criados para ela os que tão pouco fazem pela ver, ou tanto fazem pela não ver! De quantos deixaram o coração no Egito, nenhum chegou a ver a Terra de Promissão, porque sem vir não há ver, e quem não vem de todo o coração, não se move. Desde essas moradas eternas nos está Cristo glorioso chamando e convidando a todos, e dizendo como aos que lhe perguntaram onde morava: Venite,et videte: Vinde, e vede. Venite, nos diz agora aquele mesmo Senhor, que no dia do juízo, unidas outra vez nossas almas a estes mesmos corpos, há de dizer aos que ouvirem sua voz: Venite benedicti(30). Vinde, nos diz. E donde, e para onde? Da terra para o céu, do desterro para a Pátria, do cativeiro para a liberdade, da guerra para a paz, da tempestade para o porto, do trabalho para o descanso, do tempo para a eternidade, do vale de lágrimas para o Monte da Glória. E que haja ainda quem duvide vir? Venite: Vinde. E não vos digo — diz o Senhor, que venhais como eu vim pelo Monte Calvário: basta-me que venhais pelo Tabor, o mais ameno do mundo, contanto que venhais em meu seguimento. E se ainda pelo Tabor não vos atreverdes a vir, como Pedro, João e Diogo, pelo caminho estreito dos conselhos, vinde como Moisés e Elias, pelo mais largo dos Mandamentos, que para isso fiz dois caminhos, desejando que venham todos: Venite. Vinde, enfim, e vereis o que antes de vir se não pode ver: Venite, et videte. Vereis o que nunca vistes, vereis o que nunca ouvistes, vereis o que nunca imaginastes, e vereis quão diferentes, quão outras e quão infinitamente incomparáveis são as coisas da glória a todas as que lá vos disseram os meus profetas e evangelistas, não por eles quererem mentir — que não é possível — mas porque tudo o que há na terra, ou desde a terra se vê no céu, nenhuma comparação tem nem semelhança com o que vê e goza na glória. Em particular vos convido, como homens, a ver gloriosa em seu trono a minha Humanidade. — E então julgareis se os raios de que se coroa são de sol, e a cor de que veste, de neve: Resplenduit facies ejus sicut sol, vestimenta autem ejus facta sunt albo sicut ni (31).
 

(1) O seu rosto ficou refulgente como o sol, e as suas vestiduras se fizeram brancas como a neve (Mt. 17,2).

(2) Eu disse no meu êxtase: Todo o homem é mentiroso (Sl. 115,11).

(3) Bom é que nós estejamos aqui (Mt. 17,4).

(4) Div. Hier. in  Cathal. Scrip. Eccles.

(5) Que darei eu em retribuição ao Senhor, por todos os benefícios que me tem feito (Sl. 115, 12)?

(6) Eis aqui um verdadeiro israelita, em quem não há dolo (Jo. 1,47).

(7) Chysost. Paraenet. I ad Theo.

(8) Porque não sabia o que dizia, pois estavam atônitos de medo (Mc. 9,5).

(9) Este é aquele meu querido Filho (Mt. 17,5).

(10) Vi a cidade, a Jerusalém nova, que da parte de Deus descia do céu, adornada como uma esposa ataviada para o seu esposo (Apc. 21,2).

(11) "A qual linha a claridade de Deus, e o lu