LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Poesia satírica e versos de circunstância, de Emílio de Menezes
Obra de referência:
Obra Reunida, de Emílio de Menezes,
Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1980.
ÍNDICE
O novo presidente da República Portuguesa
É hoje o aniversário da morte de Artur Azevedo
Requerimento engrossativo mas sincero – hino à dentada
Quadras encomendadas pela Cerveja Brahma
Quadras sobre cigarros “Odalisca” e “Excelsior”
OS TELEGRAMAS (ENTREATO)
Um quarto no palácio do governo em Porto Alegre. — Júlio, o Sublime, em ceroulas e de barrete frígio, afasta lentamente os lençóis e se senta na cama.
Bruxuleia no quarto a chama de uma vela de graxa pelotense, pondo sombras fugidias e súbitos clarões nas faces de uma fotografia de Clotilde de Vaux. Ouve-se fora um canto de serenata ao violão.
A SERENATA (com a música do fadinho do Hilário)
Ai! quem me dera querida,
Viver contigo até a morte!
Mas ah! tristezas da vida!
Sou mesmo um coió sem sorte!
JÚLIO
Coió sem sorte! Insultam-me, é isso mesmo!
Ah! canalhas! hipócritas, bandidos!
Tiram-me a graxa, deixam-me o torresmo,
Roubam-me as minhas ilusões queridas!
Dizem-se amigos, são amigos ursos,
Chamam-me chefe, mas me vejo a sós,
Sinto para a eleição não ter recursos,
Sofro como o mais reles dos coiós.
A SERENATA
Mas ah! tristezas da vida,
sou mesmo um coió sem sorte!
JÚLIO (ensaiando o metro)
Ai quem me dera a mim, presidência querida,
Empolgar-te de vez, só deixar-te na morte.
Mas oh! tristeza infinda, amargura da vida
Eu sou mesmo um coió, mas um coió sem sorte!
E então! não é que até consegui fazei verso?
MEDEIROS (o Borges) escutando no buraco da fechadura.
Não é que consegui fazer uns pés quebrados?
Contra o pensar do Mestre e o que o Mestre ordenou?
Não! não se metrifica a ciência do universo,
A lei das eleições...
JÚLIO (pensativo)
A lei dos três Estados,
Perdoai-me Augusto Comte e Clotilde de Vaux.
MEDEIROS (entrando)
Três Estados! Quais são?
JÚLIO
De Santa Catarina,
Rio Grande do Sul e mais o Paraná,
MEDEIROS
Unidos estes três ah! que eleição divina!
JÚLIO
Mas qual! São muito pouco humanos sem h.
MEDEIROS
Se te vim surpreender, em trato com as musas,
Foi para te provar que os ânimos inflamas
E que em nossa bancada as coisas vão confusas.
Trago-te aqui, senhor, estes dois telegramas.
A SERENATA
Mas oh! tristezas da vida?
Sou mesmo um coió sem sorte!
JÚLIO (depois de ler)
Diabos o levem, ao inferno, vede,
Caro Medeiros, que desgraça a minha!
Eu creio que afinal caí na rede,
Mexeram-me de mais na panelinha.
Querem minha opinião sem mais aquela
Exigem-ma num tom imperativo,
Como hei de me sair da entaladela?
Responde-me Medeiros, morto ou vivo!
Aqui não vim somente aconselhar-te
Nem matar as saudades de palácio.
Sei que sou o todo e que tu és a parte.
Responde-me, responde--me, pascácio!
MEDEIROS (trêmulo)
Se aqui estou, meu senhor, a ti somente o devo.
JULIO (iracundo)
Falo-te em verso heroico e dás-me alexandrino?!
(Mudando de tom)
Mas vamos ao que serve, ao meu único enlevo,
O que dizem de mim e dizem do Quintino?
(A SERENATA, muito ao longe)
Eu e tu no mesmo embrulho
Iremos juntos à morte!
Castigo do nosso orgulho!
Somos dois coiós sem sorte!
JULIO
Medeiros, dize cá; é comigo o “deboche”?
(Ah! é me saiu frouxo este verso, por cima!)
Dá-lhes uma lição,
MEDEIROS
A quem quer que eu arroche?
JULIO
Ao Marçal Escobar mais o Barbosa Lima.
MEDEIROS
E a resposta, senhor, a estes dois telegramas?
Eu bem quis responder, porém não sei se devo...
JULIO
Tu que por minha glória em tais zelos te inflamas
Responde ao meu nome.
MEDEIROS
O quê?
JULIO
Talvez te escreva.
MESTRE COOK
Rio de Janeiro, 2 de setembro de 1901.
Dão-me os jornais notícia de uma empresa
Fundada para dar cartas de fiança
Quanto a aluguel de prédios. Com certeza
Grande futuro tal ideia alcança.
Vai fazer, pelo menos, a limpeza
De umas imundas sucursais do avança,
Que exploram com torpíssima esperteza
Todo aquele que quer fazer mudança.
E tanto elas embrulham inquilinos
Como sai embrulhado o proprietário
Com fiadores matreiros e ladinos.
Tenha portanto a empresa por fadário
Dar cabo desses antros clandestinos
Que assim presta um serviço extraordinário.
(D’A Tribuna) E. de M.
O Malho, Rio de Janeiro, 4(153), 19 de agosto de 1905.
Quis alegre surgir pela manhã
Do dia de hoje a procurar alguém
Que quisesse a alegria honesta e sã
Que estas páginas trêfegas contêm.
Fugindo ao nosso eterno rã-me-rã
Busquei um nome que casasse bem
Aos gostos de uma folha folgazã,
E a meu próprio aqui dou meu parabém!
Lembraram-me diversos, mas nenhum
Deles, não sei por que, pude achar bom
E quase estive a batizar-me Pum! —
Mas passa um automóvel. Pego o som:
— Fan-fan — Fen-fen — Fin-fín — Fon-fon! Fun-fun
De fan-fen-fin-fon-fun, quis ser Fon-Fon!
Fon-Fon, Rio de Janeiro, 1º de abril de 1907.
Um fato que nos campos é frequente
Agora, na lembrança se me aviva:
— Se um trem Passa, por eles, velozmente,
Ladram os cães contra a locomotiva!
Esforço vão, estúpido e impotente!
Segue a máquina audaz, serena e altiva
E eles mal voltam, dolorosamente,
Na fraqueza da raiva inofensiva!
Tiremos neste caso, a semelhança:
— De Rio Branco o nome, o mundo inteiro,
Corre veloz e à própria glória alcança!
Ladra Zeballos! Ladra bom rafeiro!
Em tal ódio e tal sede de vingança,
Nem te percebe o Grande Brasileiro!
