LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Certa lenda numa tarde, de Ernani Rosas
Texto-fonte:
Ernani Salomão Rosas, Poesias, org. de Iaponan Soares e Danila Luz Varella,
Florianópolis: FCC, 1989.
ÍNDICE
Paráfrases de Narciso
Por Rictos da Cruz
Sombra idílica
I
Amplo mistério, abraça meu segredo,
floresce num delírio de inconsciente
e a alma, que envelheceu pelo degredo,
alheia-se a sonhar convalescente.
Para mim, tudo num Luar se estagnou,
como um adeus de cinza esmorecendo
em tarde que minh'alma se evolua...
num crepúsculo em seda amortecendo.
A luz é uma ante-sombra, pela tarde
na envolvência dum sonho de acordar...
embalada na voz que se oira e arde...
Ó Alma, que és sol pálido de Lua!
sou o idílico irmão do teu cismar...
que é meu rastro de branca Ofélia nua.
II
Ó Ninfas ao Luar da noite ainda
abraçando a ansiedade da minh'alma...
idílica e lunar, que em flor se alinda
no abismo d'água clara da voss’alma...
A hora trespassando antiguidade,
faz-se ausência, etereal melancolia...
canção d'aroma as formas da saudade
que passa lenta como a luz do dia...
Inquietação de tarde sibilina
acorda-te, ó Luar adolescente. .
pela noite imperial da minha sina!
Adormeci... pela manhã amiga
despertei sombra vã de antigamente,
vi-me passar no Espelho d'hora antiga...
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III
"Perdi-me... toda uma ânsia me revela
sombra de Luz em corpo de olor vago,
a saudade é um passado que cinzela
em presente, a legenda desse orago"
"Errasse em densa noite de beleza,
pisasse incerto, um falso solo de umbra...
sonho-me Orfeu... o Luar que me deslumbra...
é marulho de Luz na profundeza!..."
Toda a alma do azul esvai-se em lua..
nimba-lhe a face um crepe de Elegia...
É alvor do dia numa rosa nua,
que as minhas mãos cruéis sonham colher...
mas ao tocar desfolha-se mais fria,
que a sombra de meus dedos a tremer...
IV
Sinto meu ser tremer como a água fria
ao Luar num jardim — sonho de Ninfas...
e a sombra a agonizar n'áurea agonia
iriado lírio de luar nas linfas..
Cismo singrar-me lírio nessas tranças
aureoladas das fontes que nasciam...
a deslizar saudades e lembranças
que vão nascer pra além como morriam...
Pensei retê-las, ser o rastro d'Elas...
ser a canção saudosa, que desliza
bebendo a luz dos olhos das estrelas...
Correr em vão e ter seu mesmo fim,
ser o irreal espelho onde agoniza
esparso olor, idílico jardim!...
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As ninfas
I
Ó cabelos das ninfas — oiro a arder-Me!
chorando à noite em lua no arvoredo...
desgrenhadas visões do meu segredo,
que a essa hora anseiam entrever-me.
Ó suplicantes formas de Beleza,
todas de rastos, de aneladas tranças..
Eleitas vidas, que alimentam esperanças
e erram de tarde em tarde na tristeza!
Ó tântalos de carne! Sonhos do Sol Poente.
corpos vagos de Incenso... Horas rezadas
jardim lilás de orquídeas do ocidente!...
Ó Imperdurável encarnação de Ninfas!...
Lá! se vão, sobre as nuvens reclinadas...
Como sobre corcéis que cortem Linfas!...
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II
Ninfas de loiras tranças, já desfeitas,
sobre a infusa demência dos ocasos,
Já olhares azuis, Ninfas eleitas,
que eram formosas, como curtos prazos...
Alucinadas fontes que correram. .
saudosa voz de sombra num jardim...
Linfa, a chorar as Ninfas que morreram
e a tarde bizantina desse fim...
Sombra do seu cabelo, a tarde em lume...
que se deliu no meu olhar assim...
e ondeia em doida forma de perfume...
Ó ritmos de seus dedos, que são fumo...
esgarçada saudade de um jardim,
desnastradas chorando em vário rumo.
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Narciso
Para Eugênio de Castro
Vislumbro esse jardim, onde a demência erra?
Sonho de infância em cor na cinza doiro extinto.
Que tarde essa de anseio a perder-se em meus Olhos,
como por mim se ausenta esse luar, que sinto?...
Vislumbro esse jardim, em que órbita se encerra?
distante a sepultar-se em névoa nos meus olhos...
Tarde de encantamento e transfiguração!
idílica na cor da fonte, que desliza...
silêncio, mansamente à boca do mistério!...
há mãos de musa a urdir a minha inquietação.
Acalenta-me o berço — embalsamada brisa...
onde irá ter o seu suspiro de oiro aéreo?...
Tarde de encantamento e transfiguração!
em que eu cismo Existência — hierático perfume...
que oloriza e adormece a tarde em áureo lume,
no seu vago fulgor e azul palpitação!...
Eu sinto sepultar-me a noite d’além fim!
espelho-me a sonhar à sombra do jardim...
meu cabelo a cair como um clarão velado
ilumina-se à luz como um cristal dolente
em ausência de sol num reflexo alado,
sou a idílica voz da fonte, tristemente!...
Sobre mim desce a noite estática e divina
em hausto de neblina a transcender de Olor!
meu contemplo deliu-se lindo a oiro pálido...
sou todo anel de Lua em linfa cristalina,
onde todo esse amor é um sonho vago e esquálido!...
O outono a fenecer em meus gestos de seda,
esmaiou no dossel d’alguma tarde antiga,
por mim passou com o tempo a legenda inimiga
e a alma idílica em oiro de um cisne e de uma leda!...
passaram entre canções do meu idílio em seda!...
Perdi-me. O meu olhar era o mais lindo abismo,
em que eu flor divaguei demência, num aroma...
quebrou-se a gesto d'Alma... à beira dele cismo
e sonho essa ilusão de ser olor, que assoma...
através do meu ser — vago espelho sem fim!
aclaro-me a cismar no meu místico-Fim..
Tarde de encantamento e transfiguração!
Tu’alma erra dentro da minha em ecos de outras tardes...
Eu sou — Narciso! — Ó Ninfas, minha meditação
inquieta-se em ser a irmã das vossas tardes!
vós sois o Poente irreal e idílico e est’alma...
Ó Ninfas — a tentar a minha maldição!...