LITERATURA PORTUGUESA
Textos literários em
meio eletrônico
Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende
Edição de base:
GARCIA DE RESENDE. Cancioneiro Geral. Fixação do texto e
estudo por Aida Fernanda Dias.
Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1990.
VOLUME I
Tavoada de todalas cousas que estam neste livro assi em
ordem como nele vam e nas cousas de folgar acharam um sinal como este . ‡ .
Primeiramente um prologo de Garcia de Resende, deregido ao Principe nosso Senhor.
As trovas que se fizeram sobre o cuidar e sospirar. fo. I
De Dom Joam de Meneses, sahindo d' ũs amores e entrando noutros. fo. XV
Desta folha atee às dezoito folhas, é tudo d' obras suas. fo. XVIII
‡ Do Coudel-moor sobre as cortes que se fizeram
em Monte‑moor. fo. XIX
Outras suas sobre os bispados. fo. XIX
‡
Trovas suas às damas.
fo. XIX
‡
Outras a Garcia de Melo.
fo.
XIX
Outras a Joam
Afonso d' Aveiro.
fo. XXI
‡
Outras a Fernam Cabral.
fo. XXI
Trovas suas desta folha atee
fo.
XXIIII
D' Alvaro de Brito Pestana a Luis Fogaça. fo. XXIIII
‡ Trovas e cantigas suas, desta folha até às folhas fo. XXXII
De Nuno Pereira, porque casou sua dama. fo. XXXII
‡ Trovas e cantigas suas, desta folha atee às folhas fo. XXXV
‡ D' Alvaro Barreto a Alvaro d' Almada. fo. XXXV
‡ Outras suas a El-Rei Dom Afonso. fo. XXXVI
Trovas e cantigas suas. fo. XXXVII
De Duarte de Brito de cousas que lhe aconteceram e vio. fo. XXXVII
Trovas e cantigas suas, desta folha atee às folhas fo. XXXXVIII
De Dom Joam Manuel à morte do Princepe. fo. XXXXVIII
Trovas e cantigas suas, desta folha atee às fo. LI
‡
Os Nunca vi antre privados.
fo. LI
Trovas
e cantigas suas, desta folha atee às folhas fo. LV
‡ De Dom Martinho da Silveira, de novas e ũa cantiga sua. fo. LVII
Cantiga de Dom Rolim e de Diogo de Miranda e de Fernam Telez e Diogo e Sancho de Pedrosa. fo. LVII
De Luis d' Azevedo aa morte do Ifante e ũa cantiga sua. fo. LVIII
‡ De Gil de Crasto a Anrique d' Almeida. fo. LVIII
‡ De Pedr' Homem,
trovas e cantigas.
fo.
LIX
D' Anrique d' Almeida, sete cantigas.
fo.
LX
De Joam Barbato, d' avisos.
fo.
LX
‡ Outras suas,
d' ũu sonho.
fo.
LXI
‡ De Diogo Fogaça aas damas e quatro cantigas. fo. LXI
De Fernam Lobato a ũa molher. fo. LXI
CANCIONEIRO GERAL
DE
GARCIA DE RESENDE
PROLOGO DE GARCIA DE RESENDE, DEREGIDO
AO PRINCEPE NOSSO SENHOR
Muito alto e muito poderoso
Príncipe nosso Senhor
Porque a natural condiçam dos portugueses é nunca escreverem cousa que
façam, sendo dinas de grande memoria, muitos e mui grandes feitos de guerra,
paz e vertudes, de ciencia, manhas, e gentileza sam esquecidos. Que, se os
escritores se quisessem acupar verdadeiramente escrever, nos feitos de Roma,
Troia e todas outras antigas cronicas e estorias, nam achariam mores façanhas,
nem mais notaveis feitos que os que dos nossos naturaes se podiam escrever,
assi dos tempos passados como d’ agora: tantos reinos e senhorios, cidades,
vilas, castelos, per mar e per terra tantas mil léguas, per força d’ armas
tomados, sendo tanta a multidão de jente dos contrairos e tam pouca a dos
nossos, sostidos com tantos
trabalhos, guerras, fomes e
cercos, tam longe d' esperança de ser socorridos; senhoreando per força d'
armas tanta parte de Africa, tendo tantas cidades, vilas e fortalezas tomadas e
continuamente guerra sem nunca cessar; e assi Guinee, sendo muitos reis grandes
e grandes senhores seus vassalos e trebutarios e muita parte de Etiopia,
Arabia, Persia e Indeas, onde tantos reis mouros e gentios e grandes senhores
sam per força feitos seus suditos e servidores, pagando-lhe grandes pareas e
trebutos, e muitos destes pelejando por nós, debaixo da bandeira de Cristos,
com os nossos capitãaes, contra os seus naturaes, conquistando quatro mil
leguas por mar, que nenhũas armadas
do Soldam nem outro nenhum gram rei nem senhor nom ousam navegar com medo das
nossas, perdendo seus tratos, rendas e vidas; tornando tantos reinos e
senhorios com inumeravel jente aa fee de Jesu Cristo, recebendo agua do santo
bautismo; e outras notaveis cousas que se nam podem em pouco escrever.
Todos estes feitos e outros muitos d' outras sustancias
nam sam devulgados como foram, se jente d' outra naçam os fizera. E causa isto
serem tam confiados de si, que nam querem confessar que nenhũus feitos sam maiores que os que cada ũu faz e faria, se o nisso metessem. E por esta mesma
causa, muito alto e poderoso Princepe, muitas cousas de folgar e gentilezas sam
perdidas, sem haver delas noticia, no qual conto entra a arte de trovar, que em
todo o tempo foi mui estimada, e com ela Nosso Senhor louvado, como nos hinos e
canticos que na Santa Igreja se cantam se veraa. E
assi muitos emperadores, reis e pessoas de memoria, polos rimances e trovas
sabemos suas estorias. E nas cortes dos grandes princepes é mui necessaria na
jentileza, amores, justas e momos, e tambem para os que maos trajos e envenções
fazem, per trovas sam castigados e lhe dam suas emendas, como no livro ao
diante se veraa. E se as que sam perdidas dos nossos passados se poderam haver
e dos presentes s' escreveram, creo que esses grandes poetas, que per tantas
partes sam espalhados, nam teveram tanta fama como têm.
E, porque,
Senhor, as outras cousas sam em si tam grandes que por sua grandeza e meu fraco
entender nam devo de tocar nelas, nesta, que é a somenos, por em algũa
parte satisfazer ao desejo que sempre tive de fazer algũa
cousa
1
PREGUNTA
QUE FEZ JORGE DA SILVEIRA A NUNO PEREIRA, PORQUE INDO AMBOS POR
ŨU
CAMINHO VINHA NUNO PEREIRA MUITO CUIDADOSO E JORGE DA SILVEIRA DOUTRA PARTE
DANDO MUITOS SOSPIROS, SENDO AMBOS SERVIDORES DA SENHORA LIANOR DA SILVA.
Pregunta Jorge da
Silveira
e reposta de Nuno
Pereira,
tudo neste rifam.
—Vós,
senhor Nuno Pereira,
por quem is assi cuidando?
— Por quem vós is
sospirando,
senhor Jorge da Silveira.
Jorge da Silveira.
Nam que eu
sospiro indo
por quem cuidados me dá
e me vai assi ferindo,
que de todo destroindo
me vai seu cuidado ja.
Cuidar é causa primeira,
mas despois d' eu ir cuidando,
meus sospiros vam dobrando
tá matar à derradeira.
Nuno Pereira
Ter poder de
sospirar
assaz é, senhor cunhado,
pera mais desabafar,
mas eu nam tenho lugar,
ca mo tolhe meu cuidado.
Porque é de tal maneira
que por quem eu assi ando
deve d' andar preguntando:
—Morreo ja Nuno Pereira?
Jorge
da Silveira
Pois vosso cuidar
querês
esforçar e defender,
e mostrar no que fazês
que moor pena recebês
que sospirar e gemer,
com fee de servir inteira,
a quem nos fere matando
vamos tristes demandando
que julgar isto nos queira.
Nuno Pereira.
Sendo
sa mercê contente
qu' a ouvir-nos se encline
serei mais que recontente
que nossa questão presente
ela veja e determine.
E tenhamos nós maneira
d' irmos petição formando
de tal forma qu' em lha dando,
ela por nós lho requeira.
De
Jorge da Silveira e de
Nuno
Pereira,ambos jun-
tamente, em modo
de petiçam.
Pois que,
senhora, nacestes
por dar morte e nunca vida,
pois que ambos nos vencestes
com vosso mal que nos destes
de morte não conhecida,
que no al nos desempare
de todo vossa mercê,
sospirar, cuidar decrare
quem se neles vir ou vê
cuja morte maes se crê.
Desembargo
posto nas costas
desta petiçam,
por man-
dado
da dita senhora.
Se estes
competidores
querem seguir este feito,
ordenem precuradores
e digam de seu dereito.
De
Nuno Pereira, em que toma
seus precuradores
pera ajuda-
rem sua tençam
por parte
do cuidado,
segundo
mandado da dita
senhora.
Eu par' esta
altrecação
tomo por ajudadores
Joam Gomez e Dom Joam,
qu' ajudem minha tenção
como meus precuradores;
e façam ser esta cousa
nos amores conhecida:
que quem sospira, repousa,
e u cuidado bem pousa,
nom tem sospiros nem vida.
Jorge da
Silveira, em que satis-
fazendo ao
desembargo, toma
seus precuradores
por parte do sos-
pirar.
Em cousa de si
tam crara
escusado era debate,
e
eu logo o escusara,
s' a senhora o julgara,
que me mata, que nos mate.
Mas pois vós, senhor, metês
remo d' ajuda que vogue,
vós, irmão, acorrer-m' -ês,
entam lá consultarês
onde sangue se nam rogue.
Pera o qual vos dou poder,
tanto quanto posso dar,
pera por mim requerer,
alegar, contradizer,
consentir e apelar;
por em minh' alma jurardes,
como quer lá o dereito,
pera meus beens obrigardes,
mas nam pera concertardes
tá ver vitorea do feito.
Segue-se
o primeiro rezoado
de Dom Joam de
Meneses,
precurador de
Nuno Pe-
reira, por parte
do
cuidado contra
o sospirar.
Ha ja tanto que
nam vivo
sem sospiros e cuidados
e sem tanto mal esquivo
que por mim, triste cativo,
bem podereis ser julgados.
Mas a vós, senhor cunhado,
não vos deve d' ajudar
quem for muito namorado,
que quem morre de cuidado
é-lhe vida sospirar.
E mais irdes
preguntando
a quem vos nam preguntava
por quem is vós sospirando,
é sinal qu' em ir cuidando
muito moor paixam levava.
Nam digo ja que falar
foi sinal de pouca pena,
mas da pena qu' ee cuidar
descanso é sospiros dar
e sa dor é mais pequena.
Os cuidados desiguaes
sempre deram mortaes dores;
sospiros nam doem maes,
que quanto sam ũs
sinaes
de quem sente mal d' amores.
Pelo qual devem de dar
sentença defenetiva
qu' ee muito mor dor cuidar,
ca quem pode sospirar
inda tem por onde viva.
Sua à senhora
Dona Lianor.
Senhora, pois
vedes craro
que cuidar tem por conforto
sospiros e por emparo,
nam leixês de desemparo
morrer a quem vinha morto.
Nem julguês por afeiçam
sospiros por moor trestura,
por nam ser contra razão
ò reves em condiçam
do que soes em fremosura.
Rezões de Joam
Gomez,
precurador de
Nuno Pereira,
por parte do
cuidado
contra o sospirar.
Metem aceso
cuidado
amores com suas triscas
de pensamento forçado,
com fogo desesperado,
com sospiros sas faiscas.
Cuidado paixam ordena,
cuidado nunca descansa,
cuidado redobra pena,
cuidado nunca s' amansa,
cuidado sempre tem lena.
Os sospiros e gemidos
como faiscas s' apagam
com descanso dos sentidos
a quem sam atrebuidos,
porque sospirando pagam.
Mas ũ cuidado mui
vivo,
nacido no coraçam
do triste amador passivo,
é ũu cabo de paixam
qual mais nam sofre cativo.
Quem sofre cuidado tal,
sem topar algum remanso,
sofre fadiga mortal
e paixam tam desigual,
que nam dá nenhum descanso.
A pena que é mais fera
na vida de bem amar
cuidado que persevera,
quanto mais se o cuidar
é no que se desespera.
E assi concrudo
que
o cuidado soo per si
é pena que nam tem sê
nem guarida em qu' estê,
segundo sempre senti.
O cuidado que concluda
em gemidos e sospiros,
com esperança s' ajuda,
poes tem descansos a giros
em que seus males remuda.
Sua à dita senhora.
Dama de grã fremosura,
espelho das outras damas,
linda, honesta fegura,
dama da melhor ventura,
das que sam e temos famas,
deve vossa senhoria
julgar o crime cuidado
por pena de namorado,
sospiros por fantesia.
Rezões que deu
Nuno Pereira
em favor de seu
cuidado,
ajudando seus pre‑
curadores.
Narciso, Mancias
morrerão
de soo cuidados vencidos!
Oh, quantos ensandecerão
mui sesudos, que perderão
com cuidados seus sentidos!
A que se chama pasmar,
que cousa é esmorecer
senam querer abafar,
sem poder esfolegar?
E sospirar é viver.
Se o dissesse Oriana,
e Iseu alegar posso,
diriam quem se engana,
que sospiros sam oufana,
cuidado, quebranto nosso.
Deriam: — Quem alegou
sospiros contra cuidado,
nunca bem se namorou,
ca o que a nós matou
mata todo namorado.
Se os que sam ja
finados
e que d' amores morreram
podessem ser perguntados,
diriam que com cuidados
a vida e alma perderam:
a vida em esperando
com cuidados e tristeza,
e alma desesperando,
eles mesmos se matando
com cuidar qu' ee moor crueza.
O cuidado
desbarata
todos grandes corações,
e os aperta e os mata
com fantesias que cata
de desvairadas paixões.
Mas ond' ele anda manso,
que sospiros de si manda
j' el' entam em si abranda,
sospiros vêm por descanso.
Sua a Jorge da
Silveira.
Diz-m' a mim meu coraçam,
porque m' a isto nam calo:
— Pera que vos dou rezão,
pois vos nam chega paixam
deste cuidado que falo?
Ca se vos ele apertasse
assi como m' ele aperta,
e o vosso assi penasse,
dirieis que se julgasse
o cuidar por morte certa.
Trova sua à dita
senhora.
Cuidado de minha vida,
vos chamo sempre por nome,
daqui vossa mercê tome
s' haa i cousa mais sobida
qu' a cousa que se vos chama
por milhor nome que posso,
ora vede se é vosso
quem de vós mesma brasfama.
Cantiga sua à
dita senhora.
O cuidado mui sentido,
donde morte se m' ordena,
é qu' havês de ter marido
e eu sempre minha pena.
E naquisto contemprando,
vai crecendo desconforto,
que desmaio em cuidando
e caio mil vezes morto
e fora de meu sentido,
com tal morte qual s' ordena
pera mim ver-vos marido
sem vós verdes minha pena.
Começão as razões
por parte
do sospirar
contra o cuidado
e logo Francisco
da Sil‑
veira, precurador
de seu irmão.
S' achardes quem
bem descarne
as raizes do amar,
dir-vos-am que sospirar
é partir alma da carne.
Pois sede bem conselhado,
nam apodês o cuidado
com sospiros que sam morte,
nem ha i quem nos comporte
senam fino namorado.
Nam vos engane
cuidardes
que sabeis alegações
nem que valem taes rezões
polas bem aperfiardes.
Porque quem ha-de julgar
nam n' havês vós d' enganar
nem lhe fazer entender
preto branco parecer,
nem bom vosso aperfiar.
Porque sospirar nam
vem
senam ja de nam ter vida,
o cuidar cous' ee sabida
qu' outros cem mil furos tem.
De mil cousas vem cuidar,
assi com' ee demandar
morgados e dar libelo,
entam fazer parte delo
pera vir ao contestar.