GASTON D’ARGY
Fon-Fon, Rio de Janeiro, 3(50), 11 de dezembro de 1909.
Pavão versus Águia
O Euclides, aluno militar, metido em insubordinações de classe e desrespeitando velhos superiores, é um Euclides transitório, um Euclides colegial, um Euclides, se me permitem de primeiras letras E não foi este o Euclides a quem acabam de suceder na Academia...
(De uma brilhante crônica de Costa Rego)
Se eu em gênero, em número e em caso,
Costa Rego, concordo bem contigo
Em condenar do Afrânio tal descaso,
Tiro esse trecho ao teu formoso artigo.
O único Euclides que, por mero acaso,
Teve um tal sucessor, ouve o que digo;
Foi esse Euclides pequenino e raso
De quem Afrânio se dizia amigo.
Tu pecas, nesse ponto, pela base:
Não teve sucessor, como tu queres,
O grande Euclides da gloriosa fase
Pois somente a Euclides quase alferes
Se opõe qualquer Trousseau de ambígua frase
Ou Maupassant de purgas e clisteres.
PEIXÃO AFROITO
Folha do Dia, Rio de Janeiro 22 de agosto de 1911, p. 1.
Vai da primeira página à Segunda
D’O País de hoje, o rodapé Erasmo
Faz a Fafânio em fase pudibunda
E recatado, tímido entusiasmo.
Erasmo é doce. Não compreendo a tunda
Que Fafânio levou de causar pasmo,
E em melífluas tiradas ele abunda
Contra a crítica, a sátira, o sarcasmo.
Eu não sei quem o nome a Erasmo tome
Para elogiar essa literatura
Em que Fafânio tanto se consome.
Se ensandeceu Fafânio, ninguém jura;
Porém é natural que, honrando o nome,
Faça Erasmo, o elogio da loucura.
Peixão Afroito
Folha do Dia, Rio de Janeiro, 23 de agosto de 1911, p. 1.
“Entende o doutor Afrânio,
E aos colegas que meter,
À viva força, no crânio,
O seu modo de entender,
Que a erudita Academia,
Da qual é membro influente,
Da nossa sabedoria
Deve tornar-se expoente.
Aqui do fundo insondável
Da minha triste consciência,
Deixe o doutor que estranhável
Eu ache a tal expoência.
Se vingar mesmo a teoria
Que o doutor vive a pregar,
Veremos a Academia
Transformada num bazar...”
Esta ideia de almoço, eu por mim já sabia,
Não podia deixar de ser obra do Oswaldo,
Pois o que mais lhe ameiga e abranda a fantasia
É o gozo do pirão, é a boia, é o grude, é o caldo.
Entre um novo sermão e uma nova iguaria
Fica, de senso falho, e de bom senso baldo.
Ele ingere um tutu, rosnando a Ave-Maria
E, deglutindo um bife, invoca São Geraldo.
Já que a mesa me traz a estupenda vantagem
De ver-vos a meu lado, alegres, fartos, sãos,
Mastiguei e digiro, a gosto, esta homenagem.
Mas, olhem! Tudo na vida tem o seu senão:
Depois de tanto cibo e tanta beberagem
Não vá da ideia o pai morrer de indigestão.
A Cigarra, São Paulo, março de 1917.
(Propaganda do xarope Bromil)
Lira: Se qual o azeite anda por cima,
Nada a muda do branco para o preto,
E nem perde a verdade apreço e estima
Pelo fato de a expor em tom faceto;
Como tudo que existe cabe na rima,
Bem cabe um atestado num soneto.
Por isso, a ideia que hoje aqui me anima,
Nestes quatorze versos lhe remeto;
Pode afirmar, por toda a eternidade,
Aos mil que sofrem e aos descrentes mil,
Que isso que aí vai é a essência da verdade!
De horrível tosse que me pôs febril,
Dei cabo, usando apenas a metade
De um milagroso frasco de Bromil.
D. Quixote, Rio de Janeiro, 1º de agosto de 1917 (contracapa).
“Ferrando José Patrício, guarda-livros da casa Angelino Simões & C., caiu ontem no Conto-do-Vigário, tendo os larápios lhe levado a quantia de 100.000$000.”
(Noticiário)
Que o delegado de olho vivo seja
Nesse inquérito, ao qual já deu início
E, se a verdade descobrir deseja,
Note que o gajo é mestre no artifício.
Com tal nome não vai à minha igreja,
Pois de pátria não ter, tem ele o vício:
Em qualquer parte em que Patrício esteja
Ele de todos há de ser patrício.
O caso nada tem de extraordinário:
O vigarista, porque andasse pronto,
Viu no patrício o desejado otário.
Mas repare só a polícia neste ponto:
Se prender o contista do vigário,
Não deixe solta a vítima do conto.
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, nº 1340, 23 de agosto de 1911, p. 1.
“Acertemos os nossos relógios! A questão da hora. O governo propõe que se adote a hora universal!”
(Editorial d’A Noite)
A Noite (entre parênteses eu digo
Sem reclame: e um jornal muito bem-feito)
Deu em colunas de honra um longo artigo
Sobre a hora certa, e leva o caso a peito.
Eu gostei da tirada e dou-lhe abrigo;
Porém, no assunto, penso cá a meu jeito,
Pois só tenho um relógio muito antigo
Que regula do modo mais perfeito!...
Sabem que o penhorista sempre “adianta”
Se o dono do relógio em sede e gula
Está “atrasado” e empréstimo levanta.
Assim, tendo a “cautela” do Farrula,
À hora em que parou, ele, em paz santa,
No prego dorme e, sem variar, regula!...
ZANGÃO
A imprensa, Rio de Janeiro, nº 1341, 24 de agosto, 1911, p. 1.
Causou, aqui um verdadeiro sucesso a entrevista que teve o dr. Sá Peixoto com um jornalista do Rio, contando o abuso diário que o coronel Bittencourt, vulgo Pedro Álvares Cabral, faz de uma caninha especial, que manda vir de Pernambuco, e à qual dá o nome de imaculada.
Pena é que o ilustre amazonense não se tenha referido a outros viciozinhos mais picantes do tiranete de Manaus.
(De uma correspondência de Manaus)
Esta é mesmo imprevista e inesperada!
O velho Bittencourt pifões cozinha!
E do Amazonas descem de enxurrada,
Pororocas de cana ou laranjinha.
De palácio mal desce, agora a escada!
Física e moralmente ele definha
E o que a alma lhe macula, é a “imaculada”,
O que o corpo lhe verga é essa caninha.
Deu-lhe o alambique original mania:
É, uma loucura a bem dizer didática;
Fala até da prosódia e ortografia.
De pau-d’água governa ele na prática,
Pois não passa, a qualquer hora do dia,
Sem ser com “dois dedinhos de gramática”...
