Fonte: Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos

 

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Sonetos

ARNALDO FORTE

Tip. A AMERICANA — 48, Rua da Horta Sêca, 50 — Lisboa

ARNALDO FORTE

 

 

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SONETOS
 
 

Edição do Autor

1921

DEPOSITO

Sociedade Editora Portugal-Brazil, Ltd.

58, RUA GARRETT, 60

LISBOA

 

DO AUTOR

CINZAS, 1908 (Fora do mercado)

LUAR DE OUTONO, 1912 (Esgotado)

Encheste a minha vida de amargura.

Encheste a minha vida de martírios.

Enchi a tua vida de ternura,

E vou encher o teu coval de lírios.

DIA 13

 

A sombra vai caindo lentamente.

Caindo, amortalhando devagar

A hóstia ensanguentada do poente!

Ouvem-se ao longe as fontes soluçar…

A aragem murmura docemente.

Há preces de novena pelo ar.

A natureza às vezes também sente!

Há tardes em que o céu sabe chorar!

As velas assustadas, pela serra,

Pararam de moer, fitando a Terra!

Passa um enterro… «É nova, vai tão cedo!»

Falam mágoas nos olhos de quem passa…

Anda no ar um vento de Desgraça!

Amor, as tuas mãos… eu tenho medo!

13 — Março 1916

A VIDA É UMA VALSA…

Naquela valsa que dançamos, lenta e linda,

Num baile onde, ao acaso, um dia te encontrei,

Sem qu'rer, fiz-te chorar. Eu lembro-me ainda!

Foi toda a minha vida… a valsa que dancei!

Senti a tua alma entrar dentro da minha;

E ouvi teu coração falar muito baixinho.

E ainda pressenti que a tua alma tinha

Anseios de contar soluços de carinho.

Sentindo as tuas mãos nas minhas a queimar,

Eu disse-te orações… e ouvi-te murmurar

Palavras que de cor meu peito diz ainda!

Vejo-te assim; juntinha a mim, de olhos fechados…

Eu sinto que nós dois andamos abraçados,

Dançando devagar, aquela valsa linda!

1916

FRIA

Que importa o teu olhar seja tão lindo,

E tenha a cor da luz que tem o dia?

Que importa o teu sorriso doce, infindo,

Se és fria, como a pedra, fria, fria!

Que importa esse teu corpo, se não sente!?

A alvura do teu colo sempre a arfar,

Se não tem o calor que dá à gente,

A força p'ra viver e para amar?!

Amor, no teu olhar eu tenho lido aos poucos,

Anseios esquisitos, sonhos loucos…

E és fria como a lousa em cemitério!

Envolta nesse manto de Beleza,

Quando olho dos teus olhos a frieza,

Eu quedo-me a cismar nesse mistério!

1916

TEUS OLHOS FALAM MÁGOAS…

 

Os teus olhos magoados dizem tanto!

Aos meus olhos, sem qu'rer, têm contado

As mágoas, os sorrisos, mais o pranto,

Que teus olhos magoados tem chorado.

Teus olhos magoados vão no berço

Do meu peito, e dormem de mansinho.

Teus olhos, — Padre-Nossos — são dum terço,

Contas de Amor, que eu rezo tão baixinho…

Teus olhos magoados são dois beijos.

São promessas, sonhos, são desejos…

E eu trago os olhos teus no coração.

São a luz da minh'alma entristecida;

Teus olhos magoados são a Vida,

E o sol da minha vida também são!

1916

VIOLETAS ROXAS

Inda tenho as florinhas inquietas,

Que beijaram teus seios pequeninos,

Através dessas rendas indiscretas,

Sob entremeios brancos e tão finos!

Flor's que dos teus lábios coralinos

Ouviram confidencias tão secretas,

E que teus dedos brancos, peregrinos,

Deitaram fora… Pobres Violetas!

Perdidas pela sala e desatadas,

Encontrei-as, as pobres, requeimadas,

Ainda cheias desse teu encanto!

Mas lá 'stão inquietas e viçosas,

As que olharam teus seios vergonhosas…

Reviveram nas águas do meu pranto.

1916

A MINHA ALMA JÁ MORREU…

Eu não te disse, Amor? Minh'alma já morreu

Cansada de esperar teus olhos num anseio!

Cansada de rezar baixinho o nome teu.

A noite era tão linda! E o teu olhar não veio!

E o teu olhar não trouxe a sombra dum carinho

À minha pobre alma exausta de sofrer!

Luar! Tanto Luar havia no caminho…

E a luz do teu olhar não quis vê-la morrer!

O teu olhar matou-a! E não quiseste vir

Trazer-lhe uma grinalda branca do teu rir.

Ao menos murmurar baixinho uma oração!

Amor, sempre julguei que as tuas mãos pequenas,

Branquinhas como duas açucenas,

Viessem ajeitar minh'alma no caixão!

1917

VENDIDA

Vendeste a tua boca, aquela que beijara

Purinha e a sorrir, meus versos a chorar.