Nam vos alego passados,
ca bem craro é de saber
que com sospiros morrer
é ja certo aos namorados.
Mas alego-vos comigo
que des que amores sigo
sempre neles andei morto:
cuidar trazia conforto,
sospirar morte consigo.
Trova sua à dita
senhora.
Se mercê fazer
querês
em al, seja a meu cunhado,
mas vir de maes namorado
sospirar nam lhe tirês.
Ca primeiro vem cuidar
e pós ele o esmaiar,
entam logo o sospiro
que é, senhora, ũu
tiro
que faz vidas apartar.
Trova sua ao
Coudel-moor em
que lhe pede
ajuda a seu
cabo neste feito,
em
favor do sospirar.
Por cessar esta
conquista
sobr' esta perfia nossa,
compre-nos ajuda vossa
por a cousa ser maes vista.
E por isto, senhor, queira
vossa mercê ter maneira
como nos aqui ajude,
ca visto é que mal concrude
seu cuidar Nuno Pereira.
Cantiga sua
contra estes que
aperfiar querem
contra
os sospiros.
Galantes mal namorados,
que fordes contr' oo que sigo,
inda vos veja tratados
de sospiros tam queixados
com' eu sam de quem nam digo.
Sequer por ficar vingado,
quando vir alguem queixar,
dir-lhe-ei: — Mao namorado,
porque escolhestes cuidado
contr' ò triste sospirar?
Veja-vos todos tomados
nam d' amigas, mas d' emmigo
e assi galardoados
das por que vivês penados,
com' eu sam de quem nam digo.
Começa o
Coudel-moor suas
razões por parte
do sospirar
contra o cuidado,
ende‑
rençando sua fala
à
dita senhora.
Poes me convem
que precure
por quem vida tem sogeita,
vossa mercê me segure
que sa crueza nam dure
a me ser nisto sospeita.
Ca eu nam me maravilho,
pois o feito j' assi vai,
de nam dardes fee ò pai
de quem morto havês o filho.
Polo qual s' aqui acudo,
é por ser mais que forçado,
pois paixões pelo meudo,
sospirar, cuidar e tudo
é por vossa mão lançado.
E como quem ambos sente
diz que pode estar cuidar
soo per si, mas sospirar
nunca soo, mas juntamente.
Contra o que Dom
Joam alegou.
E vós, senhor Dom Joam,
qu' alegaes contr' esta parte,
sei que ja vistes questão
que dava, sem dar paixam,
cuidado grande que farte.
E vistes quem s' alegrasse
com cuidados que cuidava,
mas nam ja quem sospirava
que com prazer sospirasse.
Algũus indo caminhando,
cuidando fora de tento,
que fazês? lhe preguntando,
respondem: — Ia cuidando
em mil castelos de vento.
Mas fazendo tal questão
onde sospiro se pousa,
responde: — Por ũa cousa
que me chega ò coração.
Contra
o que disse
Joam Gomez.
E vós que de
trovador
qu' alentaes os trovadores,
como daes, vós, meu senhor,
ò cuidado mais primor
qu' ò sospirar nos amores?
Que, se vós bem esguardais,
vós sospiros nunca vistes
senam com amores tristes
quando dam penas mortais.
Cuidados, como sabês,
certo cousas sam geraes,
cuidados achá-los-ês
no comprar, quando compraes,
no vender, quando vendês.
Se mandaes cousas a Frandes,
cuidado faz segurar,
mas d' amores carregar
retorna sospiros grandes.
Quem cuidado quer contar,
cuidar é lançar em renda,
cuidar é vida tomar,
cuidar é sempre cuidar,
cuidar, cuidar na fazenda.
Cuidado tem quem tem brigas,
cuidado quem tem demanda,
outro cuidado se manda
com prazer, não com fadigas.
Mas nam é ja
cousa nova
sospirar com mal d' amores,
ca u se paixam renova,
sospirar me lev' aa cova
com seus grandes desfavores.
Sospiros tristes, que vêm
refinando dos sentidos,
trazem seus pendões tendidos
pela fee que vos nam têm.
Contra o que
disse Nuno Pereira.
Vós cunhado, qu'
alegastes
Narciso, tambem Mancias,
nam sei u lhe vós achastes
ou como cuidar cuidastes
que fez acabar seus dias.
Mas tu, sospirar, que cortas
alma, bofes, antredanhas,
nam alegas com estranhas
testemunhas que sam mortas.
Alegais-me vós
Iseu
e Oriana com ela,
e falaes no cuidar seu
como que nunca li eu
sospirar Tristam por ela.
Milhor vos posso alegar
quem diz meos males sobidos
es fazer
los mis gemidos
y
sospiros esforçar.
Mas por nam ir
maes ò cabo
do falar com nossos males,
nisto soo convosco acabo,
que diss' outro, nam por gabo,
sospiros, ansias mortales.
E assi que se vos cata
cuidado vida segura,
lembrando sa fremosura
sospirar
por el[e] mata.
Com as quaes
rezões concluso
vaa, senhor, o rezoado,
e acharês nele confuso
quem cuidado tem por uso
se nam tem maes que cuidado.
Mas ser morte mui inteira
sospirar negar nam posso,
e ser visto pelo vosso,
vosso Jorge da Silveira.
Do Coudel-moor à
dita
senhora por fim
de
seu rezoado.
Pois vossa grã
fremosura
nos pôs todos em cuidado,
conheça quem tem tristura
que por sa desaventura
sospiros lhe daes de grado.
Ca por lei dos amadores
o cuidar sospirar ponho,
cuidar é cuidar no gronho,
sospiros, vivos amores.
Cantiga que dá o
Coudel‑
-mor por maes
decra‑
raçam do sos‑
pirar.
Do cuidar que dá
cuidado
sem com ele sospirar,
ser de pouco namorado
é cuidar.
Quando cuidado s'
aviva
em tempos que dá paixam,
dá o triste coraçam
sospiros em voz esquiva.
Mas estar deles calado
mostra sem paixões estar
ou de pouco namorado
se cansar.
Segue-se ũa
protestaçam que
fez o
Coudel-moor, porque lhe foi
dito que algũus
eram roga‑
dos de fora, que
aju‑
dassem contra os
sospiros.
Honrado tabaliam
ou escrivam,
qualquer que soes deste feito,
por guarda de meu dereito
vos dou esta pitiçam.
E faço requerimento
que assentês com bom tento
neste auto que s' esguarda
e com todo ũu
estormento
me darês por minha guarda.
E com isto vos
repito
ser-me dito
d' algũs grandes
trovadores,
que vêm como valedores
escrever ou têm escrito.
digo que nam queiraes
assentar nem escrevaes
cousa que vos dada seja,
que mui bem o nam vejaes,
qu' eu primeiro o nam veja.
E des i logo no meo,
qu' hei raceo
de vir Jorge d' Aguiar,
que me mata seu trovar,
quando suas cousas leo.
E porem sede avisado
não vos tome salteado,
mas abri mui bem o olho,
e aqui vos solto cuidado,
e o sospirar vos tolho.
De Jorge
d' Aguiar, que deu ajuda
em favor do
cuidado con‑
tra o
sospirar.
Ante tanta fremosura,
ante saber tam sobido,
ante quem siso s' apura,
hei por mui grande baixura
de bater no ja sabido.
Que pera sua mercê
haver de ser acupada
no que tam craro se vê,
no que todo mundo crê,
hei por cousa mui errada.
Cuidado faz nam dormir,
cuidado faz nam comer,
cuidado faz nunca rir,
cuidado ensandicer,
cuidado nam ter prazer.
Cuidado dá mil paixões,
cuidado dá mil cuidados,
cuidado mil corações,
cuidado mil namorados
tem feito desesperados.
Cuidado suas
folganças
são em muito sospirar,
cuidado suas bonanças,
todo seu desabafar,
é em mil sospiros dar.
Sospiros sam testemunhas,
sospiros sam pregoeiros,
sospiros sam caramunhas
dos cuidados e marteiros
dos amores verdadeiros.
Mas quem pode
sospirar
vai de pena j' alivando
e quem nam pode falar
em cuidando e maginando
vai seus dias acabando.
Assi que quit' à primeira,
pois soes tam namorado
que falaes contr' ò cuidado,
senhor Jorge da Silveira,
mas nam quita à derradeira.
Muitos vi
esmorecidos
cair de grandes cuidados,
com sospiros e gemidos,
qu' ee sinal de ressurgidos,
os vejo sempr' acordados.
Assi que cuidado mata
e sospirar aviventa,
e, s' aquesta nam contenta,
nam sei quem maes rezam cata,
poes vos esta tanto ata.
Vede bem que
perdiçam
vem de cuidado sofrer,
olhai bem por Dom Joam
que jaz ja pera morrer
soo de gram cuidado ter.
E por verdes que cuidado
traz consigo curta vida,
nunca vistes descuidado
que lha nam visseis comprida
mais que todos sem medida.
Cantiga sua que
daa
contra os
sospiros.
Sospiros nam me prasmeis,
pois soes todos fengidores,
dizer-vos que merecês
nunca ser cridos d' amores.
Com braados
desentoados
cuidaes de me fazer crer
que vindes de namorados,
que vindes de padecer.
Ja me nam enganarês
dinos de mil desfavores,
pois sei que nunca nacês
senam dos maes fengidores.
Do Coudel-moor em
forma
d' arrezoado por
parte do
sospirar, em que
res‑
ponde a estas de
Jorge d' Aguiar.
Vossas copras
receando
tinha feitos meus processos,
mas pois se vem devulgando
pelo que m' is alegando
revolver compre Dejestos.
Que certo voss' alegar
vai per maneiras fundado,
que cuidar fará cuidar
que precede oo sospirar
u nam for bem esguardado.
Fundastes em
dardes nome
de mil modos ò cuidado
s' i ha quem vos assome
far-lh' -ês qu' um espanto tome
que fique com' assombrado.
Mas olhando a qualidade
deste negro sospirar,
acharês ũa
verdade
de ũa conformidade
qu' ee
ja maes que recuidar.
Alegaes que o
cuidar
em sospirar tem folgança
pois como pode matar
o cuidar, poes seu folgar
tam prestesmente se alcança?
Tambem dizês qu' esmorece
quem sofre grande cuidado
mas isto mas s' acontece
em quem se trata padece
se vê do braço sangrado.
Mas posto, nam outorgado,
que com cuidar s' esmoreça,
vejamos: nam jaz folgado
quem nam sente seu cuidado
nem dor grande que padeça?
Pois quando lhe vem a vea
que se torna sensetivo,
sospirar, com que descrea,
lhe dá tanta maa estrea,
qu' é milhor morto que vivo.
Qu' assi daqui
concrudo
que sospirar tem o cume,
e qu' amores tenham tudo,
sospirar pelo meudo
de paixões faz moor velume.
Nam dá vida, mas dá morte,
nem folgar, mas dá tristezas,
sem azar nunca faz sorte,
faz o mal brando mui forte,
todo seu bem são cruezas.
Sua à dita
senhora.
Senhora, grande senhora,
que poder tem sobre tantos,
lance cuidados de fora,
poes sospiros em fort' hora
têm consigo taes quebrantos.
Mande-nos vossa mercê
julgar esta deferença,
ca pois s' a verdade vê,
senhora, mandar querê
que nos dêm nossa sentença.
De Dom Joam de
Meneses
em modo de
repricaçam,
por parte do
cuidar
contra o sos‑
pirar.
Senhor Jorge da Silveira,
n' ũa copra dizês
vós:
cuidar é cousa primeira,
pola qual à derradeira
vós mesmo falaes por nós.
Que pois primeiro cuidamos
chamaremos o cuidar
e os sospiros ũs
ramos
de tristeza que levamos
em cuidar.
Vosso irmão anda
devoto
de ser contra o qu' eu falei,
mas eu juro e faço voto
que lhe vi trazer por moto:
Cuidado, que vos farei?
Mas des que se lhe casou
por quem vevia penado,
sospirou pelo passado,
e despoes que sospirou
nam sentio mais o cuidado.
Suas enderençadas
ao Coudel-moor.
Se por alegar
cantiga
cuidaes de vencer por arte,
inda tendes mais fadiga,
que convem, senhor, que diga
das que sei por minha parte.
Porem quero que saibaes
que, se fosseis namorado,
rerieis das que falaes,
que sei que vos nam lembraes
del dolor de mim cuidado.
E outra tenho
guardada
pera vossa perdiçam,
a qual foi tam bem cuidada
que parece qu' ee tirada
do meu triste coraçam.
Com esta sam eu perdido,
com esta será ganhado
quem for do nosso partido:
mins querelhas he vencido
siempre me venc' el cuidado.
Pelo qual de vós m' espanto,
poes vós soes o mesmo paço,
e sabês qu' ee tal quebranto
o cuidar que nam doe tanto
a morte com gram pedaço.
E meus cuidados estranhos
alegar por si enviam,
por todos ficardes manhos,
que sospiros dam tamanhos
na rua onde nam fiam.
Mil bocijos vi quebrados
em sospiros, que mostravam
ser do coraçam tirados,
mas aqueles que os davam
sospiravam d' enfadados.
Vi mais dama falsamente
sospirar, mas sospirava,
porque se nam despejava
a casa de toda a jente,
por se ir quem lhe falava.
Dom Vasco mil
dados tem
por minha senhora e filha,
de vossa mercê tambem,
mas nam será maravilha
querer-lhe eu muito moor bem.
E ela, se d' enfadada
estando cos servidores,
sospira pola pousada,
levantai qu' ee namorada
ou que vem isto d' amores.
Sua às damas.
Senhoras, pois
sospiraes
por pexegos, por melão,
por peras, figos orjaes,
marmelos, uvas ferraes,
aas vezes por queijo e pam,
confessai que quem sospira
nam faz nada,
que sospiros sam mentira,
cuidar, dor que se nam tira
sem ser muito bem cuidada.
Cantiga sua em
favor
do cuidado.
Levo gosto em padecer,
levo gosto em sospirar,
levo gosto em me perder,
mas cuidar no qu' ha-de ser
d' antemão me quer matar.
Mas nunca farei mudança,
porque quanto mais penar
tanto mui maior lembrança
leixarei, quando leixar
vida tam sem esperança.
Cuidar faz adoecer,
cuidado desesperar,
cuidado me faz morrer,
mas porem torno a viver,
como posso sospirar?
Responde
Francisco da Silveira
ao moto que lhe
apontou e
às cousas passadas
que
lhe alembrou.
Renovar dores
passadas
escusareis, Dom Joam,
por m' as nam dardes dobradas,
que assaz tenho levadas,
sofridas sem galardam.
Metestes mais ũu
casar
de por quem vivo nam ando,
por maes asinha fundar,
a quem, soo por lhe lembrar,
sospiros lh' estão tirando.
Inda vós nam
sabês bem
que dores fazem lembranças,
quando se fazem de quem
nenhũu remedio ja tem,
mas antes desesperanças.
Se vós foreis namorado
tanto com' eu sam perdido,
nam m' alembreis passado
por vos eu contr' ò cuidado
neste preito ter vencido.
Pera nam serdes
tachado
por nam ser vosso louvor,
se quisereis, por cuidado,
em outra guisa alegado
fora sem me dardes dor.
Mas com' a quem se recea
da maa querela que tem,
passada paixam nomea,
com que meu siso rodea
a me nam lembrar ninguem.
Dizês, senhor,
que mandei
moto ja em que dezia:
Cuidado, que vos farei?
Por ele vos provarei
qu' ee boa minha perfia.
Preguntava que faria
o cuidado, nam sospiro,
porque o cuidar sabia
que remedeo se daria,
mas nam o com que sospiro.
Se por me lançardes fora,
cuidastes que vencereis,
fostes lá mui em fort' hora,
pois ficaes com quem nũ
hora
vos fará crer o que mal crieis.
Mas aqui nam presta manha
que cuidaes vencer por arte,
buscai-lh' outra dor estranha,
que lhe dê pena tamanha,
que vos leixe sua parte.