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, nº 1344, 27 de agosto de 1911, p. 1.
O NOVO PRESIDENTE DA REPÚBLICA PORTUGUESA
A escolha portanto, a todos os respeitos, não poderia ser mais auspiciosa. Apenas haveria a objetar, quanto à sua avançada idade de 70 anos, total inexperiência prática de negócios públicos, e até mesmo essa integridade moral, pouco favorável à convivência com elementos partidários, ainda agitados pela recente revolução.
(Gama Rosa — Comentários)
Pondo de parte a inexperiência prática
Que é igual à atividade de quem dorme,
À rapidez motriz da força estática,
Ou a ser desigual por ser conforme;
Pondo mesmo de parte a nota enfática
Do artigo todo, hão de perdoar-me o opor-me.
A essa nova teoria sintomática
De grave mal e de perigo enorme!
Para o Gama a República recente
Ao que é honesto oferece logo embargo!
Que lhe agradeça a lusitana gente!
Olha o Rosa a bradar num gesto largo:
É muito sério para presidente!
Tem caráter demais para tal cargo!
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1352, 4 de setembro de 1911, p. 1.
No momento crítico, chegou o coronel Antônio Bittencourt, governador, que foi assim amavelmente recebido ela sua cunhada:
Veja, aprecie estes escândalos. Os senhores mandam dizer pelos seus jornais que no governo do Constantino e do Sá Peixoto se faziam neste palácio os maiores escândalos e as maiores orgias e, no entanto, eles nunca fizeram o que você e os seus estão fazendo. Metem meretrizes aqui, embebedam-se e se dizem homens de bem!
(Correspondência de Manaus para um dos nossos vespertinos)
Pedr’Alvares, pajé daquelas zonas,
Mas não tendo, como o ouro, um pedestal,
Carrega o nome tropeçando às monas
Da “imaculada” cachacinha ideal!
Não me espanta este case do Amazonas,
Pois que chamam aqui na capital,
Certa rainha mãe das marafonas
de viúva de Pedr’Álvares Cabral.
Por isso, contra o tal velhote chuva
Não sei por que a cunhada assim se dana!
Veja-lhe a mão que está justinha à luva!
Pedr’Álvares também tem alma humana
E do homônimo honrando o nome e a viúva
Faz do palácio a casa da Suzana!
ZANGÂO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1353, 5 de setembro de 1911, p. 1.
É preciso que o Sr. Oliveira Lima venha curtir saudades, para ver se a nossa chancelaria vai mesmo mal dirigida ou se é apenas efeito da distância.
(D’A Imprensa)
A Colmeia discorda do É preciso...
Acho que esse homem vir aqui não há de,
Por mar de rosas e caminho liso,
Curtir uma hipotética saudade!
Sim! Saudade não tem quem não tem juízo,
Nem quem intriga por perversidade!
Que o glorioso Barão, de sobreaviso
Fique, e mantenha firme a autoridade!
Põe ó Barão, teu coração de lado!
Por glória do Brasil e glória tua
Ninguém te empana o brilho conquistado!
O que É preciso..., eis a verdade crua:
— Para um tal tipo de indisciplinado, —
É a pena popular: o olho da rua! ...
ZANGÃO
Imprensa, Rio de Janeiro, nº 1354, 6 de setembro de 1911, p. 1.
Meu distinto amigo e chefe dr. Belisário Távora. Saúdo-vos com a mais alta estima e toda consideração.
Estando quase que plenamente apurada a responsabilidade do dr. Juvenato Horta, no inquérito por mim aberto na 2ª delegacia auxiliar, venho de maneira a mais respeitosa solicitar dispensa dessa comissão que, interinamente, exerço.
Trata-se de um meu condiscípulo e companheiro de formatura, cujo infortúnio, pelo muito que me contrista, deveras lamento e deploro Espero que encontrareis nisso a justificativa de minha atitude.
Como sempre, lealmente solidário convosco, subscrevo-me com elevado apreço “amo cro att”.
Flores da Cunha. (Dos noticiários)
Flores, não fora a nossa velha estima
E bastaria apenas esse fato
Para mostrar-me quanto estás acima
Do comodismo egoístico e pacato.
No gesto audaz que a independência anima,
Do teu caráter deste fiel retrato.
Desta musa que nunca vende a rima,
Tens o elogio a resto de barato.
Não sei quem seja o teu amigo, amigo!
Mas vi, mais de uma vez, que o teu ser vibra,
Se, ante o dever, o amor corre perigo.
Em tempos em que o egoísmo se equilibra
Para bem se manter no achado abrigo,
Provas que és homem da mais rara fibra!...
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n. 1355, 7 de setembro de 1911, p. 1.
S. S. Pio X resolveu suprimir sete dias santificados e criar um para o dia de São Pedro.
(Notícias de Roma)
Sem ter ofício certo, o nosso papa
Matuta agora em que passar o dia.
Da prisão que o envolve não se escapa
E, de Veneza, sofre a nostalgia.
Do mundo crente dominando o mapa
E, exercendo a maior soberania,
Vê, entretanto, que o mundo se lhe escapa
E não conhece o que dirige e guia.
Para se distrair, o prisioneiro,
Os dias santos, impiedoso, corta
Mas um concede ao celestial porteiro!
E não fizesse que, de cara torta,
Quando soltasse o alento derradeiro,
São Pedro, à face, lhe trancava a porta!
ZANGÃO
A imprensa, Rio de Janeiro, n. 1357, 9 de setembro de 1911, p. 1,
O sr. cônego Rangel concita os fiéis a tomarem atitude decisiva, contra o ato do governo que mandou sequestrar os bens de Santo Antônio dos Pobres.
(Da Gazeta)
Seu cônego Rangel, brabo não seja!
Ninguém furtou seu rico patrimônio;
Ninguém foi profanar a sua igreja:
Você se perde num caminho errôneo.
Não sei por que você grita e troveja,
Sem ser procurador de Santo Antônio.
Até parece nessa má peleja
Que há dentro de você qualquer demônio.
O santo, dizem, era irmão dos pobres.
Santo Antônio dos pobres, não o nego,
Foi um santo dos mais puros e nobres!
Mas dos irmãos nenhum foi burro ou cego
E o que deixaram, carregando os cobres,
Não chega a dar quatro vinténs no prego...
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, nº 1359, 11 de setembro de 1911, p. 1.
Do padre Sena Freitas a figura
Nem é mal feita, nem das mais perfeitas.
As ideias que tem, outrora aceitas,
Ninguém por elas hoje em dia jura.
As “gotas” de um gostoso padre-cura,
(Que são talvez de causas bem suspeitas)
Assim as batiza o padre Sena Freitas:
Gotas de ciência e de literatura.