Vendeste as tuas mãos, febris que eu apertara,

E outrora já por mim se ergueram a rezar.

Vendeste o teu olhar, e o corpo airoso e lindo,

Enlevo do meu sonho, a luz do meu viver.

Vendeste o teu sorrir, sorriso doce, infindo…

Que fora para mim alívio de sofrer!

E nem sequer tens pena! És d'el' que te comprou!

Vender's a tua boca, aquela que beijou

Meus versos a chorar por ti numa paixão!

És minha? És dele? És minha à luz do sentimento!

Tu vives deste amor. É meu teu pensamento.

És minha! Não vendeste ainda o coração.

1917

UM PECADO

Silhuete do Amor, corpinho de ânfora, esguia!

Olhar sonhando a rir, promessas e desejos.

Brasa a queimar, a arder, acesa à luz do dia…

Boca tão linda… e boca virgem dos meus beijos!

És a esfinge da Graça! O sonho do Noivado!

Uma oração trazida à Terra, pela Virgem!

E és também ainda um misto do Pecado…

A figura do Amor na tela da Vertigem!

Tu sabes quem eu sou; e crê, quando te vejo,

Eu tenho a impressão do que seria um beijo,

Em frente do Senhor, à luz do coração!

Mas tu, sorris, e ris… e eu quedo-me a cismar,

Como seria bela a vida a recordar,

Um longo beijo teu — Pecado, e Oração!

1920

ENVOLTA NO "MANTON" DAS ROSAS VERMELHAS…

Hás-de ser minha, eu quero, é quanto basta!

Um dia, quando for, não o procuro.

E é o desejo ardente que me arrasta,

Aquel' que há-de fazer vibrar-te, eu juro!

Um dia, quando for… hei-de deixar

Nos seios que tu tens, beijos aos molhos!

Nodoas de lírios roxos a sangrar…

E olheiras cor da noite nos teus olhos!

Não tenhas ilusões! Nunca a tua Raça

Me vencerá a mim por mais que faça!

Quero-te. Eu sinto a ânsia de beijar!

Queimada pelo fogo dos meus beijos

Hei-de sentir-te louca de desejos…

Um dia, quando for… sem eu te amar!

1920

NA PRAIA-MAR DO SONHO

Decerto tu já viste ao sol-poente,

O mar beijar a areia de mansinho.

Parado, a olha-la docemente,

Num grande sonho, louco, de carinho.

Depois é densa a treva. O mar é louco.

E briga com a areia, encapelado.

Embravecido cansa, e pouco a pouco,

Soluça a grande dor dum revoltado!

Assim, houve luar e noite escura,

Naquela doce noite de amargura,

Mistério indefinido que profundo!

Assim, é a tu'alma p'ra minh'alma,

 — Ó minha maré-viva e maré-calma,

Do grande mar, da Dor em que me afundo!

1920

A MASCARA LOIRA

Ó minha viciosa, histérica e perversa,

De linhas sensuais; teu corpo eterizado,

Tem frases de requinte, em lúbrica conversa!

Tem lume de cigarro, loiro e opiado!

Teus olhos a boiar, são taças de absinto.

E a tua silhuete loira e desgrenhada,

Tem risos de cristais partidos, que eu bem sinto,

Em noites de volúpia, à luz da madrugada!

À noite, as tuas mãos, são gumes de punhal,

Depois de terem morto — alguém sem fazer mal…

Tua voz é o Fado… eu ouço-o quando passa!

No Mundo és o Drama, a Farsa, és a Comedia!

Às vezes também és — palhaço — na Tragédia!

És a figura loira e linda da Desgraça!

1921

ABANDONO

Decerto tu sentiste o abandono,

Que vai acompanhando o sol-poente,

Nas tardes tristes, lívidas, do outono,

E quando chora o coração da gente!

Tardes pedindo ao sol a Extrema-unção,

Numa ânsia doentia de mais luz!

Decerto tu sentiste a sensação,

De ajoelhar's em frente duma cruz!

Tu entraste à tarde na Egreja,

À hora de resar's — bendita seja,

A cor tão doentia do Outono! —

Tudo sentiste… e os olhos rasos d'água!

Que pena não sentir's a minha mágoa!

A vaga incompreensão deste abandono!

1921

13 LÍRIOS

Atei-os com os fios de oiro daquela taça de cristal «bohème» que partiste…

Encheste a minha vida de amargura.

Encheste a minha vida de martírios.

Enchi a tua vida de ternura,

E vou encher o teu coval de lírios.

São 13 os lírios roxos que levei.

 — Meus versos de saudade são p'ra ti.

Amor, num dia 13 te encontrei!

Num dia 13, Amor, eu te perdi.

Meu doce Amor perdido… hei-de te ver,

Na luz que tem o céu amanhecer,

Na cor do sol-poente em que reparo!

E o nome que tiveste, ó loira e linda,

Que certa rosa branca fala ainda…

Será p'la vida fora o meu amparo!

13 — Março 1921