E entam des que
ficardes
vós e quem todos sõoes ũs
poderês, des que cuidardes
e vos bem aconselhardes,
sospiros dar por nenhũs.
Ca despois que juntos fordes,
sem contra vós ser ninguem,
poderês tirar e poerdes
e nam fazer, mas despoerdes
do dereito a quem o tem.
Sua à dita
senhora, em que
lhe pede vingança
de
Dom Joam.
Quis Dom Joam
alegar
quem cem mil dores me deu,
por m' os sentidos trovar
e me fazer desviar,
senhora, o prucurar meu.
Peço-vos dele vingança
e leixo o mal de meu irmão,
ca por me fazer lembrança
de quem perdi esperança
me cae a pena de mão.
Do Coudel-moor em
que res‑
ponde ao que disse
Dom
Joam contra ele e
dá
estas em favor do
sospirar.
Pois quisestes
repricar
com querelas alegardes,
e querês arrapiar
o cuidado e o cuidar
pera o mais arrapiardes,
sospirar alegaraa
o triste que sabereis
que dezia entrai laa:
― Sospiros, leixae-me jaa,
com meu mal nam me mateis.
Sospirar está
provado
que nunca traz interesse,
mas traz mal continuado
que brada desesperado:
― Oh quem vista nam houvesse!
Pera meus danos dobrados
cada dia me convida
e diz sobre meus cuidados
com sospiros tam forçados
darem cabo a minha vida.
Ũu falar nam mui donoso
cab' aqui, pois o quisestes:
quando and' algũu cuidoso,
diz por ele o gracioso:
― Vós, que carracas perdestes?
Mas s' o sospirar dobrado
vejo andar com desfavores,
digo cá em meu
calado
s' anda bem apassionado
aquele com seus amores.
Du nam fiam, nam fiêes,
nam recebo aqui tal prova,
mas das damas que dizeis
respondo que ja sabeis
qu' a mais doce maes emnova.
Quem sospira por pousada
tem pesares do serão
ou paixam sobr' agastada,
pelo qual nam desfaz nada
o feito de seu irmão.
Do Coudel-moor à
dita senhora,
em que lhe pede
outra
vez sentença pelo
sospirar.
O que vos, senhora, digo,
olhe vossa fremosura,
com sospiros m' afadigo,
porque dobram quando sigo
minha moor desaventura.
E pois ser nam é cuidado
o sospiro nem chegar,
saia deste processado
o de todas e mandado
que os mate o sospirar.
Cantiga do
Coudel-moor em favor
do sospirar,
pelos mesmos con‑
soantes da que
fez Dom
Joam em favor do
cuidado.
Por meu triste
padecer
me mata meu sospirar,
mas que me veja perder,
cuidando que pode ser,
nam m' acabo de matar.
Nam posso fazer
mudança
das forças de meu penar,
mas vem-me triste lembrança
por sospiros nam leixar,
leixando minha esperança.
Faz-m' assi adoecer
contino desesperar,
que vida m' ee ja morrer
e nam por vida viver
com tal mal de sospirar.
De Pero de Sousa Ribeiro,
ajudando o sospirar.
Eu nam posso
falar mal
naquisto que sam chamado,
pois sospiros e cuidado,
tudo tam mal empregado,
em mim nunca vejo al.
E porque o sei tam bem,
digo, como quem o sabe,
que cuidados cousas tem
que no sospirar nam cabe.
No cuidado ha
cuidar
em mim tem acontecido
que quem muito prefiar
e servir sem anojar
haveram dele sentido.
Vede camanho conforto
tem quem se quer enlear,
mas o triste sospirar
é oficio d' homem morto.
Aqueste nam dá
vagar
pera mil confortos vãaos,
este nam leixa folgar,
este é o que matar
vai assi com suas mãaos.
Aqueste nam tem parceiro
pera ser aconselhado,
toma logo o mal primeiro,
que nam faz o cuidado.
Sua a Nuno
Pereira.
Vós, senhor Nuno Pereira,
sede mui arrependido,
o qu' aqui tendes metido,
por nam ser todo perdido,
dae com el' em outra feira.
E se nam achardes venda
da perfia que tomastes,
eu vos quito a emmenda
pois j' o trabalho levastes.
Cantiga sua em
favor do sospirar.
Nam queira
ninguem falar
em falar tam escusado
como dizer qu' o cuidado
é igual do sospirar.
O cuidado é gram prazer,
que prazer é ter espaço
em qu' homem possa dizer:
— Quanto mal nisto a mim faço!
E por isto escusar
deve qualquer namorado
de dizer que o cuidado
é igual do sospirar.
De Nuno Pereira à
dita senhora,
em que pede por
estas copras
de Pero de Sousa
lhe
dêm a seguinte
pena:
Nam ha i nenhũa
cousa
em que se graça nam meta,
provo pela chanceleta
que meteo Pero de Sousa.
E pois vossa mercê mede
e a todos dereito guarda,
posto qu' ele a nam pede,
dê-se-lhe porem albarda.
Sua a Pero de
Sousa, porque disse
que os sospiros
tinham mãaos
com que se
matavam e que
fosse vender o
cuida‑
do a outra feira.
Em ũa copra
metês
ũa soo rezam que ata;
ha mester que a provês,
pois que sospiro dizêes
que tem mãaos com que se mata.
Dai testemunha jurada,
e nam falês por semelha,
vestis-lhe capirotada,
ou saio com enseada,
ou sombreiro com guedelha.
I buscar
quem vos entenda,
que eu nam sam tam letrado,
que tam alto me estenda
em saber como se venda
em canastras o cuidado.
Como se pode fazer
per alqueires tal medida?
Como se pode vender
o cuidado sem a vida?
Nem é falar de
galante
qu' em cuidado venda caiba,
vossa morte querê ante
que por Dona Violante
ũa tal cousa se saiba.
Fazês do paço mercado,
isto nam no saiba El-Rei,
pelo vosso calar-m' -ei
por nam serdes degradado.
Sua
à dita senhora, em
que faz por sua
parte
o feito
concruso.
Vejo tam grande
processo
e tam gram prolixidade,
que d' enfadado ja cesso
alegar mais na verdade.
Vá o feito ja concruso
ante quem morte m' ordena,
Jorge da Silveira acuso,
cuidado lhe dêm por pena.
Do Coudel-moor à
dita senhora,
sobre ũ
correo que de deos do
Amor lhe chegou a
gram
pressa, por vir
ante
de se dar senten‑
ça neste feito.
Tendo ja meu
rezoado
pera mais nam rezoar
e assaz bem decrarado
como nam chega cuidado
pelos pees ò sospirar,
da corte d' Amor me veo
ũu correo
sobr' este feito, a gram pressa,
com estas copras que leo
com receo
de se nam tornar avessa.
Seguem-se as
copras com que chegou
este correo, que
logo deu e foram
vistas pola dita
senhora a
quem vêm ende‑
rençadas.
Deos d' Amor em
sa cadeira
cos de seu conselho estando,
vendo Jorge da Silveira
andar com Nuno Pereira
em seus males altrecando,
sabendo qu' esta perfia
ante vós s' aderençava,
quis dar forma todavia
como vossa senhoria
visse o que determinava.
Chamou logo ũ sacretareo,
o mais fiel que
achou,
e mandou fazer
somario
costante, nam voluntareo,
do que se determinou.
O qual logo em comprimento,
porque seu servir s' alegue,
pera vosso avisamento,
senhora, fez ũu assento
da cantiga que se segue.
Cantiga que o secretareo
de deos d' Amor
fez por seu
especial mandado,
pera
mais decraraçam
deste auto.
Sospiros, gram sospirar,
é cousa tanto d' amores
que s' enganam fengidores
com eles par' enganar.
E por estes qu'
assi ousam
fengir verdades, decraro
que sospiros custam caro
onde seus males se pousam.
Pois que mais autorizar
querês este mal d' amores,
pois sospiros sam senhores
de matar com seu matar?
De Nuno Pereira
em modo
de petiçam à dita
senhora,
porque lhe foi
dito que
a parte contraira
dava enforma‑
çam de fora.
Foi-me caa dito, senhora,
que o qu' ee contra mim parte
vem com petiçam de fora,
por mostrar que quer agora
meter outros modos d' arte.
Quer demanda perlongada
por se mostrar mais agudo,
eu nam dou por isso nada,
nam seja cousa assentada
sem haver vista de tudo.
Seguem-se mais ũas
rezões que
deu Nuno Pereira,
provando
a sua parte do
cuidado.
Quem s'
algũas vezes vio
nũ cuidar cotemprativo,
se o muito perseguio,
diga que pena sentio,
se se vio morto ou vivo.
Ou se se nele lembrava
de cousa qu' entam fazia,
quando em gram cuidar estava,
se lh' alguem entam falava,
se somente respondia.
É morte nam
conhecida
causada de gram paixam,
o cuidado encurta vida,
qu' ee ũa chama encendida
em que arde o coraçam.
Sospiros pelo contrairo,
pois donde cuidado estaa,
acudem por dar repairo
à dor grande que lhe daa.
Disse-me que me
guardasse
o Doutor Mestre Rodrigo
de cuidar e que cuidasse,
s' o cuidado me tomasse,
qu' era jaa morte comigo.
Ca cuidar nam no curava
fiseca nem solorgia
e mais se o dama dava
que servir-la nam prestava
leixar nam na podia.
Cantiga sua que
oferece
à dita senhora
com
estas rezões
alegadas.
Que saibaes que ũ de nós,
senhora, por vós sospira,
do cuidado qu' ele tira,
eu o tenho ja por vós.
Eu
o tenho ja, senhora,
pera nele padecer,
quem se dele tira fora
maes deseja de viver.
Qual merece mais de nós:
ele, enquanto sospira,
ou eu, de quem se nam tira
cuidado que vem de vós?
Do Coudel-moor à
dita senhora,
sobre ũas
testemunhas que
houve despois do
feito ser
concruso, as
quaes daa
em favor do
sospirar,
em modo d' enfor‑
maçam.
Senhora, valha-me Deos,
valha-me vossa mercê,
valê-me, senhora, vós,
poes meu agravo se vê.
Ũa testemunha tenho
que, no caso desta afronta,
fará muito a meu dereito,
e pois inda a tempo venho,
pagarei todo o que monta,
mandai-a assentar no feito.
Nam corre nela
perigo
de lhe porem sospeiçam,
faz muito aquele artigo
que fala do coraçam.
É dina de receber,
pois que quando morrer quis
bradava: — Mataime ja
nem me leixeis mais viver,
sospiros, pues que venis
du min coraçam está.
E por mais
decraraçam
dos sospiros serem pena,
vos alego a Definçam
d' amores per Joam de Mena,
a qual diz em seus decretos,
por seus males concrodir
e amores decrarar:
Sam dulces males secretos,
ũu sospirar e gemir,
ũu vergonçoso lhorar.
Outra tinha pera
dar
que, se eu tempo tivesse,
poderia bem provar
por ela quanto quisesse.
Mas vossa gram descriçam
sente s' ee maes padecer
o cuidar se sospirar;
qu' ee parte de perfeiçam
senti-lo sem no saber,
sabê-lo sem no gostar.
Cantiga sua que
daa com
o dito das
testemunhas
à dita senhora,
em
favor do
sospirar.
Sospiros nom
podem ser
sem ser cuidar,
cuidados se podem ver
sem sospirar.
Assi que sospiros
logo
têm seu mal e o alheo,
nem é meu cuidado cheo,
se sospiros lhe revogo.
Cuidar se pode manter
sem sospirar,
mas sospiros nunca ser
sem ser cuidar.
Desembargo posto
per mandado
da dita senhora
nas costas desta
enformaçam e
razões que
por parte do
sospirar
foram dadas.
Estas rezões que se dam,
e s' algũa mais se der,
tod' assente o escrivam,
diga mais quem mais quiser.
Trovas do
Coudel-moor ao escrivam
do feito,
requerendo que assente no
feito as de Joam
Gomez que
deu por o
cuidado, por‑
que s' espera
ajudar
delas em favor
do sospirar.
Os da lide contestada,
s' escrivam têm boom por marco,
crêm-no como ũ Sam Marco
avangelista formada.
Ca nam mingua nem acrecenta,
nem risca, nem tira folha,
as partes ambas contenta,
igualmente tudo assenta,
porque falso nom acolha.
Porem
deveis assentar
neste auto, neste
mero,
ũas trovas,
ũ trovar
de Joam Gomez, que foi dar,
das quaes m' ajudar espero.
Pois logo com a reposta
assentai todas aquelas,
por vermos onde s' acosta
quem cuidar, sospirar gosta
ou quem mais provar por elas.
Seguem-se as
trovas de Joam Gomez
por parte do
cuidado, as quaes
andavam de fora
do feito e a
requerimento do
Coudel‑
-moor foram tor‑
nadas a
ele.
Senhor
Coudel-moor, cuidaes
por fazerdes muitas cobras,
com mil graças que falaes
que nos encalameaes
outras verdadeiras obras.
Mas com falar e falar
sem concludir,
e trobar e mais trobar,
mal vos vejo decernir
cuidado sospiros dar.
Onde vós virdes
desejo
que desejo deva ser,
posto que seja sobejo,
quer com pejo quer sem pejo
sospiros podereis ter.
Causa de s' isto provar
é devulgada:
se deleite es desear,
quanto más ser deseada,
esta nam podeis negar.
E vós sospirar
meteis
em caso de baronia,
e sospirar defendeis
e que seja, vós quereis,
de Pedro quer de Maria.
O galante por quem ama
se desvela,
com cuidado e por fama
poderá sospirar dama
por quem seu sentido vela.
Mesturastes os
cuidados
d' amores da salvagina
nesses vossos razoados,
os meus nom tendes gostados
nem sabês sua doutrina.
Cuidado é de tal raça
e nacimento
que se nam sofre de graça
e quem s' apoja mal caça
nô s' ha pôr a barlavento.
Vós quisestes
desfazer
no mal que faz o cuidado,
e quereis-me encarecer
o sospirar e gemer
e o mal deles causado.
Mas a verdade falar,
pois nam empolga,
deve-se de confessar
qu' este vosso sospirar
nunca quebra nem amolga.
Polo qual
desenganae
quem vos trouxe esta questam
e vossa teima leixae,
mas saib' este que vos cae
em estreita obrigaçam,
por lhe dardes desenganos
do que faz
e conheça seus enganos,
confessando-nos os danos
que cuidado sempre traz.
Do Coudel-moor em
que res‑
ponde a estas de
Joam
Gomez, em favor
do sospirar.
Vosso sobido trobar
meu saber todo desmancha,
mas cuidai que com cuidar
quanto mais quereis cortar
tanto mais feris de prancha.
Dizeis que vossos cuidados
nunca repousam nem folgam
e entam bem aprefiados
quanto mais examinados
sospiros menos amolgam.
Nam vos presta
que digaes
cuidados dam muita pena,
nem que sam males mortaes,
se o nam autorizaes
per teistos de Joam de Mena,
d' Estunhiga
ou Aguilar,
ou per bos termos e meos,
ca vos nom val alegar
sem o alegado provar,
disto sam os livros cheos.
Dizeis-me que faz
desejo
sospiros acrecentar,
eu confesso se lhe vejo
por tempo curto, sobejo,
vir algũ desesperar.
E pois ser desesperado
os sospiros desatina,
em tempo tam mal gastado
sospirar d' alma lançado
em paixõoes se determina.
Co desejo qu' alegaes,
daes pedrada em vosso escudo,
porque quando desejaes
se vos nisso deleitaes
de vós mesmo vos concludo.
Pois deleite é desear,
argumento é de fazer,
cuidado traz desejar,
desejo traz deleitar,
ergo cuidado, prazer.
Das outras partes
m' escuso
por nelas mais nom dobrar,
sospirar vos tem confuso
per custume e per boom uso,
per antiga posse estar.
Per boa confirmaçam
que temos de Joam de Mena,
Joam Rod[r]iguez del Padram,
Manrique e quantos sam
ham sospiros por moor pena.