Já tendo Pingos o Correio, as gotas
Não são gotas nem pingos, são toleimas
Para velhas ingênuas e devotas.
“Mas elas” próprias, discutindo e em teimas,
Dizem todas ponteando meias rotas:
Gotas virtuosas para as almorreimas...
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1361, 13 de setembro de 1911, p. 1.
Mas entre essas patranhas aparecem as verdades, que são em geral os atos oficiais. Ora, precisamente, nessas notícias com loros de verdadeiras, surge a de que vão mandar para cá, exportados diretamente, os malandros e os patifes vagabundos que infestam Lisboa.
É uma ideia profundamente estapafúrdia e criminosa, que é preciso em tempo impedir.
(Da Gazeta)
Terra que nada do que é nosso importa,
A não ser o dinheiro aqui cavado;
Que ao cacau e ao café nos fecha a porta
E nem ao nosso açúcar dá mercado;
Que nos manda o que estraga e o que conforta,
— Grelhos, paios, comenda, viscondado,
Virgem da Régua, Verde Pedra Torta,
Genro vadio e tio desempregado;
Quer ver também se agora um plano ensaia
E nos manda o seu vil resíduo humano.
De crime e vício toda a infâmia arraia!
Alto lá, Arriaga nesse plano!
O Brasil não é todo Sapucaia
Nem trapiche do lixo lusitano!
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1363, 15 de setembro de 1911, p. 1.
Entre as muitas profecias do poeta Múcio Teixeira, há uma que diz: grande incêndio numa importante repartição pública.
(Dos noticiários)
Múcio, o profeta, Múcio o hierofante,
Múcio que tudo cura e não se cura
Dos seus graves acessos de loucura,
Nem na fama de reles cartomante,
Talvez agora, num só breve instante
Por presente, pretérita e futura
Audácia, pague em horas de amargura,
O fez, o faz e o há de fazer por diante!...
Nada mais para inquérito é preciso,
A polícia debalde assim tateia
Em pasto incerto, trôpego e indeciso!...
Ouça o conselho que lhe dá a Colmeia
Com partícula vivíssima de juízo:
— Meta o Múcio, o profeta, na cadeia!
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1365, 17 de setembro de 1911, p. 1.
Essa guerra da Itália com a Turquia
Por que ora o mundo inteiro se interessa
Da Europa os horizontes anuvia,
Do pacifismo a bancarrota apressa.
Eis que mútua matança principia
Em fúria que não há poder que a impeça!
Aumenta do ódio a chama dia a dia,
Rugem canhões é a guerra que começa.
O próprio papa, ao ver a luta aberta,
Quer de Mafoma toda a gente morta;
Para nova cruzada os fiéis desperta.
E aos soldados dest’arte anima e exorta:
— Vede se a chave de São Pedro acerta
Na fechadura da Sublime Porta!
— Num exame de física:
— Qual é a principal propriedade o gás?
— A Expansibilidade...das contas.
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1384, 5 de outubro de 1911, p. 1.
Nunca se fecham as casas no Rio: as janelas e as portas estão continuamente abertas.
(De uma entrevista de Monna Delza para o Comédia)
Como é bela a mentira quando nasce
De uma formosa boca feminina!
Nem nos faz o rubor subir à face,
Tanto é discreta delicada e fina.
Se o que a Monna declara, declarasse
O Belisário Távora, imagina
O leitor que esta coisa assim ficasse,
Sem protestos da crítica ferina?
À Delza agradecemos a carícia
Das suas doces impressões de viagem.
Nas quais não há nem sombras de malícia.
Mas cá no seio da camaradagem,
Se assim fosse, que glória a da polícia
E que vergonha para a gatunagem!
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1384, 6 de outubro de 1911, p. 1,
Ernesto Senna festejou o seu 25° aniversário de decano do Jornal do Comércio.
Vinte e cinco anos de jornal completa;
Mas áureas bodas faz e não de prata.
Pois de ouro é toda a grande alma correta
Que na vida do Senna se retrata.
De pés tortos marchando em linha reta,
Do jornalismo pela rota ingrata,
É figura de todos predileta
E seu nome na fama se dilata.
Gosta a gente de ver na luta insana.
Firme, num furo manejando a pena,
O cônsul da nação venezuelana.
Se ele da imprensa abandonasse a arena,
O povo era voz potente e soberana
Gritava: à cena o Senna! à cena o Senna.
Tigremilio
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1385, 7 de outubro de 1911, p. 1.
Sou todo Itália nessa atual disputa.
Não inquiro se de uma ou de outra parte
Está a razão ou qual, no fim da luta,
Porá palmas de ouro no estandarte.
Amo a cavalheiresca, a resoluta
Pátria tua e de Dante, a terra da Arte,
Que te deu essa voz, que quem na escuta,
Queira ou não queira, fica logo a amar-te.
E eu te amo como a Itália! e assim amado.
Mafoma odeio com a cristã fereza
Do Duque Olivério e do Rolando!
E é por isso, aqui o digo com franqueza,
Que, mandando-te beijos, não te mando
Os prometidos brincos de turquesa.
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1386, 8 de outubro de 1911, p. 1.
“Reina a paz em Varsóvia.”
É velha a chapa: renove-a,
O conselho universal:
A antiga “Paz de Varsóvia”
Hoje é “Paz de Portugal”,
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1393, 15 de novembro de 1911, p. 1.
O Otávio Silva, resolvido a morder o gerente em um vale modesto e desconfiado da improficuidade da prosa, recorreu às musas, que lhe inspiraram a seguinte valiosa quadrinha:
“Vale ou não vale este vale?
Pois se vale, vale a pena
Que valendo-se da pena,
Peça o valor que ele vale.”
E o caso é que valeu.
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1394, 16 de outubro de 1911, p. 1.
Ouvimos dizer que não foi o Emílio que fez este epitáfio para o Cunha Vasconcelos.
“Vermes famintos, cautela!
Não lhe toques no caixão;
Pois ele, sem mais aquela,
Dá logo voz de prisão.”
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, N° 1396, 18 de outubro de 1911 P. 1.
Diz a Prensa que a Argentina vai aclimatar trutas nos rios nacionais.
(telegrama)
As finanças vendo pretas,
Com sábias vistas argutas,
A Prensa trata de tretas
E a nación trata de trutas.
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, N° 1397, 19 de outubro de 1911, p. 1.
É HOJE O ANIVERSÁRIO DA MORTE DE ARTUR AZEVEDO
Saudoso Artur Azevedo,
Amigo do nosso teatro.
Se não morresses tão cedo,
Verias o diabo a quatro
O alegre, e risonho enredo
De tuas peças, num latro-
Cínio que até causa medo,
Em sessões de três por quatro!
