DUAS PAGINAS
DOS QUATORZE ANNOS
POESIAS
POR
Abilio Guerra Junqueiro
COIMBRA IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
1864
A
SEU PRIMO
MANUEL GUERRA TENREIRO JÚNIOR
em testemunho de eterna amizade
O Autor.
Meu caro Manuel
Talvez julgasses encontrar aqui uma longa carta em linguagem empolada, falando-te de muita cousa bonita, mas de que tu nada entendesses; pois estás completamente enganado.
Dir-te-ei somente que, escrevendo estas poucas linhas, nada mais intentei, que dar-te uma prova, ainda que débil, da minha sincera amizade.
Teu do coração
Abílio Guerra Junqueiro.
ÍNDICE
À morte de minha prima D. J. Ernestina
À morte do meu amigo A. P. de Mello
Quem me dera voar aonde agora
Me leva o pensamento!
Iria aos braços teus buscar alivio
À dor que me devora!
Iria junto a ti viver feliz
Como vivera outrora!
Prouvera a Deus, que eu pudesse,
Atravessando os espaços,
Ir fazer-vos mil carinhos,
Cingir-vos em doces laços;
Cobrir-vos-ia de beijos,
Mitigando a minha dor:
Oh! então mostrar-vos-ia
Quão intenso o meu amor!
Mas são projetos baldados
Estes que n'um sonho eu vi;
Recebei pois a saudade
Que ora vos mando d'aqui.
À MORTE DE MINHA PRIMA D. J. ERNESTINA
Ainsi tombe une fleur avant le temps fanée.
LAMARTINE—Medit.
Ceifou-te a morte no verdor dos anos,
Inocente bonina; e quando então,
Tão cândida e tão bela despontavas,
Tão linda e terna como os anjos são!
Da vida o livro mal aberto tinhas,
Entre os dedos a página da morte,
Sem sentir te aparece de repente:
Assi Deus decretou a tua sorte.
Os anjos, invejando-te a candura,
D'este árido deserto te hão levado;
Temeram se manchasse um coração
De tamanhas virtudes inspirado!
À MORTE DO MEU AMIGO A. P. DE MELLO
Eu choro, amigo, eu choro ao ver-te assim
Roubado pela morte ao mundo, à vida;
Ai! que transe cruel, que dor sem fim
Sofrendo está minh'alma enternecida!
Da amizade antes nunca os doces laços
Os nossos corações viesse unir,
Se te havias de ir cedo dos meus braços,
Se tão breve me havias de fugir!
Antes nunca… que não poderei eu
A ventura sem ti jamais achar!
Perdido o leme e o rumo ao barco seu,
Como é que pode o nauta navegar?…
Morreste, e nada tenho já comigo!
Esp'ranças, ilusões, sonhos ditosos
D'esses meus dias de prazer, de gozos
Voaram todos para Deus contigo.
Vivo triste, sempre dado
Ao martírio, à dor, ao pranto:
A vida, por meu mau fado,
Não tem para mim encanto!
Nasci p'ra ser desditoso,
P'ra ser feliz não nasci;
Uma esp'rança, um sonho, um gozo
Nunca n'alma conheci!
Mas dá-me a tua amizade,
Que, sendo tu meu amigo,
Pode ser que a f'licidade
Venha ainda ter comigo.
'Stás tão triste, coitadinha,
Ai! fazes-me entristecer;
Nos teus olhos 'stou a ler
Que dor cruel te definha!
Oh! não chores, que se a vida
Te há sido tão desditosa,
Outra já bem venturosa
Espera por ti, ó q'rida:
As tristes pungentes dores
Do teu terno coração,
Lá no céu se tornarão
Inda n'outras tantas flores!
Houve tempo, em que feliz
Vive alegre, ditoso:
Então passava meus dias
Sempre, sempre venturoso;
Houve tempo, em que este mundo
Julgava somente ser
Esse espaço, que meus olhos
Podiam só abranger.
E o tempo destruidor,
Em troca d'essas venturas
E das minhas ilusões,
Deu-me só mil amarguras.