Mas s' i ha quem
crer se peja
estes doutores modernos,
porque mais craro se veja
creamos a Santa Egreja,
que segura dos infernos.
Pois olhai,
quando rezamos
a nossa Salve
Regina
nam diz ela em ti
cuidamos,
mas diz a ti
sospiramos,
por a causa ser
mais dina.
Trova sua que daa
por cabo de seu
razoado, em que
concludindo
pede à senhora
que lhe
mande dar sua
sentença.
Que digaes que
deite a longe
meus ditos de papassaal,
porque disso estou mui longe,
quando vos meterdes monge,
cuidarei que disse mal.
Mas peço com reverença
à senhora que nos cumpra
de justiça com femença
e nos mande dar sentença
que torno pedir ut supra.
Cantiga do
Coudel-moor, que
dá com este seu
razoado
por mais
decraraçam
do sospirar.
Cuidando remedear-me,
nom sinto tanto perder-me,
desesperando valer-me,
sospiros querem matar-me.
Em meus males ter
sahida
cuidando tenho descanso,
e cuidando minha vida
poder seer restetuhida,
com minhas paixõoes amanso.
O cuidar faz consolar-me,
se cuido poder valer-me,
mas u nam sei socorrer-me,
sospiros querem matar-me.
Desembargo que a
senhora man‑
dou pôr no feito,
pera satis‑
fazer ao dito das
par‑
tes, antes de dar
sentença.
Se mais querem
rezoar
sobelo qu' ee alegado,
dê-se a vista ò cuidado
e despois ò sospirar.
De Dom Joam
rezoando con‑
tra o sospirar,
pedindo à se‑
nhora que nam
desse sen‑
tença até ele nam
seer
sam e nam dar lu‑
gar a prova.
Senhora, qu' a castelhanos,
senhora, qu' a portugueses,
a poder de desenganos
a vida de muitos anos
lhe tiraes em poucos meses.
Estou cos pees pera a cova,
por isso nam faço trova,
mas visto minha doença
nam devês de dar sentença
té nam dar lugar a prova.
Pai e filhos mui perfeitos,
que saiba poucos dereitos
e poucas alegações,
sinto todalas paixões
que sam provas de taes feitos:
qu' em minha alma e minha vida,
em mim e meu coraçam,
jaz mais tristeza metida,
mais dores e maes paixam
do que pode ser sabida.
Mas por verdes qu'
em amores
é cuidar
das mores dores
qu' eles têm poder de dar,
sendo vós contr' oo cuidar,
fostes seus ajudadores,
qu' alegaes contra cuidados
algũs pontos mui falsilhos,
em qu' estaes tam enleados,
que poderês ser tomados
o pai e depois os filhos.
E se todos nam
aponto
é por nam fazer ũu conto
muito moor qu' ò galarim,
se laa achardes a mim
em erro vá em desconto.
Porem soo pelo qu' entendo,
hei de vós, senhor, piadade,
porque em estas copras lendo,
sei qu' havês d' estar dizendo:
— Dai ò demo, diz verdade!
Contra Francisco
da Silveira,
porque se queixou
de lhe
lembrar cousas
passadas.
Vós, senhor
irmão, de quem
ha todo meu mal por bem,
por fazer de vós penado,
chamaes-me mao namorado,
mas bem sei dond' isto vem.
Porem, pois vos faz penar
ver que voltas dam amores,
s' isto lembra com cuidar,
per aqui posso provar
qu' ee cuidar cume d' amores.
Que cuidar triste
penando
faz lembranças do passado:
cuidar lembra o qu' ha-de vir,
sospiros sam ressurgir
da morte que daa cuidado.
Cuidado traz à memorea
memorea de mil tristezas,
tristeza vos dá por grorea,
porem grorea e nam vitorea
nunca dá contra cruezas.
E pois do cuidar
s' ordena
grande dor e nam pequena,
vós bem me podês culpar
que vos dê em que cuidar,
mas cuidar vos deu a pena.
Pelo qual devês chamar
vós e quem vivês penado
oos sospiros descansar
do cançaço qu' ee cuidar,
mas a dor é o cuidado.
Cantiga sua à
dita senhora sobre
Francisco da
Silveira, que lhe
pede dele
vingança, porque
diz que lhe fez
cair a
pena da mão com
cousas que lhe
lembrou.
Senhora, pois que
s' ordena
do cuidado grande pena
e o sospirar a tira,
conhecê que quem sospira
nam na tem senam pequena.
E quem diz que de
paixam
lhe cae a pena da mão,
chamai-lhe mao namorado,
que quem tem algũ cuidado
vêm-lhe mil oo coraçam.
E por verdes que s' ordena
do cuidar dor nam pequena
e que sospirar a tira,
a todo homem que sospira
lhe verês cair a pena.
Enderença sua
fala ao Coudel‑
-moor em favor do
seu
cuidado.
Vós, senhor, a
quem nam sabem
louvar vosso merecer,
vós, a quem por mais que gabem,
das vertudes qu' em vós cabem
as maes ficam por dizer,
cuidando ja qu' era morto
de paixam, de desconforto,
quisestes naquele feito
fazer do torto dereito
a quem tem dereito torto.
Mas por naquesta
questam
sabêlo que sei agora,
fui tanto pela paixam
que cheguei ao coraçam,
em que todo pesar mora.
O qual cuidado matava,
o qual cuidado penava,
o qual de cuidar morria,
mas com quanto mal sentia
de si mesmo se queixava.
Vi que estava
cercado
de tristezas e de dores,
de paixões acompanhado,
metido em gram cuidado,
cuidado triste d' amores.
Mas do que lhe preguntei
e da reposta que achei,
se quiserdes ouvir novas,
i lendo por estas trovas
e nelas vo-lo direi.
Pregunta sua ao
coraçam.
Coraçam, que
tantos dias
ha que vives tam penado,
que vivendo nam vevias,
coraçam, que o de Mancias
nunca foi tam namorado.
Coraçam, leal amante,
de quem te nam quer por seu,
coraçam, que, sendo teu,
és de Dona Violante.
Tu, que vives sem ser vivo,
tu, que morres de paixam,
tu, que sentes mal esquivo,
coraçam, triste cativo,
servo d' outro coraçam,
qu' ainda sejas amado,
sospirar, cuidar, coitado,
di qual has por moor tormento.
Respondeo qu' era um vento
sospirar peroo cuidado.
Preguntei porque
fizerom
sospiros leixai-me jaa.
Respondeo: — Nam no dixeram.
S' eles minha dor tiveram,
mas nam na tem quem os daa.
Preguntei despois daquisto
de quem era tam malquisto,
quem lhe dava tal paixam.
Respondeo: — De ũ coraçam,
que nam sente nada disto!
Quis ver como
defendia
sospiros, ansias mortales.
Respondeo sem alegria:
— Milhor disse quem dezia
ay mins cuidados i males!
Contei-lhe do gracioso
que preguntou ò cuidoso
quantas carracas perdera.
Respondeo que conhecera
nele que era cobiçoso.
Que cuidado nam
soomente
entristece o namorado,
mas a toda outra jente
faz que viva descontente
como tem algum cuidado.
Mas a dama oo servidor
que quer fazer desfavor
promete pelo matar
que lhe dê em que cuidar,
porque
esta ha por mor dor.
Sua
por fim de seu razoado
contra os que
procuraram
pelo sospirar.
E pois este
coraçam
ha sospiros por prazer,
cuidados por gram paixam,
vós de ter outra tençam
vos devês de repender.
Porque nas cousas d' amores
por que sente tantas dores
nam devês d' aprefiar,
qu' ele deve de julgar
e vós ser precuradores.
Cantiga sua ao cuidado por
cabo de suas rezões.
Cuidado, quem cuidaria,
se jaa cuidou algum hora,
de ver o que vê agora?
Quem cuidou ver
namorados
chamar pena oo sospirar?
Quem cuidou que vós, cuidados,
por verem que vão errados
lhe nam dês em que cuidar?
Cuidado, quem cuidaria
qu' o cuidado nam melhora
quand' homem sospira e chora?
De Francisco da
Silveira, que
responde a este
derradeiro
rezoado de Dom Joam,
no que tocou à
sua
parte.
Vosso falso defender,
vosso mao aprefiar,
vosso nam vos conhecer
me fez por vós responder
de m' ora vivo tornar.
Nam vos nego que cuidado
sobre males nam faz mal,
mas o mal é mais dobrado,
quando sospiro forçado
se mete no caso tal.
Sua em que
responde à cantiga
que diz que cae a
pena
da mão a quem
sospira.
Em cantiga me
metês
que cae a pena a quem sospira;
verdade grande dizêes,
pois com sospiro morrês
e a pena entam se tira.
O cuidado que doi mais
nam é mais que dar-vos pena,
cos sospiros vos finais,
com eles alma apartaes,
o mor mal deles s' ordena.
Mas vosso
alvoraçar
é coraçam da pousada,
por saberdes bem trovar
cuidaes de fazer cuidar
que sospiros nam sam nada.
Vaa rir essa presunçam
nam chamar mais namorado,
pois nam tendes coraçam,
nem vos vejo ter naçam
de sofrer mais que cuidado.
Leixai, leixai os
amores
per oos que neles morremos
com seus bravos desfavores,
com tantas, tam tristes dores,
como sempre neles temos.
Tomai prazer, pois podês,
folgai com vosso cuidar,
e cuidado tal trarês,
se viver muito querês,
que nam chegue ò sospirar.
Porque sem o sospirar,
cuidar havês qu' ee d' amores,
estes sam os do cuidar
sem o poderdes negar
os mores oito senhores:
será primeiro Latam,
o segundo Samuel,
o terceiro Salamam,
o quarto será Faiam,
o quinto Abravanel.
Namorado é Palaçano,
Gualite, tambem Jacee,
pois que cuidam todo anno,
mas cuidam em dar seu pano,
mais do que vaal a la fe.
Cuidam no arrendamento,
quando cuidam d' encampar,
e cuidam qu' ee perdimento,
quando cuidam que por cento
trinta é pouco ganhar.
Chamai tambem
namorados
òs qu' andam por traiçam
fora do reino lançados,
pois deles nunca cuidados
saem mil do coraçam.
Dai ò demo este cuidado,
confessai que sospirar
é de tal guisa fundado
qu' ee do mal o mais dobrado
qu' ee d' amores o matar.
Quem sospira nam sospira
senam só com mal d' amores,
o sospirar que se tira
d' alma nunca traz mentira,
mas devulga mortaes dores.
Sam grandes penas mortaes
sam males sem refrigeiro,
sam dores mui desiguaes
d' amores sem ter remedeo.
Sospirar nam
desaliva
como laa atras dizês,
mas antes paixões aviva,
a dor faz ficar
mais viva
mui maior do que gemêes.
Prova-se, pois do sospiro
tal choro vem apos ele,
que se nele me consiro,
de meu mal nunca me tiro,
mas antes me moiro nele.
Sua que daa por
fim do
arreezoado à dita
senhora.
Vejo estar ja tam
provado
este triste sospirar,
tam visto, tam decrarado
qu' hei por tempo mal gastado
o que mais nisso gastar.
Pois queira vossa mercê
dar o seu a cujo ee,
que quem tem olhos e vê,
e nos sospiros nam crê,
é hereje em nossa fee.
Do Coudel-moor em
que responde
ao que diz Dom
Joam neste rezoa‑
do que deu contra
o sospirar, e
primeiro algumas
outras que
ficaram atras assentadas
no
feito contra o
dito sos‑
pirar oferecidas,
a
que nam foi res‑
pondido.
Vosso alto
procurar
e tal soster de questões
nos faz todos espantar
por irdes, senhor, achar
ũu coar
de taes rezões.
Porque sendo contrafeitas,
parecem vereficadas
e parecem logo feitas
por d' enves fazer dereitas,
de mão de mestre forjadas.
Porem eu
responderei
essas partes mais forçadas
e tambem repricarei
a outras por que passei
qu' havia por escusadas,
cuidando que o cuidado
se desse ja por vencido,
mas pois tam aperfiado
o por ele alegado
será por mim respondido.
Começa logo o
Coudel-moor a
responder ao que
disse Nuno
Pereira na sua
primeira
copra, dizendo
que cui‑
dado lhe tolhia o
sospirar.
Foi graça, notai-a bem,
u meu cunhado s' acolhe,
diz-nos que lugar nam tem
de sospirar, mas retem,
porque seu cuidar o tolhe.
Se cuidar lho faz tolher,
o qu' eu nam posso cuidar,
d' hoje mais cuido dizer
que cuidar nam é saber,
pois nam sabe sospirar.
Responde ao que disse Nuno
Pereira que d' enfadado
cessava ja de falar
neste feito.
Pera qu' ee mais testemunha,
pois vosso falar s' emborca,
nos tempos da moor caramunha
lançar sua coroa unha
na pouca dor que vos toca.
Que dizês que d' enfadado
querês do feito cessar
nam vem de grande cuidado,
que u ele jaz dobrado,
nam cessa seu sospirar.
Responde ao que
disse Dom
Joam que sospiros
vêm
por descanso e
sua
dor que é mais
pequena.
Dar sospiros por
descanso
achei laa em outra vossa,
e s' em al diz que vem manso,
mas eu com sentido canso
por nam ver como ser possa.
Pois sospirar é paixam
e nam vem sem ser cuidado,
quand' estes dous juntos sam,
ambos nam me doeram
mais qu' a vós um apartado.
Responde
a outra em que disse
que sospiros sam
conforto
e repairo dos
cuidados.
Sospiros serem
conforto
nam é regra d' algarismo,
pois dizês que sam deporto
é ir contra o enfroismo.
Hipocras por perigosa
dor os chama e lh' ha gram medo:
ele diz em teisto e grosa
que sospirar lutuosa
sam sinaes da morte cedo.
Responde à
cantiga de Jorge
d' Aguiar em que
disse que
os sospiros eram
gran‑
des fengidores.
Sospiros per
fengidores
Aguiar lhe fez cantiga,
sabendo que nos amores
sam boias dos desfavores,
das paixões e da fadiga.
Quando sem paixam sam dados,
sam por outros comprimentos,
pois falsamente cuidados,
cuidados sejam culpados,
pois cuidam tais fengimentos.
Responde ao que
disse Dom
Joam, que vira ja
mil
bocijos quebrados
em sospiros.
Bocijar sobr' enfadado
per sospirar nam se conte,
que logo é desenxergado
sospiro que vem lançado
d' u paixões se põe em monte.
Eu falo do sospirar
que me vem fresco da forja,
d' ũ querer que me quer matar,
d' ũ triste desesperar,
d' ũ alma que ja escorja.
Responde ao que
disse às da‑
mas que
sospiravam por
peras e melão e
figos.
Sospirar por figos, peras,
por melão, bolo folhado,
nam é sospirar deveras,
que doutras fruitas mais feras
vem o sospirar formado.
Falemos do sospirar
que vir de paixões s' entenda,
que o al mais é cuidar
aa vontade do paadar
pera as cousas da merenda.
Responde ao que
disse Dom Joam,
que pois primeiro
é o cuidar,
que o cuidado
será moor
pena e os
sospiros se‑
riam ramos.
Que chamês por
ser primeiro
o cuidar pena maior,
nam é falar verdadeiro,
mas antes por derradeiro
fica sempre o matador.
Pois que os sospiros sejam
do cuidar ramos chamados,
nam nos vejaes nem vos vejam,
que matam, quando pelejam,
onde dam vida os cuidados.
Torna o
Coudel-moor a responder
às rezões de Dom
Joam, que
ora tocou neste seu
razoado.
Pois venhamos
apertar
vossas rezões derradeiras,
por mais me nam dilatar
e se vem vosso alegar
qual se vem das empulgueiras.
Mas posto que em respeito
vosso ja calar devia,
ver a verdade do feito
e ver que temos dereito
esforça minha perfia.
Responde ao que
Dom Joam disse
que se alegavam
alguns pontos
falsinhos contra
os cuidados,
metendo ele
consoantes fal‑
silhos à can‑
tiga que fez
contra
Francisco da
Silveira.