Ó pobre Artur, que paciente
Esperaste nas promessas
De termos teatro decente!
Hoje anda tudo às avessas:
Se tu não vives, há gente
Que vive das tuas peças!...
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1400, 22 de outubro de 1911, p. 1.
Mil novecentos e onze
Ano de triste memória,
Promete ficar no bronze
— Na brônzea chapa-da-História,
Como o ano mais belicoso,
Mais feroz, mais desumano,
Desse período famoso
Da era do aeroplano.
Há guerras por toda parte,
Aqui e ali, longe e perto;
Sob a tutela de Marte
Nasceu este ano, por certo.
Luta a Itália com a Turquia,
A França ameaça a Alemanha
Enquanto a democracia
Abala o trono da Espanha.
Em Portugal o litígio
O mundo inteiro atordoa:
De encontro ao barrete frígio
Raivosa investe a coroa.
Com tinta rubra se escreve
A história dos nossos dias;
Chile jura que em breve
Peru corta em fatias...
Num desespero maluco
A política se dana;
Cá no Brasil, Pernambuco
Afia a pernambucana.
Contrastando com a funérea
Nota de tanta chacina,
O mundo escuta a pilhéria
Da república da China!
E ante tais fatos, em prece,
Diz o Múcio, desolado:
Ah! Deus do céu! se eu pudesse
Profetizar...o passado!
Quando surgisse o ano novo
Com certeza rude fria,
Tais fatos, todos ao povo
Então profetizaria.
Ser profeta do futuro
Estragou-me a inteira pose!
Hei de levar tanto furo
Em novecentos e doze!
Mas como importa! o meu nobre
Esforço é bem compensado:
Se os tolos me passam cobre,
Sou profeta do passado!
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1401, 23 de outubro de 1911, p. 1.
(Sugestões de um poeta, faminto)
Tudo cor de azeitona. Fim do mês.
Noite opípara: a lua, qual pedaço
De manjar branco, gira pelo espaço.
Ergue-se o monte como um bolo inglês.
Vejo a calda do oceano e a languidez
Da geleia d’arbustos que, em melaço
De orvalho, treme à aragem. Há um bagaço
De nuvens no ar. O mar, de vez em vez,
Lança n’areia espumas de cerveja...
Vejo um sorvete e até de abacaxi
Sob a forma de torre de uma igreja!
Pelo espinheiro além, quanto palito!
E as estrelas, no céu, longe daqui,
São biscoitos jogados no infinito!
Por se ter aquecido um bronze, chegou, com um atraso de duas horas, o noturno paulista.
É, de certo, estranho caso
Esse que a imprensa anuncia:
Natural é haver atraso,
Porém, quando o bronze esfria.
O dr. Seabra recebeu telegrama de Manaus comunicando que, num ataque de índios, foi levemente ferido o trabalhador Grego.
Escaramuças ridículas
E um Grego ferido, enfim!
A proteção aos silvícolas
Perde o seu tempo e o latim
A Academia Brasileira de Letras elegerá, talvez, o cardeal Arcoverde, para a vaga de Raimundo Correia.
A eleição é só provável?
Qual nada! é certa, é fatal.
Candidato mais palpável
Não há de que um cardeal.
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1402, 24 de outubro de 1911, p. 1.
A polícia leve denúncia contra o solicitador Irineu Antão de Vasconcelos, acusado de ter feito várias transações com terrenos que lhe não pertenciam!
Um limpo trabalho ao menos,
Por que não fizeste, Antão?
Pisaste em falso os terrenos
Nas transações, “transação”?
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1403, 25 de outubro de 1911, p. 1.
Diz um telegrama de Porto Alegre que a atriz Maria Ricci, enviada violentamente para Buenos Aires, pelo empresário Guerra, a fim de não se casar com o maestro Costábile, seguirá diretamente do Rio Grande, de acordo com o cônsul italiano.
Esse Guerra que faz guerra
Aos casamentos alheios
Merece dez nomes feios
E pau que o ponha por terra
Pois quê! a moça desterra
Com tão violento furor?
O que empresário impostor
Que evita com tal desplante
Que a atriz com o maestro cante
Um belo dueto de amor!
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1404, 26 de outubro de 1911, p. 1.
Populares exaltados têm quebrado os condutores da iluminação pública.
(telegrama de Recife)
Decerto têm os dantistas
Muitas virtudes preclaras.
Mas não são positivistas
Não querem viver às claras
A polícia continua recolhida aos quartéis: O Diário de Pernambuco suspendeu a publicação.
(telegramas)
O Diário (é o que aqui se entende)
Acompanha a situação:
Como a polícia, suspende
A sua pública ação.
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n. ° 1418, 9 de novembro de 1911, p. 1.
O chefe de Polícia proibiu que fizessem parte da Guarda Civil oficiais da Guarda Nacional.
(Dos jornais)
Quem agora da Briosa envergue a farda,
Não pode mais, segundo o chefe ordena,
Fazer parte da nobre Civil Guarda
Que com luva e com pau, ao povo acena.
Não encontra o motivo a mente tarda
Dessa resolução que assim condena
O Civil que à cidade assiste e guarda,
A não possuir patente, por pequena.
E as razões indagando uma por uma
Não encontro, de fato, em toda a lista,
Senão esta que é frágil como espuma.
Julga o chefe, que é um rubro governista,
Que um “nacional” não pode ser em suma,
“Civil”, civilizado ou civilista...
— Que me dizes do projeto do Correa Defrheytas sobre o júri?
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n. ° 1451, 12 de dezembro de 1911, p. 1.
Disse o sr. Osvaldo Machado que não aderia ao sr. Dantas Barreto, porque não lhe apraz; o papel de estampilha política.
(telegrama de Recife)
O fato nos maravilha:
É de virtude um modelo.
Quem não quer ser estampilha
Embora podendo sê-lo.
O sr. Guerra Duval conferenciou com os revolucionários para evitar o bombardeio da cidade.
(telegrama de Assunção)
O diplomata emprega o meio
E muito bem por certo faz
De um tiro dar no bombardeio.
Porém com espanto o caso leio
De Guerra ser quem quer a paz.
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1453, 14 de dezembro de 1911, p. 1.
Quisera eu pôr nestes quatorze versos
Um leve, fino, alegre comentário
A algum novo e notável caso diário,
Entre os casos urbanos mais diversos.
Percorro dos jornais o noticiário,
Leio artigos e tópicos dispersos,
A pedidos satânicos, perversos,
Desastres, crimes, contos-do-vigário.
Nada encontro que inspire à alegre musa
Uma nota satírica e atrevida
Que nos nervos um frêmito produz.
É sempre a mesma coisa repetida:
Luza o sol, venha a noite, o sol reluza,
Como, o banal, se reproduz a vida!