Falsilhos pontos
nam sam
verdade ha de diante,
mas meter o coraçam
com a mão, com a paixam,
faz falsilho consoante.
Peroo tudo isto leixado,
falemos a bem de feito
e seja sentenceado
polo alegado e provado
como quer nosso dereito.
Responde ao que
disse que seu
coraçam lhe
respondera por
sospiros, ansias
mortales,
que milhor dezia
quem
dezia ay
mins
cuidados i
males.
Cuidar ter em que
cuidar
por forma de seu descanso
voolo fostes alegar,
com mins cuidados lembrar
i males com que já canso.
Porque laa pela contiga,
se nam lerdes ò reves,
acharês pee que vos diga
que descanso dá fadiga
en
pensar quanto mal es.
Responde ao que
diz que os sos‑
piros sam
ressurgir da morte
que daa cuidado, como
foi ja alegado
mui‑
tas vezes.
S' assi é por
ressurgir
sospiros fazem sua porte
fá-lo-am por se seguir
mais longa e pessoir
vida qu' ee pior que morte.
Porque lá temos autor
que, vendo seu mal tamanho,
em sua pena maior
escolh' o triste amador
la
muerte por menos danho.
Outro com
desesperança
bradava desesperado:
— O morrer me era folgança,
pois por morte se alcança
fim del mal continuado.
E em meu caso tam forte,
porque descanso s' ordene,
morrer hei por boa sorte
por ver
se terná la muerte
lo que
la vida no tiene.
E por iss' o namorado,
com paixões entrestecidas,
diz por si triste coitado:
— Mim bevir atrebulado
nom se conte antre las vidas.
Nam devês pois arguir,
qu' ha bem só fazer viver,
ca sobre
males sentir,
es el
remedeo morrir,
ouvi mil vezes dizer.
E assi que
sospirar
nam daa vida por viver,
mas por mais e mais penar
e sabês que ha trocar
maa vida por bom morrer.
Ja foi isto alegado
e tantas vezes se trouve
que por ser tanto dobrado
ficará enfastiado
o coraçam que o ouve.
Responde ao que
diz que seu cora‑
çam lhe respondeo
que o cuidoso
pelas carracas
que perdera
seria algum
grande
cobiçoso.
Pois se vosso
coraçam
do cuidoso presumio
que seu mal, su' afriçam,
seu cuidar, sua paixam,
de cobiça se seguio,
devês logo confessar
que amores nam sam nada
pera nos fazer cuidar,
mas faz cuidar e matar
cobiça desordenada.
Responde ao
que disse que a
dama por desfavor
diz ao
servidor que lhe
dará
em que cuidar.
E daqui quem
esguardasse
o que a dama dezia
que daria em que cuidasse,
s' ele nunca cobiçasse,
seu cuidar nam o creria.
E que ja ao meaçar
com dar que cuidar alguem,
sem pena por seu cuidar,
mas sem paixões sospirar
isto nam pode ninguem.
Prossegue o
Coudel-moor
outras rezões em
favor
do sospirar.
Vossas tais
alegações
fazem pouco contra nós,
ca tocaes em corações
de que vêm vossas rezões
a só precurar por nós.
Entam dizês que cuidar
tem voss' alma trespassada
e querê-lo aprefiar
como que co sospirar
que me quedo em la posada.
Se gostastes a
paixam
que dam sospiros forçados,
nam dirieis si por nam
u falassem na questam
dos sospiros, dos cuidados.
Mas derieis: — Oh camanhos
sinais sam de vida triste!
Oh que males sam tamanhos,
sospiros, choros estranhos,
como os grosa Vita Criste.
Donde venho
concrodir
que cuidado pena seja,
sospirar, quem no sentir,
vê-lo-am sempre ferir
na moor força da peleja.
É tam lindo cortesãao
que sempre brada por damas,
amores onde tem mãao
seus tristes sospiros vam
ardidos todos em chamas.
Do Coudel-moor
enderençada à
dita senhora por
cabo de seu
rezoado, em que
pede que
lhe mande dar sua
sentença.
Senhora, nam se
dilate
sentença sobre tal prova,
mas diga, sem mais debate,
sospirar, posto que mate,
nam seja por cousa nova.
Paixões posso acrecentar
com mil lembranças que cata,
vindo com desesperar
tenha poder de matar
como de cote nos mata.
Cantiga sua que
daa por cabo
de suas rezões
que tem ofe‑
recidas por parte
do
sospirar.
Onde cuidar desbarata,
sospiros querem matar,
porque sobre carregar
dizem que mata.
Sospiros serem
paixam
negar-se nam poderaa,
pois vindos do coraçam
com cuidado e afeiçam
dizem quem os sofreraa.
Tenho-m' aa primeira cata
das feridas do cuidar,
mas, quando vem sospirar,
sabêe que mata.
De Joam Gomez a
Dom Joam, por‑
que lhe foi dito
que sendo ele au‑
sente donde se o
feito tratava,
que a parte do
cuidado nam
ia bem, e com
elas lhe
mandou outras que
oferecesse por
parte do cui‑
dado.
Senhor
Dom Joam, senhor
de mim e mais que
de mim,
vós m' havei por servidor
vosso em um tal tenor,
que nam m' abata zinzim.
Tambem pera contrejar
contra quem vós contrejardes,
tudo me podês mandar
e do serviço d' açucar
se me na Ilha mandardes.
Acerca do que compre ser,
falando por retrocado,
vi quem nam quisera ver
centatantas copras ler
dos sospiros e cuidado.
E somos precuradores
e tam mal nos concertamos
que ja fomos autores
e morrem nossos favores
pelo mal que procuramos.
E segundo me
parece
a quanto entender pude,
o Coudel-moor favorece
sospiros e prevalece
em guisa que nos concrude.
E que tenhais rezoado
por copras mui treunfantes
dou-m' oo demo entregado,
que vos achei recusado
em mais de dez consoantes.
Pelo qual,
senhor, convem
que estas ofereçaes,
se vos parecerem bem,
a quem pertença ou tem
o feito que procurais.
E se mais houver mester,
vossa mercê mo escreva,
quer aqui quer u estiver,
no que se fizer mester
porei a força que deva.
Seguem-se as
copras que Joam
Gomez dá por
ultimas
rezões suas.
Lembrança me faz
cuidar
no que o cuidado manda,
cuidado em maginar
faz cuidar e descuidar,
porque andando desanda.
Cuidado mil vezes gira,
enquanto faz e desfaz,
d' u s' afirma nam se tira,
quanto mais d' amor se ira
des que no coraçam jaz.
Daa lembrança do
passado
com desejo do futuro,
em o tear do cuidado
se tece mui resforçado
terçopelo verde escuro.
O qual se neste sentindo,
despõem-se temporizando,
nunca se gasta servindo,
rompem-s' asinha fingindo,
sempre dura bem amando.
Ó tu gentil terçopelo,
color de mea esperança,
tu, d' escuro Set' Estrelo,
tu, d' amores cotovelo,
donde dor nam faz mudança.
Quem te poderaa vestir
com viva paixam d' amores,
que te mais possa despir,
salvo se em ti sentir
sospirar ou desfavores.
Porque fim do
sospirar
é desejo descuberto,
cuidado dessemular
faz sofrer e soportar
sobre certo e nam certo.
E assi convem que seja
sentido de graves tiros,
vida que viver enteja,
sofrer que morte deseja
o cuidado sem sospiros.
Sentido com desejar,
em que esperança cabe,
é cheo de sospirar
d' ũ desejo tam doçar
que mui docemente sabe.
Tal sentir nam me cativa
nem dá pena sem descanso,
mas minhas paixões aliva,
dá-me limbo em que viva
de doçar cuidado manso.
Aquele cuidado
esquivo
que nam dá mais que sofrer
ao coraçam cativo,
no qual eu morrendo vivo
em grado de bem querer.
Este tal me vence e lega,
este todo mal me cata,
este nunca m' assessega,
este sempre me trasfega,
d' amores na fim me mata.
As quaes partes concrudindo,
por fim do que digo e sento,
amores sempre servindo,
suas raivas encobrindo,
seu mortal abafamento,
achei que com sospirar
mil vezes desabafei,
achei-me em soo cuidar
e calar e reportar
que ja nunca descansei.
Sua à dita
senhora por fim
de seu rezoado.
Estas de fino retrós,
madeixas de meu sentido,
rezões de que me despido,
dama, recomendo a vós.
Vossa mercê as comprenda
e desponha
como quem preito apaga,
o cuidado da contenda
devulgando por peçonha,
os sospiros por triaga.
Cantiga sua que
daa em
fim destas rezões
por
parte do cui‑
dado.
Cuidado, despois
que és
no coraçam,
por certo cuidado és,
sospiros nam.
Cuidado, tu de
cuidado
contigo fazes penar
de sentimento forçado,
que nam leixas sospirar.
És tam feito ò revés
per condiçam
que sempre cuidado és,
sospiros nam.
No coraçam teu
inferno
és assi como pecado,
és perdido in eterno,
és em coraçam tomado.
Nam tu inventurus es
a salvaçam,
depois que cuidado és
no coraçam.
Os amores
conservando
em aceso fogo vivo,
maginas desesperando,
triste cuidado cativo.
Despois que aceso és
no coraçam
a la fe
cuidado és,
sospiros nam.
Responde o
Coudel-moor a estas
ultimas rezões
que Joam
Gomez deu contra
o sospirar.
Vossas ultimas rezões,
tiradas pola fieira,
movem tantas concrusões,
que nos ficam por lições
como lidas de cadeira.
Mas quem revolve a folha
e prol contra esguardar,
nam
ha cousa a que s' acolha
que
tolher possa nem tolha
seu
primor ao sospirar
Ca
sospirar tem primores
tam
altos e tam sobidos
que nam sam senam amores,
mas trauta seus servidores
de mais a menos perdidos.
Que vem sobre saudade,
vem sobre grande cuidado,
vem sobre amor verdade,
mas dobra mais a metade
sobre ser desesperado.
O veludo que
tecestes
no tear que daa cuidado
laa nos liços lhe metestes
ũa esperança que destes
ò galante namorado.
E pois teme esperança
cuidado nem traz perdido,
que cuidado na bonança
grorea de i, s' alcança,
conforta todo o sentido.
Cuidar, enquanto cuidar,
que seu nome ser esquivo
pod' em bem e mal estar,
antre prazer e pesar
forma tem d' alternativo.
Mas sospiros matadores,
u prazer nunca se mete,
sempre sam perseguidores
e sam çoçobra d' amores
com' em catorze de sete.
Dissestes que
sospirar
faz desejo descobrir,
deve-s' isto decrarar
que descobre um sospirar
de paixões graves sentir.
Descobre seu triste mal,
descobre sa triste vida,
descobre pena mortal,
descobre que lhe nam val
bem servir quem tem servida.
Mas estes
descobrimentos
nam se dêm por reprensam,
pois a causa dos tormentos
e dos tais padecimentos
fica lá no coraçam.
Nam era cousa pejosa
de julgar que nam dá vida,
porque a dama chorosa,
essa se ha por mais fremosa,
que de mais é homecida.
Alegais um
desejar
que d' esperança tem parte,
entam vindes apertar
que dali vem sospirar
com mil duçuras que farte.
Arguis-me com desejo
de cousa qu' haver s' espera,
nam sacude isso o pelejo,
mas outro em que me vejo,
que mata, que desespera.
Dizês que cuidado
pega
sas paixões mui per inteiro
e que todo vos trasfega,
mas a vós nam se vos nega
que cuidar fere primeiro.
pois cuidar pena daa
sobr' esperança perdida,
confessai que mataraa
sospirar com que seraa
de mim e de minha vida.
Tambem cuidado
dizês
que se põe em esperança,
mas este confessar-m' -ês
que nam doe nem no neguês,
pois de si traz confiança.
Tambem tendes confessado
dar cuidar paixões fengidas,
u por vós foi alegado
que ja i nam ha cuidado
que sofra tantas feridas.
Ò cuidado nam se
tira
sua parte de paixam,
mas enquanto nam sospira
nunca fere sua vira
de frecha no coraçam.
Pelo qual fica notado
que, quando cuidar derrama
sospiro desesperado,
que ja entam nam é cuidado,
mas é morte que o chama.
Bem sabês vós que
cuidar
é lança solta que anda
ca e laa pera pousar,
e que nam vem sospirar
sem ja trazer a demanda.
Assi que se vos aperta,
quando s' a paixam refina,
este meus males esperta,
por vir sobre paixam certa,
cujo mal me desatina.
Trouvestes na derradeira,
por fim de vosso falar,
comparaçam mui inteira
por assentar a calveira
com triaga oo sospirar.
Mas ahinda que vos traga
sospirar, que desbarata,
diz entam: — Por aqui paga
de mim como de triaga
quem com vós muito se mata.
Do Coudel-moor
por cabo de seu
rezoado à
senhora, com que o
feito vaa
concruso.
Nam dê vossa
senhoria
dilaçam mais neste feito,
cesso ja mais vigaria,
cesse o mal que nos seria
nam nos guardardes dereito.
E pois caso era confuso
dar lugar mais a tal briga,
nem vossa mercê o queira,
mas vaa o feito concruso
com mais esta soo cantiga
que dá Jorge da Silveira.
Cantiga que dá
Jorge da Silveira
à dita senhora,
em que responde
ao que Nuno
Pereira disse,
quando disse cuidado
de
minha vida, vos
chamo
sempre por nome.
Que vos chame
quem vos chama
de sua vida cuidado
nam diz muito meu cunhado,
se com' eu mesmo vos ama.
Que eu, senhora, vos chamo
sospiros de minha morte,
com que de vida brasfamo,
pois vos quero, pois vos amo,
sem cuidar que me conforte.
E pois sei que me defama
vosso mal desesperado,
sospiros de meu cuidado
minh' alma sempre vos chama.
Do Coudel-moor à
dita senhora
em nome de Jorge
da Sil‑
veira pelas
dilações
que sam dadas
neste feito.
Ha tanto que sam
metido
naquesta triste demanda,
que me vejo destroido,
perdido mais que perdido
com meu mal que nam s' abranda.
Nam nos dam aqui pousada
mas temos acolhimento,
a vida tenho gastada,
e vós nam despachaes nada,
senhora de meu tormento.
Olhai bem que
sospirar
vos dá ũas rezões taes,
qu' i nam ha em que cuidar
nem devieis aqui dar
as dilações que nos daes.
Mas ainda outro mais bravo
nos querês fazer exame
e i revitaes o cravo,
vai tam alto voss' agravo,
que nam sei como lhe chame.
Porem vossa mercê
queira
por direito vos guardar,
qu' esta sentença longueira
nam seja mais referteira,
pois por nós se deve dar.
Ou se quer vossa mercê
que do feito mais s' alegue,
estes logo recebê
sete artigos que vos lê
esta copra que se segue.
Diz e provar
entende
sospirar contr' oo cuidado
que seu mal mais mal comprende,
que seus sospiros acende
mais fogo de namorado.
Qu' ee sa pena mais esquiva
que o seu mal nam resiste,
que sa dor nunca s' aliva
qu' ee sua paixam mais viva,
qu' ee sua vida mais triste.
Assi que devem de
ser
meus artigos recebidos,
dar lugar e nam reter
a prova, pera se ver
meus males ser mais sobidos.
Nem curemos doutras minas,
que eu quero oferecer
testemunhas de fee dinas
e rezões outras tam finas
que sejam de receber.
Desembargo posto
per mandado
da senhora nas
costas desta
petiçam e artigos
que,
por parte do
sospi‑
rar, lhe foram
dados.
Recebo os artigos dados,
venha a prova sem tardar
e assentem tudo no feito.
Entam sejam-me levados
pera o eu determinar
como achar que é dereito.
Do Coudel-moor
que dá em
prova do que
disse dos sete
artigos que tem
dados
neste feito, por
parte do sos‑
pirar.
O primeiro está
provado
que em si mais mal contem,
pois sospirar e cuidado
está assi tam abraçado,
que seu mal d' ambos lhe vem.
E os fogos encendidos
prova-se per ti que fales,
Estunhiga, de teus gemidos
e sospiros, que sofridos
sem morte nam sam seus males.
Ser mais esquiva sa pena,
que foi artigo terceiro,
nam se negue, pois s' ordena
das paixões, quando têm lena,
que nos ferem por inteiro.
Donde vem que ressurgir
nunca foi quem seu mal visse
nem sa dor demenuir,
e si posso
concrudir
o que em meus artigos disse.
E tambem pera se
crer
que mais viva paixam leva,
isso craro é de ver,
pois sospirar tem seu ser,
nas paixões em que se ceva.
E assi fica verdadeiro
ser mais triste sua vida
qu' ee artigo derradeiro
tá o qual des o primeiro
minha prova dei comprida.
Sua à dita
senhora em que pede
que proveja per
si esta
inqueriçam.
Senhora, querê
prover
nossa inquiriçam per vós
e acharês logo em na ler
a rezam que devês ter
pera julgardes por nós.
Pois dai-nos esta sentença,
qu' o dereito no-la daa,
nem haja mais deferença,
ou se nam dai-nos licença,
qu' apelar nos convirá.
Cantiga que dá
Jorge da Sil-
veira
à dita senhora, por-
que o seu
precurador
disse que
esperava
d' apelar.
É bem de mim apelar,
quer façaes dereito ou torto,
no feito do sospirar,
pois me nam sei agravar
de vós sobre me ver morto.
Porem esta apelaçam
seguirei, pois que me segue
sospirar com sa paixam,
e pois quer meu coraçam
que lhe meu servir nam negue.
Mas qu' este negro apelar
me nam traga algum conforto,
pois o quer meu sospirar,
fá-lo-ei sem agravar
de vós sobre me ver morto.
Antrelucatorea da
dita senho‑
ra sobre o feito
que
lhe foi levado
concruso.
Pois o feito vem
concruso
da mão dos precuradores,
por nam ir termo confuso
mandá-lo ver nam m' escuso
algũs grandes trovadores.
Ũ seja Alvaro Barreto,
o outro Alvaro de Brito,
aos quaes logo remeto,
e pois a ambos o cometo
dêm seus votos por escrito.
E venha tudo
cerrado
asselado e bem coseito,
sendo bem examinado
todo o que foi alegado
de pro e contra no feito.
E desi visto per mim
seus votos, sua tençam,
darei neste feito fim,
e as custas ò galarim
pagará quem for rezam.
Segue-se o voto
d' Alvaro de
Brito, que pôs
neste feito
per mandado da
dita
senhora.
Sogeiçam traz desejar,
desejar daa sentimento,
sentimento faz cuidar,
cuidar causa trabalhar,
trabalhar padecimento,
donde vem com desatento
ũu languido sospirar.
Sospiros devem chamar
pena de maior tormento.
Segue-se o voto
d' Alvaro Barreto,
que neste feito
pôs per
mandado da dita
senhora.
Pois por vossa comissam,
que faz que me desatine,
comprindo-me que m' ensine,
me mandais que detremine
ũa tam alta questam.
Eu, senhora, por comprir
a todo vosso mandado,
que nam seja tam letrado,
faz-me a isso ousado
vontade de vos servir.
Porem pera s'
entender
neste caso a verdade,
convem de necessidade
alegar autoridade,
que seja de receber.
E pois que pera juiz
vossa mercê me obriga,
antes que se mais persiga,
alego esta cantiga
que daquesta guisa diz.
Segue-se a cantiga alegada
per Alvaro
Barreto.
En esto siento pardios
el
grande amor que vos he
em que
nunca sospiree
por otra
sino por vos.
See que
cosa es sospirar,
despues
que vos conoci,
porque
no vos pude negar
la parte que haveis em mi.
Y
se se fallarem doos
que amem com toda fee,
el uno
so yo, porque
sospiro
siempre por vos.
Alego este autor
com outros que ja passaram,
que por copras nos leixaram
ser vivo fogo d' amor.
Sem fazerem tam soomente
memorea que o cuidar
é cousa de nomear,
senam pera praticar
e usar com tod' a jente.
E pois os
autorizados
tiveram esta tençam,
seguir outra openiam
nam fariamos rezam,
que iriamos errados.
Que nam temos por saber
onde nam é contrafeito
desejo d' amor prefeito,
sospirar ser seu efeito
sem al se poder fazer.
O que cada ũu
deseja
pera si d' amor procede,
e quem por amores pede,
de sospirar nam s' espede
tá que o pedido veja.
Pois que podemos dizer
ou quem pode al notar
senam que o sospirar
vem do propio amar
e nam de cuidado haver?
Sentença.
Pelo qual visto o
processo
e o por ele mostrado,
eu julgo contr' oo cuidado
e o hei por condenado,
pois vai da verdade avesso.
E o sospirar assolvo
do contra ele pedido,
porque é por mim sabido
que o têm favorecido
estes livros que revolvo.
Segue-se a
sentença dada
per a dita
senhora sobre
ter visto os
votos
dos trovadores
alegados.
Olhando com bom
respeito
o que cada ũu demostra
e alega de seu dereito,
digo que, visto este feito
e o que se per ele mostra,
que cuidado em lugar
pode estar sem sospirar,
assi como está provado
sospirar nam ser achado
sem este mesmo cuidar.
E tambem visto o
alegado
infroismo e sa doctrina,
e com' ee autorizado
o qu' estaa encorporado
na nossa Salve Regina,
item como do cuidar
vem o primeiro ferir
e nam em vos aleixar,
e visto que sospirar
vem sobre o consentir;
E visto o mais
que s' alega
E se mostra pelo feito,
O sospirar nam sonega,
que o mal em que s' entrega
lhe faz craro seu dereito.
E porque nisto m' afirmo,
concrudo prenunciando
ouça quem quiser ouvir-mo,
estes dous votos confirmo,
neles porem decrarando
Que nam s' haja por cuidar,
nem cuide que dá paixam
pera dela se falar,
cuidado que sospirar
nam mete no coraçam.
Nem lhe quero receber
alegar que sofre e cala,
ca sobre ver-se perder
paixões dinas de sofrer
o mudo com elas fala.
Nem lhe recebo
que diga
que cala por ter segredo,
ca posto que o persiga
sospirar com sa fadiga
nam na amostr' ele co dedo.
E mais podemos cuidar
do cuidar qu' estaa calado
que se leixa assi calar,
por se menos querer mostrar
contente sobr' agravado.
E porem pois
julgador
sam supremo neste feito,
julgo nos autos d' amor
sospirar por vencedor
sobre vencido sogeito.
E assi hei por confirmadas
pelo dito sospirar
as sentenças que sam dadas,
custas hei por relevadas,
por ser rezam letigar.
Provicaçam desta
sentença
que a dita
senhora deu
pelo sospirar.
A nove dias do
mes
dos onze meses do anno
da era d' oitenta e tres,
desta sentença medês
e auto palenceano,
foi feita provicaçam,
dentro na corte outrossi
do grande Rei Dom Joam,
e eu, dito escrivam,
qu' esto todo escrevi.
Emformaçam à dita
senhora, que
lhe deu o
Coudel-moor por parte
do sospirar,
agravando-se das
custas, emmenda e
corregi‑
mento que lhe nam
jul‑
gou, pedindo
porem
sua sentença.
Com todo o agravo que sento,
pois julgar nos nam quisestes
emmenda e corregimento,
dêm-me a mim um estormento
desta sentença que destes.
Mas porem podês mandar,
nam havendo i outro cobro,
que se mais aprefiar
cuidar contr' oo sospirar
que pague as custas em dobro.
Desembargo da
dita senhora,
posto nas costas
desta enfor‑
maçam que por
parte do
sospirar se deu.
O que mandei, o que disse,
isso torno a mandar,
nam hei jamais d' ennovar,
porem quod escripse escripse.
Copras que fez Nuno Gonçalvez,
alcaide-moor da fortaleza d' Alcobaça,
em favor do cuidar contra a sentença
que foi por parte do sospirar dada, a
qual aqui revogou deos do Amor de
seu propio moto. Havendo primeiro a
vista de todo o
processo, deu sentença
na qual daa com suas vozes Mancias e
Tarquino, Joham de Mena e Joham
Rodriguez de
mençam o dito alcaide, que ha mil
annos e nove dias que é finado, e
como é sacretareo de deus do Amor,
endereçando estas copras a Dom Joham
de Meneses, segundo adiante se segue.
Fala logo o
autor.
Senhores, grandes senhores,
querê saber esta nova,
como servistes amores,
quaes ficastes vencedores,
ouvi a quem vem da cova:
— Mil annos e nove dias,
ha que sam morto, finado,
comigo pousa Mancias,
Mena, Padram das ancias,
e Tarquino desterrado.
Quantos jazem sô
a terra
que foram mal navegados,
quantos amor fazem guerra
que na sua lei
mal erra,
todos sam meus
convidados.
Laa no limbo dos ardores
onde têm algũu poder,
ali sofrem disfavores,
ali tormentos e dores,
segundo seu merecer.
Estando estoutro dia,
deos d' Amor desembargando,
veo ũu homem que gemia
bradando e se carpia,
dos olhos muito chorando,
dizendo: — Ouve, senhor,
ouve ũu tam grande mal,
ouve ũu tam grande error,
que se faz contra Amor
no reino de Portugal.
Fala deos d'
Amor.
Deos d' Amor
muito espantado
respondeo nesta maneira:
— Fala, fala, mais pausado,
conta-m' o feito passado,
todo bem pela carreira.
Se trazes enformaçam
ou trazes o mesmo feito,
forma nisso petiçam
e descanse teu coraçam,
que logo haveras dereito.
Fala o
autor.
E o qual como descreto,
avisado cortesam,
tornando a cor despeto,
acodio logo desperto
co propeo feito na mão.
Dixe-lhe: — Senhor, verás
aqui ũu feito muito feo,
dentro nele acharás
cousas bem per que farás
grandes justiças arreo.
Provicaçam do
feito.
O qual logo
provicado
foi nesse mesmo momento,
bem levado e decrarado,
como foi arteculado
e contestado,
vio-se todo com bom tento.
Era ja sentenceado
em tal maneira
que o primo da Silveira
leuou grado.
A tençam do feito
e
os competidores.
E foi seu procedimento,
segundo seu relatar,
qual era maior tormento
e dava mor sentimento,
o cuidar ou sospirar.
Pereira, Meneses, Guiar,
Joham Gomes tambem da Ilha,
estes se querem matar
por ele aa maravilha.
Silveira, Silveira, Silveira,
pai e filhos com saber,
pela ponta da fieira
buscam mui nova maneira
por sospiros defender.
Brito, Barreto condenaram,
a dama sentenceou,
pelo sospirar julgou,
o cuidado condenaram
e assi se confirmou.
Artigos, protestações,
com outros autos formados,
cantigas, enformações,
todos foram praticados.
Deos d' Amor a que pertence
toda a final sentença
visto o que aparece,
no auto que s' oferece,
com risonha contenença,
Lançou os olhos
em roda
contra nós outros, finados,
e dixe: — Como s' enloda
este feito a que gram noda
querem pôr aos cuidados!
Disse mais: — Pois sois passados
daquele segre da vida,
nam sereis afeiçoados,
ponde vossos assinados
da verdade bem sabida.
Porque quero bem
rever
este feito e escoldrinhar,
e do que me parecer
por todo o mundo saber
quero per mim sentencear.
Pera cada ũu o ver
lei ponho feito na mão,
todos quatro ham-de dizer,
segundo seu entender
e dar seu conselho são.
Põe Mancias sua
tençam.
Sospiros e sospirar,
messajeens d' atrebulado,
o meu mal podem mostrar,
mas nam me podem matar
como me mata cuidado.
Cuidar é ũa negrura
que nam tem consolaçam,
sospiros ũa folgura
qu' aliva minha paixam.
Sospirar nunca sessega,
vai e vem como sezam,
cuidado, despois que pega,
chupando no coraçam,
chupando todo prazer,
tira-lhe toda folgança,
fá-lo todo emnegrecer,
fá-lo secar e morrer,
quando tem desesperança.
Comparaçam.
Vejo ũa grande fervura,
fervura d' agua viva,
se a panela bafura,
lança fora da quentura,
é certo que logo aviva.
A meu coraçam impiro,
que anda todo em fogo,
que al tem senam sospiro,
que al tem senam respiro,
porque nam se fina logo?
Cantiga dele.
Cuidado, triste cuidado,
sem conforto,
é tu mal tam trebulado,
que me nam leixa cuidado
senam morto.
Quem tivesse algũu lugar,
quem tivesse algũu descanso,
quem tivesse ũu sospirar,
porque quem me quer matar
fosse mais manso.
Mas tu, mal desesperado,
sem conforto,
é ũu mal tam revitado
que me nam leixa coitado
senam morto.
Fala com a dama.
— Senhora,
nova senhora,
mui fermosa,
porque vossa mercê nam chora
esta dor tam enganosa?
É certo, se nam m' achasse
cos d' amor no desembargo,
vossa mercê nam passasse
esta vez que nam gostasse
sobr' este caso gram cargo.
Se meu conselho tomardes,
senhora mui graciosa,
por algũu tanto ativardes
e bem em tanto cuidardes
nessa parte algũa grosa.
Pois o feito se perdeo
soo por vossa concrusam,
decrarai que vos venceo
afeiçam.
Põe Tarquino sua
tençam.
Fala com
Lucrecia.
— Lucrecia,
meu bem inteiro
ordenado
pôs em mim tam gram cuidado
que fiquei seu prisioneiro
verdadeiro.
Seu olhar dessemulado
m' as causou,
cuidado que me matou
com degredo mal logrado,
desterrado.
Este degredo
sentindo
por vales, outeeiros, branhas,
era-me milhor partindo,
sospirar, andar carpindo,
descanso das entradanhas.
Cuidado nam me leixava
somente desfolegar,
sospiro, quando chegava,
algũu tanto m' alivava
pera logo nam finar.
Comparaçam.
Ũu
fogo grande que farte,
dobrado fogo inmenso,
as faiscas que reparte
manifestam grande parte
do grande fogo itenso.
Empero nam sam tam feras
com' ao fogo que tiro,
quem quiser oulhar deveras
poderá saber por elas
quanto menos é sospiro.
Cantiga dele.
Cuidados e
sospirar
ambos sam causa d' amores:
sospiros pera mostrar,
cuidados pera matar,
quando sam com disfavores.
Os sospiros sam
escuma
que cuidados botam fora,
sam assuvios de chulma.
Concrodindo: tomam suma
como afirmo e digo agora.
Cuidados e sospirar
ambos sam causa d' amores,
sospiros pera mostrar,
cuidados pera matar,
quem os tem com desfavores.
Fala com a dama.
Senhora mui eicelente,
fermosa por eicelencia,
neste processo presente
vossa mercê bem atente,
nam fique por negrigencia.
Que neste limbo d' amores
onde em brasas ardemos,
nam se esguardam favores,
nem quitam males nem dores
se por nós o merecemos.
E pois voss' alma
conhece
o erro dado no fito,
nam façaes que vos esquece,
mas pedi a quem pertence
ũu perdam com grande grito,
e livrai alma de pena
que vos é aparelhado
nam pequena,
pelo mal que se ordena
do passado.
Tençam de Joam
Rodriguez de la
Camara, em que se
queixa de
la fortuna por
lhe lem‑
brar o passado.
¡
Oh lhagas de mis passiones,
remedio de min trestura,
lembrança de mins dolores,
mil e mil tribulaciones
me traes desaventura!
Yo digo
que pensamientos
me
cortaran
e
raviosos sentimientos,
cuidados
con sus tormentos
me
mataran.
Con lo qual tengo provado
lo que
digo:
que
cuidado
es un
fuego denodado
sin
abrigo.
El
sospiro es dar fama,
el
galante
sospirando
por su dama
es mostrança qu' ele ama
por delante.
Comparaçam.
¿ El fuego que la lombarda
respara
refogueando,
queda
elha más quemada,
más
ardida, más brasada,
o el tom
que va tronando?