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1460, 21 de dezembro de 1911, p.1.
Neste Natal quisera eu ter a dita
De ir ao teu lado, à sombra do teu vulto,
Ao menino Jesus render meu culto
Numa igrejinha simples e catita.
Longe dos faustos deste mundo estulto,
Num idílio de monja e cenobita
Entre os meus braços o teu rosto oculto,
Do amor a benção receber bendita.
Da natureza ouvindo a sinfonia.
Lá no Leme, entre as águas e as montanhas
Passarmos docemente o inteiro dia.
E à noite, após “complicações” tamanhas
Fazermos a consoada numa orgia
De vinho verde, beijos e castanhas.
O sapateiro à namorada:
— Que queres, meu amor que eu ponha no teu sapatinho?
Ela, dengosa e sincera:
— Uma meia sola.
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1464, 25 de dezembro de 1911. p. 1.
É candidato a governador de Alagoas o sr. Natalício Camboim.
De festa ao febril bulício
Diz Alagoas assim:
Haja fogo...de artifício
Em honra ao meu natalício...
Camboim.
Foi apresentada a candidatura do sr. Natalício Camboim à presidência do Alagoas.
Da festa ao febril político
Diz Alagoas assim:
— Haja fogo...de artifício
Em honra ao meu natalício.
Camboim.
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1465, 26 de dezembro de 1911, p. 1.
Os empregados da repartição de Águas e Esgotos queixam-se aos jornais de que, desde dezembro passado, não recebem ordenado.
Bem percebo as duras mágoas
Destes pobres empregados:
Andam “a seca” os das águas,
E os esgotos “esgotados”.
Que o nosso reclame voe
Aos poderes inclementes;
E que o arame enfim se escol
Pelos “canais” competentes. . .
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1482, 22 de janeiro de 1912, p. 1.
Foi nomeado agente diplomático do Paraguai o sr. José Meza.
(telegrama de Buenos Aires)
Este, com toda certeza,
No cargo não dará ratas.
Que figurarão fará “Meza”
Na roda dos diplomatas!
Fortaleza, 6 — É considerado providencial o fato de até hoje não se ter averiguado a morte de alguém do povo no combate de 22 a 24 do mês passado.
Algumas mortes verificadas foram de simples transeuntes ou de pessoas que estavam em casa.
(telegrama)
A carta não mais ajuntes,
Correspondente que louvo:
Se entre tantos transeuntes
Não havia um só do povo.
É que os mortos, com certeza,
No prélio sangrento e fero,
Se não eram da nobreza,
Faziam parte do clero.
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1498, 8 de fevereiro de 1912, p. 1.
A Federação informa ter sido chamado ao Rio de Janeiro o major Iracema Gomes, parece que por causa do discurso que esse oficial pronunciou por ocasião da instalação da Junta Pró-Menna na cidade do Rio Grande.
(telegrama)
Que lhe seja a viagem plena
De calma e serenidade.
Major, valeu bem a pena
Deixar a Junta Pró-Menna
Por tão bela promenade...
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1516, 26 de fevereiro de 1912, p. 1.
E nessa mistura de italiano e português, contou o padre Rigoni que queria salvar a alma da rapariga.
(d’A Noite)
Desejando, afinal, mudar de estado
— os Estados têm feito isso a rigor —
pilhou Maria Rosa um namorado
ao pintar da faneca — um Salvador!
Ao saber do namoro, exasperado,
padre Rigoni — amigo e confessor —
procurou evitar esse “atentado”,
porém nada logrou e...foi-se a flor!
O caso vai às oiças da polícia
e o dr. Hugo Braga, com perícia,
consegue liquidar toda a questão
E Rigoni confessa sucumbido:
— Não era Salvador, como o marido,
mas, tentara também a...salvação!
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1520, de março de 1912, p. 1.
Registramos a denúncia levada pelo dr. Filemon Torres, advogado da Light and Power, à polícia, contra dois empregados daquela empresa, acusados de terem dado ali vultosos desfalques.
Quando deparo um desses casos fico,
não direi satisfeito, mas contente;
a Light, águia feliz e onipotente,
faz de nosso Governo um tico-tico!
O povo, moço ou velho, pobre ou rico —
cede, cede com c, benevolente:
e a Light — até do Lloyd é pretendente —
todo o pinto que vê leva no bico!
Com direito ou sem ele, a Luz e Força,
à luz do dia e à força da chicana,
pilha tudo, por mais que a gente torça.
— Tudo, não! Desta vez a luz se empana,
vai-se a força e, por mais que ela se estorça,
dois agries dão nos pintos da águia ufana!
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, n° 1522, 3 de março de 1912, p. 1
Malvado Gato, Gato irreverente,
Que sem pena os políticos arranhas,
Que enches de medo da polícia a gente
Com as tuas endiabradas gatimanhas.
A polícia persegue-te inclemente
E uma reclame estardalhante apanhas.
Aumentas a edição galhardamente
E, com os aplausos, mais crame ganhas.
Escaldados, não temes água fria;
De unhas de fora, investes com coragem
Contra a bajulação e a hipocrisia.
Elas, sentindo os arranhões, reagem;
Mete a polícia o Gato na enxovia,
Deixando em liberdade...a gatunagem.
Um guarda civil proibiu que vendedores de jornais, descalços, exerçam a sua profissão.
Guarda civil desastrado.
Que agiste de tal maneira!
Vês agora o resultado?
‘Stás por causa do calçado
Levando descalçadeira.
ZANGÃO
A Imprensa, Rio de Janeiro, nº 1554, 15 de dezembro de 1911, p. 1.
Aquele negro capacho
Caiu de uma escada abaixo
Em noite de carraspana...
Mentiu, depois, que a bicheira,
Que rareou-lhe a cabeleira,
Fora uma bala certeira
Da pífia gente solana.
Empertigado malandrim pachola,
De polainas, monóculo e bombachas,
Mandou pôr na botinas meia sola
E abandonou de vez Porto das Caixas.
Traz registradas na caraminhola
Marcas de pontapés e de bolachas;
Faz versos; nos lundus ao tom da viola
É o Conde Monsaraz das classes baixas.
De Senha-Flor na rabadilha, ansioso,
De focinho no ar e ereto rabo
Tem estesias de cachorro gozo.
Come sardinha e dois vinténs de nabo;
Bufa num quebra-queixo pavoroso
E arrota petisqueiras de nababo.
Arrancado às hortas e capinzais de Catumbi, no primeiro dia da florescência dos agriões, aniversário de Sinhá Flor.
Como passas, B. Lopes? — Eu? Maluco!
Julguei um dia possuir princesas...
— E arranjaste este tipo mameluco?