Quien
d' amor sabe los giros
por esta
comparacion
hallará
que los sospiros
no son
al sino los tiros
del
cuidar del coraçon.
El cuidar desesperado
es un
fuego encendido,
es un
mal tan redoblado
que
dolor de condenado
no es
tal ni tan subido.
Su
primor e gualardones
al
sentir
no son
al sino clamores,
cuyos
bienes e perdones
es
morir.
Cantiga dele.
Sospiros mil se
darão
al querer del paladar,
cuidados no poderão
demostrar sua paixam
sem bien amar.
Os sospiros
levemente
se podem contraminar,
cuidados de fogo ardente
com agua nem d' outra mente
nunca se podem matar.
Mas sospiros mil darão
al querer del paladar,
cuidados no poderão
demostrar sua paixam
sem bem amar.
Fala com a dama.
- Senhora,
cuja fegura
resplandece,
esmalte de fremosura,
a quem graça e soltura
obedece.
Por
caridad,
tal
enganho que florece
emmendad,
pues
vuestra merce conote
la
verdad.
A lo menos decrarando
ser enganhada,
e gemiendo y lhorando,
a
nuestro dios soplicando
que vos
haya perdonada.
No
quiera dios que veamos
vuestra
venida
nel fuego onde estamos,
em lo qual triste gustamos
muerte y
vida.
Tençam de Joam de Mena.
El sospiro amortecido
es senhal
que nos dize qu' el sentido
quasi,
quasi es fenecido
el
mortal.
¿ Mas
guiem ha sentido
o
cuidar,
cuidado
desfavorido,
cuidando
que es venido
com
amar?
Nõ cumpre más
argumento,
ni obras
de lisongeros,
cuidados
pierdem los tientos,
cuidados,
vivos tormentos,
sospiros,
los mensageros.
Cuidados,
los raviosos,
cuidados,
penas mortales,
cuidados,
muy desseosos,
cuidados,
muy saudosos,
sospiros,
delhos senhales.
Compraçam.
Hablo
com benivolencia,
como el
medico conece
por las
aguas la dolencia,
assi por
sospiro parece
em aquel
que lo padece
ũu
dolor sim paciencia.
No que
sea el dolor
ni tam
poco la passion,
mas es
ũu amostrador
del
dolor y del fervor
del cuidar del coraçon.
Cantiga dele em
favor
do cuidado.
Biva muerte deveria
de morir
quien esto nega,
quien
afirma otra falsia
por
cierto yo deria
que del
dios d' Amor se nhega.
O renhegar es una suerte
hecha de
tal calidad,
renegar
nos da la muerte,
renegar
tormento fuerte
sin
ninguna piadad.
Polo
qual luego devria
de morir
quiem esto nhega,
quiem
afirma otra falsia
por
cierto yo deria
que del
dios d' Amor se nhega.
Copra à dama.
Vida soes, senhora, vida,
vida soes, pues floreceis,
nel mundo no fue sabida
otra dama, nim nacida,
del valor que vos valeis.
Toda beldad e lindeza,
toda
gentil galania,
toda
vertud y nobleza,
toda la
gram gentileza
es em
vos claror del dia.
Pues
teneis toda vertud,
y teneis
toda verdad,
conservad
vuestra salud,
conservad
vuestra beldad,
afirmando
que la
sentencia passada,
biem
mirando,
tirando
de vuestro mando
fue
mudada.
Em tal maneira
vuestra
culpa tresmudamos,
que
vuestra beldad
no queme em la foguera
em que nos tristes ardemos.
E tu, gram beldad soberana,
por tu gram vertud sostiene
una dama tam galana,
em fuego que tanto dana
no se queme.
Cantiga portugues
que cantam
todos quatro em
favor
do cuidado.
Amores, bravos cuidados,
cuidados, bravos amores,
amores, olhos quebrados,
sospiros, raios lançados,
mui penados valedores.
Cuidados, todo
seu mal
com mortal pena sofremos,
cuidados, mal natural,
sospiros, acedental,
e assi que bem dizemos:
Cuidados, bravos amores,
amores, bravos cuidados,
cuidados, olhos quebrados,
sospiros, raios lançados,
mui penados valedores.
Com tudo vai o
feito concruso
a deos d' Amor
pera dar
sentença.
Com estas quatro
tenções
dam o feito a seu senhor,
todos fazem orações,
todos jejuns, devoções,
por a dama a deos d' Amor.
Todos bradam, todos gritam,
todos fazem gram façanha,
todos grandes brados tiram
e a deos d' Amor enviam,
que amanse sua sanha.
Petiçam dele a
deos d' Amor.
— Tu, mui alto deos
famoso,
por ter grande nome e fama,
sê agora piadoso
esta vez e gracioso,
nam condenes esta dama.
Por lembrança e por aviso
d' ũ senhor que deos se chama,
dizemos que será quiso
nam levar ao paraiso
ũa tam luzente dama.
Que tenhas sol, tambem lũa,
que tenhas tambem estrelas,
com a fremosura sua
é certo ũa por ũa
que abata todas elas.
Pois que grande bem seria
e que cousa tam errada
goiã de tam gram valia
perder tua senhoria
d' ũa flor tam esmaltada.
Pois torna, torna, senhor,
por as tuas dez mil chagas,
amansa teu gram furor
que com todo mal apagas.
E nós todos, com gram femença
e com mui abertos braços,
recebemos ta sentença,
sairemos em pendença
com os pees todos descalços.
Diz o
autor como deos d' Amor
saio pobricar sua
sentença.
A vinte dias
passados
desse mes ante d' Agosto,
com pendões alevantados,
com crarões mui resonados,
mostrança de ledo rosto,
deos d' Amor em seu estado,
sua pompa que nam erra,
suas opas de brocado,
ũu paje mui bem armado
de paz e tambem de guerra,
Saio ledo e
motejando
da sua camara d' ouro.
Todos vinham gracejando,
empero nunca leixando
parato de bravo touro.
Seu conselho derredor,
com mui grande acatamento,
senado de grande honor,
muito moor d' emperador
era seu assentamento.
Em o qual, como chegasse,
foi-se logo assentar,
e ante que al falasse,
ante que pronunciasse,
fez todos assossegar.
E em som mui entoado,
gracioso de ouvir,
este feito apontado,
todo nele processado,
començou de resumir.
E despois de resomido,
sem fazer outra detença,
todo muito bem ouvido,
todo mui bem entendido,
provicou esta sentença.
Da qual suas entenções,
seus decretos e primor,
seu resgar d' openiões,
com outras decrarações,
assi segue seu teor.
Segue-se a
sentença.
Visto mui bem
este feito
e o nele processado,
e visto todo seu preito,
visto sobre o dereito
todo mui bem decrarado.
Visto todo precurar
per ũa e outra parte,
visto negar e provar,
todo fundado por arte,
Mostra-se que o alegado
por parte do sospirar
todo é contraminado,
todo falso logicado,
à vontade do padar.
Mostra-se que o cuidado,
de que vem toda paixam,
põe unha que ò unhado
põe seu mal mui bem pegado
primeiro no coraçam.
E bem sabe
Portugal
nam será homem que remonte,
que todo é ũu papassal,
pois d' i nace todo o mal
como rebeiros de fonte.
E assi confessaremos
e dizemos craramente:
cos cuidados padecemos,
com eles todos morremos,
sospiros sam acidente.
Eles cansam, eles matam,
sam premeiros e mais inteiros,
sempre vos tristeza catam,
des que pegam, nam apartam,
sospiros sam ventureiros.
Vendo-se bem o passado
por sem sospeita, juizes
polo alegado e provado
julgaram pelo cuidado
e o al por garridicis.
Deferenças que
faz deos d' Amor
do cuidado e
sospirar.
A deferença que é
do cuidar ao sospirar:
cuidado é ũu libré
que filhando deu a fee
de matar com seu filhar.
Mas do triste coraçam
que nunca perde cuidado,
de que ha grande paixam,
que lhe dá o negro cam,
sospiros levam recado.
Toma outra
concrusam
que todos mui bem notai:
cuidar é no coraçam
ũu ardor mui sem
rezam,
sospiros fumo que sai.
Estoutra por acabar,
pois que ata e mais que ata:
sospiros e sospirar
sam podengos de mostrar,
cuidados rede que mata.
Qu' aleguem Salve Regina,
cantigas e outros motes,
é palavra sancta e dina,
mas lá fica outra más fina
metida dentro nos bofes.
Grande fee e confiança
da senhora que chamamos,
do cuidar na esperança
com temor da tribulança
dali sae o sospiramos.
Pois as outras picaduras,
qu' alegam de namorados,
nam sam al senam feguras,
nam sam al senam pinturas
e sinaes de seus cuidados.
O cuidar é incuberto,
nam se tanje com badalos,
os que têm seu mal secreto
que sua dama o saiba certo
tanjem-lh' aqueles chocalhos.
Ũu triste corpo
cuidando,
ũu cuidar desesperado,
d' amores desconfiando,
anda sempre maginando
e vivo anda queimado.
Seus males desconfiados,
seu ardor de quando em quando,
seus cuidados debrasados
sospiros mui magoados
por faiscas vam lançando.
Seu coraçam tomou tençam,
mostrando seu mal estranho,
mostrando sua paixam,
que fere no coraçam
donde vem seu mal tamanho.
Porque a dama sentida
vendo tam estreita dor,
vendo ũu alma tam perdida,
por nam ficar homecida
antremete algũu favor.
E assi que bem
concrudo
esta dor desta amargura,
o cuidar ante que mude,
se o sospiro nam acude,
causa nossa sepoltura.
Cuidar é de tal naçam,
que daa morte conhecida,
sospirar, sua tençam,
a que traz por presunçam
a tal morte buscar vida.
Acho aqui mais
alegado
por parte do sospirar,
deixo ora ũu bom ditado
que faz mais polo cuidado
que por quem o foi buscar.
Digo a vós, que o notaes
em vossos grandes favores,
que mal é que nam oulhaes
e que lhe chamam sinaes,
mas nam ja os matadores.
Pelo qual vós
alegaes
escrito com vossa pena,
vós por vós vos degolaes
e por vós vos outorgaes
no que dixe Joam de Mena.
Pois vós otros leterados,
que meti nesta balança,
afirmaes com grandes brados:
matadores, os cuidados,
sospiros, sua mostrança.
Torna deos d' Amor
à sua sentença.
E assi que moto
propio
e esponte livremente,
junto todo meu consilio
e de propio meu apilio
publico esta presente.
E digo que a passada
sentença toda renovo,
condano-a por queimada,
mando que seja guardada
esta que faço de novo.
Em que salvo o
cuidado
e o torno em liberdade,
d' amores lhe dou o grado,
ele soo é namorado,
pois sempre guarda verdade.
E os sospiros condano
como cousa echadiça,
falsuras de muito dano,
poder ter coma mao pano
falsa cor e fengediça.
Faço-lh' esta
concrusam
mui limpa de falsidade:
O cuidar sua tençam
sempre estaa no coraçam,
sospiros no arravalde.
Esta deve de matar
todas outras demasias,
que quem maes perto d' amar,
mais perto de bem gostar,
e assi leixar perfias.
Contradiz o
correo que o Coudel‑
-moor alegou que
lhe che‑
gara por parte do
sospirar.
Item quanto ao
correo
por parte do sospirar
alegado em rodeo
meu legido e nam leo
tal cousa nunca passar.
E certo nam passaria
ũu tal erro nem passou
por minha chancelaria;
se tal cousa parecia,
meu selo nunca levou.
Mas passe logo
mandado
pera meu corregedor:
Se tal correo for achado,
moira logo atenazado
por falsairo e tredor.
Se outrem o quis fazer
por salvar sua tençam,
triste deve de sofrer
penas d' amor e viver
sem haver satisfaçam.
Aqui julga deos
d' Amor contra
aqueles que deram
sen‑
tença por parte
do
sospirar.
Brito, Barreto,
concordantes
na sentença do entrejo,
sempre sejam boons andantes,
na cama nunca possantes
e tenham grande desejo.
E por maior pena deles,
tambem de Pero de Sousa,
as damas jaçam com eles,
e chegando-se par' eles,
desejando bem a cousa.
E assi sempre
veram
os rostos desconsolados
das damas que serviram,
e por i conheceram
os males que sam cuidados.
Estas custas do processo
em que sam reos culpantes,
pois tiraram d' arremesso
e foram de todo aveso,
paguem polos consoantes.
As outras custas
maiores
nam curo de as julgar,
porque sam de taes valores
os que ficam vencedores
que as nam ham-de levar.
E nam parando oitavo,
onde falam as desputas,
assi diz que é d' escravo
mais que d' homem livre, alvo,
levar injurias nem custas.
Sentençea deos
d' Amor
a dama que deu a
sentença.
De dobrado fogo
d' amores
a dama se fez culpada,
pois que quis com desfavores
antre taes competidores
dar sentença tam errada.
Mas os gritos e cramores
que ouvi de meus cuidados,
as pendenças e ardores,
os grandes brados e dores
que me viam lastimados;
Isso mesmo a
lembrança
das refeições que lhe direi,
dos olhos e fina mostrança,
d' amores toda folgança,
mas descreta em sua lei.
Estas suas doces fruitas,
falo convosco verdade,
muito mais doces que truitas,
com lembrança doutras muitas,
me movem à piadade.
E assi que lhe
perdoo
por amor dos sopricantes,
movido com grande doo,
porque sei que eras antes
espelho das mais galantes.
Porem com tal condiçam,
pois ha decrarar as artes,
que faça tal devaçam,
que haja por concrusam
ũu gentil perdam das
partes.
Vam estas decrarações,
que aqui sam decraradas,
sem outras repricações
singelas nem trepecadas.
Esta lei sempre seraa
estavel e firme e forte,
esta se confirmaraa
e esta se guardaraa
sô pena d' esquiva morte.
Aqui assina deos
d' Amor
a sua sentença.
Dez mil chagas, dez mil dores,
ũu soo bem com muito mal,
bravos fogos, mil ardores,
mil cuidados matadores
isto trago por sinal.
Selo do coraçam
de deos
d' Amor, com que
mostra
que sam amores.
Ũu
fogo que nunca cansa,
ũu amor de meu sentido,
ũu fogo que nam s' amansa
ũu mal que nunca descansa,
de secreta dor ferido.
Mil agravos, mil despreços,
mil tristezas, mil cuidados,
mil achaques, mil começos,
mil antojos, mil empeços,
mil tormentos mui dobrados.
No milhor
muitos embates,
abrolhos d' agudos pregos,
mil ceumes, mil rebates,
muitas raivas, mil combates,
e os olhos ambos cegos.
Mil desmaios, muitos medos,
esforços desconfiados,
desfavores d' olhos quedos,
muito mais bastos que dedos,
desconfortos magoados.
Mil desdenhos, mil quebrantos,
mil robores, mil vergonças,
mil beocos, mil espantos;
de gemidos sabês quantos?
mil quintaes e dez mil onças!
Mas o lindo namorado
que lealmente guerrea
tem o grao mais esforçado,
mais limpo, mais esmerado
que comprido a Garrotea.
E despois de acabado
este negro encantamento,
vem ũu bem tam apurado,
ũu prazer tam graduado
em que mil ganha por cento.
Sua dama descaida
com amor mui aficado,
mea morta,
esmorecida,
se outorga por
vencida
em galardam do
passado.
Em que cobra toda grorea,
toda bem aventurança,
que milhor grorea, que vitorea,
que leixar grande memorea
de tal amor, tal folgança!
Que tam sabido prazer
e tam grande galardam!
Que digo que o entender
destas cinco copras sam
meu selo, meu coraçam.
Aqui diz o autor como deos
d' Amor
o mandou com
embaixada tra‑
zer a sentença
enderençada
a Dom Joham de
Meneses.
A qual como pobricasse
mandou a mim, seu secretario,
que logo a treladasse
e o propeo leixasse
por registo em seu almareo.
E assi m' adereçasse pera
vir embaixador
e qu' estes autos pobricasse
a vós, Dom Joam, senhor.