— Que anda me pondo cá lampas acesas
— Mas eu te vejo sempre em tais proezas
— “Era a mais bela flor de Pernambuco”
— E hoje? perdeu acaso tais belezas?
É o mais feio canhão de Chacabuco.
Mas coragem! que a rima se derive
Pelo reguinho do meu verso, à toa,
Murmurando, ao passar, rimas em ive.
Vejo-te magro, espinafrado... — É boa!
Pois tu não sabes que comigo vive
D. Adelaide de Mendonça Uchoa?
Meu caro Nico. Eu sei que tu compreendes,
Da vida, o que há de menos ou demais
E não ralhas, castigas ou repreendes,
A não ser por motivos imorais.
Trazes apenso ao nome teu de Mendes
O plural da moral, sendo Morais.
Com tais nomes de ataques te defendes
E podes atacar com nomes tais...
E que esses nomes são a bela herança
Da honestidade atávica, ancestral
Que dá aos teus atos força e segurança.
Deixa pois que esta musa amiga e leal
Aqui te oferte a humílima lembrança
Deste soneto sobre o teu natal.
Meu caro Silva Araújo,
Júlio forte, alegre e nédio.
Eu de tão “limpo” ando sujo,
Por causa de um tal remédio.
Aí tenho uma receita
Que fica, por meus tormentos,
Depois da conta já feita,
Em treze mil e quinhentos...
Se algum crédito mereço
Este fiado não disfarço,
Pagarei logo ao começo
Do próximo mês de março
O pedir-te me desgosta,
Porém, como de outras vezes,
Sê bom mandando a resposta
Ao Emílio de Menezes.
Menos Brandão que brandura,
Pois de “Brandão” tens a cera
Ao lhe dar molde e feição
Fecho o parênteses, mau!
Não me sai isto a contento,
A frase é banal, sem jeito,
E se és amigo do peito,
Dá com o que peço um quinau,
Pois hoje sofro o tormento
De não ter um “nicolau”!
Como os tempos são cruéis
Para mim por estes meses,
Eu já não sei o que faça,
A não ser que na desgraça,
Me valham amigos fiéis!
Salva o Emílio de Menezes,
Brandão, com vinte mil-réis.
A pobreza.
De acordo.
A necessidade.
E eu que o diga.
Não te perpassa pela mente a troça
(Pois é troça o pensar-se na velhice),
De que se a idade, em anos, se te engrossa,
Já deixaste a garrida meninice.
A bondade imortal, que a alma te adoça,
Dá-te um cunho infantil, e essa meiguice
Que é nosso encanto e que é alegria nossa,
Chora entre risos e, entre prantos, ri-se.
Se no espírito tens a madureza
E no caráter tens a anciã virtude
Dos remotos varões da sã nobreza,
Quem de ti se aproxima, não se ilude:
No coração plantou-te a natureza
O viço em flor da eterna juventude.
(Retrato)
Pedagogo pernóstico e pedante
Com vastas pretensões a literato;
Barrigudinho, cético, insensato,
Portador de uma cara extravagante.
Eis o poetastro trêfego e barato
Que o chicote da crítica ululante
A zero reduziu, no mesmo instante
Em que passou a residir no mato.
Hoje não vibra mais, é letra morta,
Nem sonetos, nem livros maltrapilhos:
Passa o tempo a pedir, de porta em porta
Há de acabar assassinando os seus,
Como Saturno a devorar seus filhos,
O matador sacrílego de Deus.
Ipsis ego cana legam tenere lenugine mala.
VIRGÍLIO
Áureo-glauca, ora a casca desta fruta
Se veste de sutil, ligeiro velo,
Ora aparece nítida e impoluta,
No brilho vegetal, cetíneo e belo.
Qual carne virgem, sua polpa enxuta,
Levemente tocada de amarelo,
A humana gula em ânsias a disputa;
Abre a cobiça o sápido marmelo.
Nem a fama dos pomos de Atalanta
Ou de maçã de Newton que, num tombo,
Criou lei nova, o nome lhe suplanta!
O que, entretanto, em épico ribombo,
Mais o enaltece e o traz em glória tanta
É a marmelada esplêndida Colombo.
Não é um simples cachorro o Menelik.
É um ser que raciocina, um ser que pensa,
Que detesta o que é mau, que ama o que é chique,
E que é dotado de uma sorte imensa!
Somente abana a cauda por debique
E trata com suprema indiferença
Certos amigos como o Rocha, — o Henrique,
Com quem vive em constante desavença.
Conhece toda a atual vida mundana
E o segredo de todos os amores
Desde a Tijuca até Copacabana.
Ele é um cão que não morde, meus senhores,
Mas quando mordem o Lebrão, a gana
Então lhe chega, e morde... os mordedores!
REQUERIMENTO ENGROSSATIVO MAS SINCERO — HINO À DENTADA
Lebrão! Tu sabes que a Confeitaria
Colombo é verdadeira sucursal
Da nossa muito douta Academia
Mas sem cheiro de empréstimo oficial.
Cerca-te sempre a grande simpatia
De todo o literato honesto e leal,
E tu te vais tornando dia a dia
O mecenas de todo esse pessoal.
Nisto mostras que és homem de talento,
Que não cuidas somente de pastéis
Nem de lucros tirar cento por cento.
Atende, pois, a um dos amigos fiéis,
Que está passando por um mau momento
E anda doido a cavar trinta mil-réis!...
Isto é um caso de estética mineira,
De que o Brasil, por certo, não se ufana.
Há um armário que, em cada prateleira,
Ostenta mimos de arte soberana.
Bronzes, cristais, em suma, a verdadeira
Ciência do gozo e da delícia humana.
Há o ouro burilado e a alma altaneira
De um vaso esguio em rara porcelana.
Tal vaso (do que os homens são capazes!)
Foi tirado do móvel por mandinga
Dos mil politicões e seus sequazes,
E, em vez dele, hoje ali, mal-posto, ginga,
Na cerâmica alvar dos goitacases,
Um moringue de reles tabatinga.
A porta da nomeada a muque arromba,
Pula a janela da celebridade,
Como o Quincas Barbeiro ou o Chico Bomba,
No subúrbio, ou no centro da cidade.
Nada aplaca o furor que a alma lhe invade
Ao sentir que, alto, o nome não ribomba,
Mas abafa, com manha e habilidade,
O uivar da fera no arrulhar da pomba.
Pônei quer ser quando a trotar se atira.
Mas, por muito que, a andar, ele se esgote
Todos sabem que ele é trêfego piquira.
Vence, entretanto, um puro-sangue ao trote,
Se o alazonado bigodinho vira,
Na forma de um anzol de pesca ao dote.