E assi em
comprimento,
com despacho segui via,
venho com grande tormento,
caminhando noite e dia.
Fiz ũ bordo em Alcobaça,
onde fico mui cansado,
achei no meo da praça
este correo que caça
qualquer partido de graça.
O qual vos logo aderenço
por minha grande fraqueza,
e por ele vos estenço
estes autos de gram preço,
receba-os vossa nobreza.
E conserve sua fama
como mui lindo fidalgo,
pois ardês em viva chama
e deos d' Amor vos tanto ama
que soes do seu desembargo.
Fim de todo processo.
Recebimentos
fareis findos
lanheados com do ouro,
mandarês repicar sinos,
sairês esses mais dinos
com rico paleo de ouro.
Ca pelos reinos alheos
por u venho de passada,
me fazem festas, torneos,
mais ricos, com mais arreos
qu' a esta santa cruzada.
2
DOM
JOHAM DE MENESES A ŨU HOMEM
QUE SE LHE MANDOU
ESPANTAR PER
ŨAS TROVAS
COMO, SAINDO DE
ŨS AMORES,
PODIA ENTRAR
EM OUTROS, E QUE
LHE
RESPONDESSE POR
CASTELHANO.
Los que sienten vidas lhenas
de tristezas y dolores
em poco tienem las penas,
que pensar em las ajenas
consientem los amadores.
Mas yo lo tomo al reves
y loo que en tal empriende,
y que me digan despues
mal de muchos gozo es,
yo sé bien como s' entiende.
Comparacion.
Ya muchos que mal firieron
pensando
se conortaron,
no nel
golpe que les dieron,
mas em
muchos que devieron
de matar
y no mataron.
Y se
vuestro pensamiento
com
vuestro mal haver duelo
oos
dexo, de lo que siento,
fue por
dar al gram tormiento
que vos
mat' algun consuelo.
Mas si
soes de mi culpado,
o yo quexoso de vos,
es em darme em lo passado
por
hombre que fue penado,
si
mirais quien es mi dios.
Que sola
la fremosura
de quien
yo por mi mal veo
haz
dicha mi desventura,
y ser
glorea la tristura
que
passé y que posseo.
La passada porqu' ha poco
su pena
com la presente;
la
presente por ser loco
d'
amores, y fago poco,
segun es
por quien se siente.
Assi que
puede dizer
quien
supiere cuyo so
qu' es a
mi triste bevir
no vida
lo por venir,
ni
muerte lo que passó.
Fim
e comparacion.
La garça toma
receio
dei
remontador templano,
mas ya
libre de su vuelo
conoce
su fim nel cielo
nel que
sueltan de la mano.
Assi yo
en los amores
passados
bien conocia
qu' eran
mis remontadores,
mas
estos son matadores
de la
vida e muerte mia.
3
CANTIGA
SUA.
Pois soes tam sem
piadade
qu' em meu mal levaes tal glorea,
ja nam quero moor vitorea
que vencer minha vontade.
Nam dá pena nem
prazer
bem nem mal que me façaes,
folgo menos de vos ver
do que vós a mi folgais.
Faz-me algũa saudade
virem cousas aa memorea
que passei; mas, na verdade,
nam me dam pena nem glorea.
4
MOTOS GROSADOS A ESTAS SENHO‑
RAS POR DOM JOHAM DE MENE‑
SES, ENDERENÇADOS A
SUA DAMA, EM ŨA
PARTIDA.
Dona Felipa de
Vilhana.
Los dias de mi bevir
ya los
cuento por passados.
¡ Oh mi vida, por quien vida
vivo lheno de tristura,
por quem pena dolorida
sobra em
mi con la partida
como em vos la fermosura!
Con este
triste partir
no
parten de mi cuidados
y solo
por vos servir
los dias
de mi bevir
ya los
cuento por passados.
Dona Joana de
Sousa.
Destes fim al
coraçon.
Mas como son despendidos
por
amaros y doleros,
aunque
sean mal bividos,
no los
cuento por perdidos,
pues se
perden tras quereros.
Perderlos
é qu' es ganar
por
vuestra gran perfecion
a quen
no puedo negar
que solo
por vos amar
distes
fin al coraçon.
Dona Lianor Mazcarenhas.
Oh vida desesperada.
Y pues ya vedes cativo
que
muero por vos querer
y mi mal
qu' es tam esquivo,
piedad
de como bivo
haved
ora, qu' es d' haver.
No seaes
desconocida,
pues en
al no soes tachada,
que no
tiene merecida
lhamarse
por vos mi vida
oh vida desesperada.
Dona Guiomar de
Castro.
Oh triste gloria passada.
Conoce
que soy perdido,
por vos,
vida y muerte mia,
ca,
fuera ser merecido,
está ya
tan conocido
que negar no se devia,
que
siempre fue mi bevir
y mi
vida tam penada
qu' aun
estaa por venir
lo por
que yo devo dezir
oh triste gloria passada.
Dona Maria de
Melo.
Lo que mi sentir
calhava.
Que de vos nunca
pensee
falharme sino qual quedo,
gloria nunca la pasee
ni jamas nunca me see
menos
triste ni más ledo.
Y quando
triste fengia
qu' este
mal no me matava,
mucha
más pena sentia,
porqu'
enton contrafazia
lo que
mi sentir calhava.
Dona Felipa
Anriquez.
No veo como
seria.
Ya d' aca donde partistes
todo
cuanto haves andado,
vo lhorando por du
fuistes,
dando mil sospiros tristes
com' hombre desesperado.
Y sabés que tales son
sospiros sin alegria
que salem del coraçon,
mas salir desta passion
no veo como seria.
Dona
Lianor Pereira.
Quem
podesse saber quem
sabe parte de meu bem.
E
como quem vos nam via
anojado de viver
outra cousa nam fazia,
toda a noite, todo dia,
senam chorar e gemer.
E dezia saudoso
sem meu mal sentir
ninguem:
— Oh cativo desditoso,
quem podesse saber
quem sabe parte de meu
bem.
Dona Violante.
Quiça que terná la muerte.
Pues muriendo os dó plazer,
a la vida fim dar quiero,
sin la qual no puede ser
yo dexaros de querer
y querendoos desespiero.
Y despues de fenecida
mi dolor y pena fuerte
quedar puede guarecida
que lo que falta em la vida
quiça que terná la muerte.
5
TROVAS QUE
FEZ DOM JOAM DE
MENESES POR LETRA D' ŨA CUM‑
PUSTURA QUE
FEZ DE CANTO
D' ORGAM,
QUE SE CAN‑
TA TODAS
TRES VO‑
ZES POR ŨA
SOO.
Todas
tres vozes por ũa
acordaram contra mim
que paixões ò galarim
me causem sem caus' algũa
triste vida, triste fim.
Sendo falsas acordavam
com tal som e harmonia,
tais enganos mesturavam
que ninguem nam conhecia
de que vento se formavam,
Senam
eu que sei e sento
seus erros e donde vem
com' a quem perdido tem
paixam e contentamento
de seu mal e de seu bem.
E em som de verdadeiras,
com palavras enganosas,
fazem obras lastimeiras,
sam por bem muito danosas
e por mal pouco
guerreiras.
Almas, honras, corpos,
vidas,
tudo trocam por fazendas,
dam repouso por contendas
com sospeitas mal
havidas,
falam muito sem pôr
prendas.
Trazem linguas afiadas,
com que dam golpes
mortais,
as vontades mui danadas
i em fim, quand'
apertais,
tudo é nada das nadas.
Cabo.
Têm
em pouco pola vida
de muitos em deferença,
levemente dam sentença
contra parte nam ouvida
sem fazer disso pendença.
Mas quem manda sobre tudo
tem juizo tam perfeito
que ninguem por muito
rudo
nunca perde seu dereito,
nem o ganha por agudo.
6
TROVA
SUA QUE MANDOU A LUIS
DA
SILVEIRA, QUE PARTIA
DE
LIXBOA AO CERCO
DE
TANJER.
Co
estes ventos d' agora
perigoso é navegar,
que se mudam cada hora,
e quem vai de foz em fora
nunca mais poode tornar.
O navio pend' à banda,
a rezam nam é ouvida,
a vontade tudo manda,
e quem ha-d' andar
desanda,
quem tem alma nam tem
vida.
7
GROSA
DE DOM JOAM DE MENESES
A
ESTA CANTIGA QUE DIZ:
DI, AMOR,
PORQUE
QUESISTE.
¡Oh beldad, que no me
dexas
olvidar lo por que peno,
havé duelo de mis quexas,
pues por ti de quien m' alexas
soy de mi cativo ajeno!
No m' acuerdo de más vida
de la que me destroiste,
y pues la he por ti perdida,
darme pena tam crecida
di, amor, porque
quesiste.
Qual
rezon te comovió
assi nelha me matares,
pues cativo, triste yo,
solo verte convertió
mis plazeres em pesares.
Que la hora que te vi,
triste fue la postumera
de mi vida, ca morri,
con en verte consenti
que amasse en tal manera.
Y de
lexos he servido
com gram fe tu hermosura,
tu a mi, triste, perdido,
al reves del merecido
immortal diste tristura.
La qual
mata y nunca muere
con
querer triste que quiera
tu
beldad, mas elha quiere
cativo
que desespere,
porque
yo biviendo muera.
Y tu
bien puedes matarme,
mas nunca verme matar
terná poder de mudarme,
ca no
puedo tanto amarme
que te
pueda desamar.
Con tudo
mi mal estranho
de mi
muerte mensagero,
la qual
he por menos danho,
sé que
no fuera tamanho
si yo
fuera lisongero.
No digo que recelando
tu
perderme te ganara,
si te
pierdo bien amando,
mas
porque mi mal tirando
mi
querer te no tirara.
Ansi que
tanto quererte
fue
causa de mi penar
y
perderme de perderte,
pues sin
tanta fe tenerte
no me dieras tal lugar.
Con el qual desesperado
soy de
vida sin dolor,
no
porque m' hayas falhado
de ti
siendo desamado,
nunca
menos amador.
Ni
porque mi gran querer
te
saliesse mentidero,
ni por
ser rezon de ser,
mas
quieres verme perder
porque
amo, verdadero.
Ansi que pensar devria
que no
siendo tanto tuyo,
más aina
fueras mia,
mas por desta fantasia
no morir, de razon fuyo.
La razon
sin la qual muero,
si
triste quiero mirar,
me faze
que desespiero,
porque
quanto más te quiero,
quieres
mi pena doblar.
Y con
tanta mal andança,
quitado de todo vicio,
no pude fazer mudança,
ni puede
desesperança
quitarme
de tu servicio.
Ni puedo
dexar mi vida,
porque
bivo de ser triste,
pues le
distes la salida,
no al
fim que t' ee servida,
mas al
fim que lo feziste.
Yo con fim de fasta elha
tanto te
servi sin falha,
piensando
qu' em tal querelha
ganava
más en perdelha
qu' en
otra parte ganalha.
Mas si
tu beldad ordena
que mi
vida no te quiera,
no
podendo ser ajena
de
doblar toda mi pena
fue por
me buscar manera.
Cabo.
Acabo porque son tales
las
penas triste que tengo
que de
vivas son mortales;
ni son
ya males los males
que sin
ti por ti sostengo;
mas
bienes si me quitaren
la vida
que no tuviera,
y vida,
si me mataren,
y
muerte, si me dexaren,
porque
yo biviendo muera.
8
DOM JOAM DE
MENESES.
Mi tormiento desigual
pera más
pena sentir
me tiene
fecho immortal
y no me
dexa bevir.
Porqu' es tormiento tan fiero
la vida
de mi cativo,
que no
bivo, porque bivo,
y muero,
porque no muero.
Es mi
vida tan mortal,
tormiento
pera sofrir,
que me
fue dado el bevir
por pena
más infernal.
9
CANTIGA SUA.
Ojos
tristes, desdichados,
de todo
mal causadores,
vos
fezistes mis cuidados,
doloridos,
lastimados,
pera
sempre ser d' amores.
Vos
fezistes mis tormentos,
desastrados,
graves, crudos,
solo em
ver
quien
por sus merecimentos
vos fizo
quedar desnudos
de
plazer.
Assi que
por mis pecados
nos
dimos por servidores
de quien
nos tiene robados
de
plazer y nos ha dados
mil cuidados por amores.
10
OUTRA SUA.
Pois minha triste
ventura
nem meu mal nam faz mudança,
quem me vir ter esperança
cuide qu' ee de mais tristura.
E pois vejo que
em morrer
levais groria nom pequena,
antes nam quero viver
que viverdes vós em pena.
Quero triste sepultura,
quero fim sem mais tardança,
pois nunca tive esperança
que nam fosse de trestura.
11
CANTIGA SUA QUE
MANDOU
ÀS DAMAS EM
JAZENDO
DOENTE.
Senhoras, meu
coraçam
querei por Deos confortar,
que por querer
é doente de paixam,
e jaz em cama d' amar
pera morrer.
Querei dar-lh' algũs
conforto,
pois isto nam vem d' olhado,
mas d' oulharem
meus olhos quem me tem morto
dias ha, sem ser culpado,
em me matarem,
e à honra da paixam
e morte qu' hei-de passar
pola querer,
confortai meu coraçam
que jaz em cama d' amar
pera morrer.
12
CANTIGA
SUA.
Agora sei que
maldade
fiz a mim em vos querer,
agora sei a verdade,
que vejo com que vontade
folgastes de me perder.
Se taqui por vós
sentia
tristeza, pena, paixam,
polo bem que vos queria
esperava e merecia
dardes-m' outro galardam.
Tinha posto na vontade
servir-vos atee morrer,
mas depois soub' a verdade
e acho que mor maldade
ca qu' eu fiz nam pode ser.
13
DE DOM JOAM DE
MENESES A
SUA DAMA EM ŨA
PARTIDA, SENDO
MOÇO.
Senhora, por vos
lembrar
a tristeza qu' em mim cabe
e tambem por vos gabar,
quis aquisto começar,
mas nam sei como vos gabe.
Ca vos vejo sem vos ver
tam fermosa qu' ee danar-vos
louvar vosso merecer,
nem sei cousa que dizer
que nom seja desgabar-vos.
Vejo-vos, minha senhora,
nacida sem par no mundo,
vejo a mim que milhor fora
ca me ver sem vós agora,
ter-m' a terra ja de fundo.
Vejo-me por vós penado,
vejo Deos por vos fazer
ser de todos mais louvado
que por ser cruceficado
nem por seu gram padecer.
Vi a mim fazer
partida
com qu' espera de partir
deste mundo minha vida,
porque nisto soo dovida
de vos mais ver nem servir.
Dovida e eu dovido,
pois desta hei-de morrer,
nem quero que possa ser,
vendo-me de vós partido,
ter vida nem mais viver.
Que bem sei que
m' ee sobejo
viver eu, e isto digo,
porque se cumpro o desejo
vosso, meu, segundo vejo
que folgais pouco comigo.
E se taqui desejava
de ter vida ou a queria,
era soo porque vos via
e por vos ver comportava
quanto mal m' ela fazia.
Mas agora a
saudade
de vossa gram fremosura,
sem nenhũa
piadade,
faz mudar minha vontade
por fim de minha tristura.
E faz-me qu' hei por sobeja
vida tam sem esperança
e o qu' a vida deseja
é estar onde vos veja
ou morrer sem mais tardança.
E por isto se comprir,
minha vida e meu viver
querem morte consentir
e eu soo por vos servir
nam me pesa de morrer.
Que bem sei que folgareis,
como de feito folgais,
e bem sei que al nom quereis
e tambem que morrereis
se me cedo nom matais.
Polo qual sem
esperar
de vos ver mais em meus dias
como quem se vê matar,
dixo isto por lembrar
que me nam chegou Mancias
em amar nem em querer,
conquanto teve grã fama,
sem se nunca desdizer,
e depois triste morrer
por amor de sua dama.
Por ser de vós
apartado
me vejo neste perigo,
e por ser tam namorado,
triste, mal aventurado,
vejo a morte ja comigo.
Sem vos ver, porque vos vi,
vejo morto meu viver,
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