Nesta hora em que chora tudo
Em choro alto ou choro mudo,
Tudo em berreiro infernal,
O Lalao geme na pua
Vendo a bernarda na rua
Com mestre Aurelino Leal
Que vai armando a cafua
A bicha vendo estourar
Sem a saída encontrar
Na terra, no sol, na lua.
Chora o rico, chora o pobre
Mendigo ou cheio de cobre
Nobre, clérigo ou vilão.
Chora o Lauro a investidura
Que lhe deve dar postura
E Enéas, todo chorão
Vai gemendo a maldição:
“Este Lauro é um caradura!”
Assim, ganindo no choro,
Mil voltas ao corpo dá,
E a choradeira faz coro:
— “Pobres terras do Pará!”
Neste angu de frigideira
Nesta geral borracheira
Borracheira de chorar,
Os juízes na bebedeira
Andam em vil pagodeira
A justiça a avacalhar
Explorando a ladroeira.
— Vamos lá mestre Lalao:
De vez lhe meta o pau,
Nós cá estamos na bordoeira!
Nem o diabo já os atura
No desplante a caradura
De comer, beber, jogar.
Em tudo isto o que se apura
É que, quem sofre a tortura
De não ter com que passar,
Não deve fazer loucura
Que não traz o bem-estar.
Entre no choro a chorar:
“Choro com choro se cura.”
Só não chora quem mergulha
Uma vez, duas ou dez,
Nesta versalhada pulha
A cabeça, o tronco, os pés.
Nestes negócios de choro,
O pessoal perde o decoro
Pondo a tristeza em frangalho;
Pois é tal a contradança
Que este grito os céus alcança:
— Viva a vida! Viva O Malho!
Se é o fastio que em ti medra,
Ou fome de comer pedra,
Não terás muito trabalho
Em achar remédio certo.
É entrares no céu aberto
Que há nas páginas d’O Malho!
Juiz a quem a honra abona
Ou juiz que vive na mona,
Na roleta ou no baralho,
Ricaços ou poetas boêmios,
todos confiam nos prêmios
Que vai distribuir O Malho.
Arrisquemos um leve comentário
As decisões do Tribunal Supremo.
Não se compreende o seu critério vário
Quanto se trata de recurso extremo.
Ontem de um modo, hoje é o contrário
E a vítima só diz: “Eu todo tremo
Porém protesto contra o meu fadário.
Isto é justiça? Pois que a leve o demo!”
Nestes casos a vítima é o prefeito
Que em apuros agora se coloca
Pela nova feição que teve o feito.
Que o Doutor Passos fique, pois, à coca,
E espere firme que ainda vence o pleito
Sobre os prédios do Largo da Carioca.
Rio, 28 de junho de 1904
No calçamento que se está fazendo
Em a toda a rua de Gonçalves Dias,
E que o aspecto lhe dá de caos horrendo,
Apressaram-se as duas companhias.
A Gás e a City, o proverbial remendo
Fizeram, (em dois tempos, ou dois dias)
O Van-Erven, porém, — homem tremendo! —
Só procura conflitos e arrelias!
Ele desmanchou. Ele demora tudo,
E toda a urgência do abastecimento,
D’água, ele diz que ainda é questão de estudo!
E estuda, sem perder um só momento,
Mas quanto mais estuda, mais a miúdo
Se lhe percebe a falta de talento.
Mais um trabalho do Bilac
E mais outro também do nosso Guima.
Aquele o poeta de maior destaque
E este, outro mestre emérito da rima.
Em novo livro vieram dar o baque
No Castilho que andava em grande estima
Com tal livro (que a crítica embasbaque!),
Até um novo é capaz de uma obra-prima!
Velhos e novos, pois, que sem demora
Comprem do Alves a esplêndida edição,
Desse novo que ao poeta a arte melhora,
Poeta! não basta ter imaginação!
A “Arte do Verso” ide buscar agora,
No Tratado de Versificação!
A Guerra dos Bálcãs contra a Turquia
Que tombe enfim toda a selvageria
Que a Europa avilta e que o progresso entrava
E sobre a vil e bárbara Turquia
De fogo caia a vingadora fava!
Que os balcânicos povos, à porfia,
Ergam em cada heroica mão a clava,
Contra a rotina, o atraso, a barbaria
Do sangue em que a Otomânia hoje se lava!
Se a Bulgária rugindo, o povo exorta,
O Montenegro o pavilhão desfralda
Sobre os destroços da Sublime Porta!
Da Sérvia à Herzegovina o ardor escalda,
Porque esse povo forte e unido importa,
Manteiga do Brasil, marca Esmeralda!
Ass. Carmem Silva
Quem pelas chuvas não se molha e enloda,
Quem da vida possui toda a fortuna,
Tudo que ao savoir-vivre se acomoda
Num requinte, trabalho e formosura;
Quem na mais elevada e grande roda
Não quer representar triste figura,
Usa sempre um chapéu de última moda
E um guarda-sol de rara formosura.
E é por isso que a fina-flor mundana
Procura a novidade e a fantasia
Na casa que em chapéus é soberana.
E a nossa principal chapelaria
É a ideal “Chapelaria Americana”:
Carvalho, Portugal e Companhia.
Velho é o conselho do cherchez la femme
Para tudo que existe neste mundo!
Verdade que resiste a todo o exame.
Conceito entre os profundos, mais profundo!
Quer o que a atos violentos nos inflame
E do homem calmo faça um iracundo;
Quer o que nos humilhe até o vexame,
E de um Deus faça um diabo num segundo,
Tudo há de vir dessa divina origem
Desse princípio em tudo dominante
Que nos leva de rastros à vertigem.
Para que seja sempre triunfante
Os próprios deuses trêmulos transigem
E isso “A Saúde da Mulher” garante!
QUADRAS ENCOMENDADAS PELA CERVEJA BRAHMA
Escrito no dia 15 de dezembro:
A José Bonifácio se insulava
Nessa ilha pitoresca, Paquetá!
Lugar que a água de coco dominava
E a Brahma-Porter dominando está.
Escrito no dia 21 de fevereiro:
O pintor Victor Meireles,
Que faleceu nesta data,
Dizia que ao próprio Zoeller
Já era a cerveja grata.
Escrito no dia 11 de abril:
Nesta data morreu nosso Macedo,
Autor do Moço loiro e Moreninha.
Quando o releio penso assim em segredo:
Um chope loiro e um copo da Negrinha.
QUADRAS SOBRE CIGARROS “ODALISCA” E “EXCELSIOR”
Quando a tempestade aumenta
O raio no espaço risca
Esta sentença: “A tormenta”
Cede a um cigarro Odalisca.
Do alto céu demande o rumo
O aroma que o cigarro tem.
Porém o odoroso fumo
Do Excelsior vai muito além!